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O MINISTRO QUE CONFESSOU A TORTURA

Ousarme Citoaian

Às margens do Sena (Ediouro), marca meio século de trabalho profissional do jornalista Reali Jr., sendo 35 anos como correspondente em Paris. Entrevistou quatro presidentes do Brasil (Jânio, Sarney, FHC e Lula) e três da França (Giscard d´Estaing, François Miterrand e Jacques Chirac), além de Chico Xavier, Mário Soares, Glauber Rocha e o coronel Jarbas Passarinho – quando levou o risonho ministro da ditadura a confessar que o Brasil torturava seus presos políticos. Cobriu também a Revolução dos Cravos, a morte do ditador Francisco Franco e a assinatura do acordo de paz no Vietnã (em Paris). Carreira nada monótona.

UM PAINEL DE ÉTICA, POLÍTICA E HISTÓRIA

Às margens do Sena (depoimento a Gianni Carta) trata de temas de permanente interesse, como ética, política e história. Homem de rádio, Reali Jr. (na foto, à direita de Luís Fernando Veríssimo) chega a Paris em 1972, contratado pela Jovem Pan/SP, dedicando-se, ao mesmo tempo, à mídia impressa. No prefácio, diz Mino Carta: “O rádio fez por merecer o papel que lhe coube, de unir um país de tamanho continental, porque arregimentou aqueles que sabiam usá-lo (…). E havia respeito pela língua, algo assim como fidelidade canina à gramática e à sintaxe, ao castiço sem pompa, mas elegante, incapaz por natureza de resvalar na vulgaridade”.

O COLOQUIAL POSTO FORA DO LUGAR

O livro é fundamental, mesmo que a transcrição da entrevista misture as linguagens oral e escrita. Permite-se, conforme vemos em jornais de nossa região, formas condenáveis como o entrevistado se expressou (embora defensáveis na fala). Em Às margens, os exemplos estão em todas as páginas. Abro na 34, ao acaso: “… para o pessoal do Adhemar, quem entrevistava o Jango era acusado, além de comuna e esquerdista, de janguista”; um pulo à página 164: “O Giles Lapouge teve uma meia dúzia de entrevistas com o Lévi-Straus (…). Para você ter uma idéia, o Lévi-Straus lê os livros do Lapouge”. É algo que incomoda.

TESTEMUNHOS QUE NÃO FORAM DADOS

A fórmula não nos é estranha. A Editus/Uesc lançou em 2001 a série Testemunhos para a história, inaugurada com um depoimento do memorialista ilheense Raymundo Sá Barreto, no estilo de Às margens do Sena: a fala do entrevistado foi passada do gravador para o papel, conservando-lhe até eventuais erros. Um parêntesis sobre Testemunhos: é de lamentar-se que o projeto tenha morrido ainda no berço, pois Lindaura Brandão, Zélia Lessa, Henrique Cardoso, Ritinha Fontes, João França Santana, Otoni Silva, Helena Borborema, Alberto Lessa e tantos outros teriam muito a dizer sobre a história regional.

TALENTO QUE APENAS APLAUDIMOS

Ainda sobre Às margens do Sena e Testemunhos para a história, adianto-me à chuva de pedras e esclareço que não pretendo (nem tenho qualificação para tanto) usar lápis vermelho nos textos referidos. Em ambos os casos, não se trata de incompetência, mas de escolha, só que essa escolha me molesta. Entendo que as línguas falada e escrita sejam diversas. Mas não desconheço a possibilidade, em situações específicas, de tirar bons efeitos literários ao “confundir” os dois formatos, como em Sargento Getúlio, (justamente) festejado livro de João Ubaldo Ribeiro. Talento não se discute, apenas se aplaude.

O OPERÁRIO FORMATANDO O DIVINO

eu já concebo o verso assim metrificado
como arquiteto que planeja um edifício
na exatidão do prumo reto e equilibrado
sem perguntar se isto é fácil ou é difícil…

eu já concebo a rima assim – intercalada,
numa urdidura trabalhosa e singular –
puxando o fio de cada sílaba marcada
pelo tecido de uma métrica sem “sem par”!
eu já concebo o meu soneto alexandrino
(como a matriz de uma equação vetorial)
fazendo cálculo semântico e verbal

com  meu compasso atrapalhado de menino!
eu já concebo o meu poema ornamental,
como operário que dá forma ao que é divino!

VISITA DO CONTEMPORÂNEO AO CLÁSSICO

O autor de “Concepção” , o soneto acima, é Lourival Piligra Júnior (foto), poeta itabunense nascido em 1965, com um livro publicado – Fractais – e participação em antologias. Neste soneto, ele nos dá a entender que atualiza o “Profissão de fé”, do parnasiano Olavo Bilac: enquanto para o carioca a estrofe precisa sair da oficina do ourives “cristalina, sem um defeito”, o itabunense concebe o verso rigorosamente metrificado, “na exatidão do prumo reto e equilibrado”, não importam as dificuldades. É o gênero renovado, com o contemporâneo visitando o clássico. “Concepção” foi retirado de Diálogos (Via Litterarum), organização de Gustavo Felicíssimo.

A ROMA, A INTER E A JUVENTUS

Da série “Nem tudo está perdido”: ouço, na Globo, referências ao futebol europeu,  particularmente quanto ao Internazionale (de  Milão), e, para minha surpresa, o narrador, famoso por meter os pés pelas mãos em termos de linguagem, trata o time italiano como o Inter. E isto é uma agradável novidade, pois ele e a imensa maioria dos seus colegas, incluindo Tostão, meu cronista esportivo preferido, falam do grande clube italiano como a Inter. O mesmo é observado em relação ao Roma (apelidado a Roma) e ao Juventus (dito a Juventus).  O motivo desse absurdo, só o saberia o Deus da gramática. Os mortais apenas especulam.

SOMENTE A IGNORÂNCIA JUSTIFICA

Houve quem dissesse que se trata de uma elipse (isto está em moda!), o que seria “justificável” apenas no caso do Roma: por chamar-se Associazione Sportiva Roma estaria implícito o gênero feminino (a Roma). Mas o argumento é fragilíssimo, pois a Sociedade Esportiva Palmeiras (antes, Sociedade Esportiva Palestra Itália) nunca levou ninguém a tratar o clube como a Palmeiras. E, pior, os outros dois não são associaziones: um se chama Football Clube Internazionale Milano e outro é Juventus Football Clube, nomes masculinos, com certeza – o que atesta que o motivo de serem chamados a Roma, a Inter e a Juventus é tão somente a ignorância de alguns comunicadores.

CUIDADO COM O COLORADO GAÚCHO

O processo dessa “evolução”, da preferência de certo grupo de linguistas, é simples: alguém diz “a Juventus”, sem motivo aparente, algum preguiçoso acha bonitinho e repete a excrescência no noticiário do jornal, rádio e tevê. Pela repetição, a besteira injustificável adquire status de “uso consagrado” e então ai de quem pretender retomar a forma anterior – será carimbado como “arcaico” e atirado às feras, não faltando quem lhe esfregue nas fuças o lugar-comum de que a língua é dinâmica, como se ele disso não soubesse. Fico pensando se alguém, nesse desvario linguístico em que vivemos, resolver chamado o Internacional de Porto Alegre de a Inter. Não ia combinar com a tradição dos colorados.

CANÇÃO PARA ENCERRAR CASO

Em seu périplo pelo Nordeste, José Serra acenou com a canonização de Irmã Dulce, visitou o memorial do Padre Cícero e, em Recife, solfejou uns versos de Fim de caso de Dolores Duran ((a foto é do disco Dolores Duran canta pra você dançar), para anunciar seu distanciamento do atual governo federal: “Eu desconfio/que nosso caso/está na hora de acabar/”. Que o candidato desista desse perigoso caminho de cantante desajeitado, para o bem dos nossos ouvidos, amém. Depois de aguentar Suplicy fazendo um Bob Dylan gaguejante (com Blowin´ the wind), minha tolerância a políticos desafinados já está esgotada.

BRASILEIRO: PROFISSÃO ESPERANÇA

Mais grave é que o jornalista Victor Hugo Soares, em artigo que circula pela internet, relacionou a autora com Antônio Maria, referindo-se ao Fim de caso (agredido por Serra) como “clássico da criativa e explosiva fase de rompimento de Dolores com o notável compositor e cronista pernambucano”. Não fosse o jornalista quem é (um dos mais respeitáveis profissionais da área), eu diria que ele se engana redondamente. A autora de A noite do meu bem foi grande amiga do autor de Ninguém me ama, gravou canções dele e foi o lado feminino do show Brasileiro: profissão esperança (com Clara Nunes e Paulo Gracindo/1974). Mas nunca tive notícia de “caso” entre os dois.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

“QUERO A PRIMEIRA ESTRELA QUE VIER”

Dolores Duran, dona de uma veia romântica impressionante, não precisava de amores descarrilados para produzir seus versos. Era, nesse sentido, um Antônio Maria (foto) de saias (saia era uma estranha peça de roupa que as mulheres usavam antigamente). Aí estão, além do citado “Fim de caso”, “Por causa de você” (Ah, você está vendo só do jeito que eu fiquei e que tudo ficou), “A noite do meu bem” (Hoje eu quero a rosa mais linda que houver…/Para enfeitar a noite do meu bem), “Ternura antiga” (Ai, a rua escura, o vento frio/Esta saudade, este vazio…), “Solidão” (Ai, a solidão vai acabar comigo…) e outras. Ela e Antônio Maria eram rei e rainha de um gênero chamado fossa (e que atendia também pela alcunha de dor-de-cotovelo.

SUGESTÕES QUE O VENTO SOPRA

Bob Dylan completou em 24 de maio 69 anos (nasceu em 1941). Em março de 2008, num show em São Paulo, ele cantou Blowin´ the wind (a pedidos, também do “cover” Eduardo Suplicy). E canta outra vez aqui, como eco do seu aniversário e para relembrarmos aquela voz rascante de “caipira” (antes do rock ele teve uma fase country, todos sabem). Mais ainda porque se trata de uma canção política, de apelo atualíssimo, com o vento soprando sugestões aos candidatos. Dolores Duran (que se apresentou no Sul da Bahia nos anos cinqüenta, alguém se lembra?), fica para outra.


(O.C.)

10 respostas

  1. Na mesma linha de raciocínio, algum otário disse ou escreveu “correr atrás do prejuízo” (nas transmissões esportivas é o que mais escutamos). Só idiota para “correr atrás de prejuízo”. O bom senso nos manda ir a procura do lucro.

  2. A Professora Zélia Lessa é detentora de riquissimo potencial, carrega consigo histórias e músicas que orgulham qualquer grapiúna. Excelente tema para uma tese de mestrado em História Regional. Sua rapsódia grapiuna é uma raridade, uma celebração aos primórdios das roças de cacau, além da dedicação aos mestres clássicos. Uma linda e lúcida lenda viva.

  3. Amigo, não é pra falar mal não. Mas a questão do ‘a’ Inter vem do fato de na Italia ser conhecida como “La Grande Inter”. Creio que seja mera referencia a isso e mesmo assim muitos estudiosos da lingua portuguêsa afirmam que a expressão falada adimte fuga gramatical!

  4. Amo a discussão (é dali que vem a luz da Coelba, dizem), mas confesso que “A grande Itália” me escapa, como explicação ao masculino-feminino que levantei. Estou mais para “A grande França”, não esta da Copa, pequeníssima, mas a de 1789. Mas tais informações trouxeram “qualidade” (termo de que abusam os comentaristas de futebol) à coluna.
    Retornando à seriedade, quero dizer a “leidekeite” que a professora Zélia é tudo isso e mais ainda: tem não só o maior, mas o único acervo de canções de trabalho (uma espécie de blues regional, que Deus me ajude), que ela recolheu pessoalmente e outras que lhe foram dadas pelo professor Plínio de Almeida. Entre elas, uma que diz “Cacau é boa lavra/ Eu vou colher…”
    Bem que Itabuna poderia criar uma espécie de Museu da imagem e do som – mas, nem me digam, sei que estou falando bobagem. Não esquecer que o marido de ZL, o pediatra Alberto Lessa, guarda importantes aspectos da memória política de Itabuna, de quando foi militante do velho MDB de Dr. Ulisses.
    Ah, sim, “leidekeite”: dizer que Zélia Lessa é “uma linda e lúcida lenda viva” me deixou enciumado, pois eu, profissional, não diria melhor.

  5. Parabéns ao Pimenta poroportunizar aos leitores acesso à cultura regional. Pilligra é um grande talento da literatura. Juntamente com GeorgePellegrini; Rita Santana; José Delmo; Ramon Vane; Ulisses; Heitor Brasileiro; Daniela Galdino; Felissíssimo……..Viva à nova geração de poetas. Na maioria, uma relação ubilical com a nossa FESPI-UESC. Com Céu.Que tempo bom.

  6. DENÚNCIA: SÍTIO CALDEIRÃO, O ARAGUAIA DO CEARÁ – UMA HISTÓRIA QUE NINGUÉM CONHECE PORQUE JAMAIS FOI CONTADA

    “As Vítimas do Massacre do Sítio Caldeirão
    têm direito inalienável à Verdade, Memória,
    História e Justiça!” Otoniel Ajala Dourado

    O MASSACRE DELETADO DOS LIVROS DE HISTÓRIA

    No município de CRATO, interior do CEARÁ, BRASIL, houve um crime idêntico ao do “Araguaia”, foi a CHACINA praticada pelo Exército e Polícia Militar em 10.05.1937, contra a comunidade de camponeses católicos do SÍTIO DA SANTA CRUZ DO DESERTO ou SÍTIO CALDEIRÃO, cujo líder religioso era o beato “JOSÉ LOURENÇO GOMES DA SILVA”, paraibano negro de Pilões de Dentro, seguidor do padre CÍCERO ROMÃO BATISTA, encarados como “socialistas periculosos”.

    O CRIME DE LESA HUMANIDADE

    O crime iniciou-se com um bombardeio aéreo, e depois, no solo, os militares usando armas diversas, como metralhadoras, fuzis, revólveres, pistolas, facas e facões, assassinaram na “MATA CAVALOS”, SERRA DO CRUZEIRO, mulheres, crianças, adolescentes, idosos, doentes e todo o ser vivo que estivesse ao alcance de suas armas, agindo como juízes e algozes. Meses após, JOSÉ GERALDO DA CRUZ, ex-prefeito de Juazeiro do Norte/CE, encontrou num local da Chapada do Araripe, 16 crânios de crianças.

    A AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELA SOS DIREITOS HUMANOS

    Como o crime praticado pelo Exército e Polícia Militar do Ceará é de LESA HUMANIDADE / GENOCÍDIO é IMPRESCRITÍVEL conforme legislação brasileira e Acordos e Convenções internacionais, a SOS DIREITOS HUMANOS, ONG com sede em Fortaleza – CE, ajuizou em 2008 uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a União Federal e o Estado do Ceará, requerendo: a) que seja informada a localização da COVA COLETIVA, b) a exumação dos restos mortais, sua identificação através de DNA e enterro digno para as vítimas, c) liberação dos documentos sobre a chacina e sua inclusão na história oficial brasileira, d) indenização aos descendentes das vítimas e sobreviventes no valor de R$500 mil reais, e) outros pedidos

    A EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO DA AÇÃO

    A Ação Civil Pública foi distribuída para o Juiz substituto da 1ª Vara Federal em Fortaleza/CE e depois, para a 16ª Vara Federal em Juazeiro do Norte/CE, e lá em 16.09.2009, extinta sem julgamento do mérito, a pedido do MPF.

    RAZÕES DO RECURSO DA SOS DIREITOS HUMANOS PERANTE O TRF5

    A SOS DIREITOS HUMANOS apelou para o Tribunal Regional da 5ª Região em Recife/PE, argumentando que: a) não há prescrição porque o massacre do SÍTIO CALDEIRÃO é um crime de LESA HUMANIDADE, b) os restos mortais das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO não desapareceram da Chapada do Araripe a exemplo da família do CZAR ROMANOV, que foi morta no ano de 1918 e a ossada encontrada nos anos de 1991 e 2007;

    A SOS DIREITOS HUMANOS DENUNCIA O BRASIL PERANTE A OEA

    A SOS DIREITOS HUMANOS, como os familiares das vítimas da GUERRILHA DO ARAGUAIA, denunciou no ano de 2009, o governo brasileiro na Organização dos Estados Americanos – OEA, pelo DESAPARECIMENTO FORÇADO de 1000 pessoas do SÍTIO CALDEIRÃO.

    QUEM PODE ENCONTRAR A COVA COLETIVA

    A “URCA” e a “UFC” com seu RADAR DE PENETRAÇÃO NO SOLO (GPR) podem localizar a cova coletiva, e por que não a procuram? Serão os fósseis de peixes do “GEOPARK ARARIPE” mais importantes que os restos mortais das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO?

    A COMISSÃO DA VERDADE

    A SOS DIREITOS HUMANOS busca apoio técnico para encontrar a COVA COLETIVA, e pede que o internauta divulgue a notícia em seu blog/site, bem como a envie para seus representantes no Legislativo, solicitando um pronunciamento exigindo do Governo Federal a localização da COVA COLETIVA das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO.

    Paz e Solidariedade,

    Dr. Otoniel Ajala Dourado
    OAB/CE 9288 – 55 85 8613.1197
    Presidente da SOS – DIREITOS HUMANOS
    Editor-Chefe da Revista SOS DIREITOS HUMANOS
    Membro da CDAA da OAB/CE
    http://www.sosdireitoshumanos.org.br
    sosdireitoshumanos@ig.com.br
    http://twitter.com/REVISTASOSDH

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