Davidson Brito | davidson_brito@yahoo.com.br
A surpresa mesmo, para alguns, existe quando a notícia de que o Conselho Municipal de Transporte, órgão representativo que é responsável por fiscalizar e nortear questões relativas ao transporte, assuma determinada posição sem levar em consideração elementos fundamentais para a tomada de uma decisão democrática, legal e transparente. Pior, ainda, é quando a prefeitura, que deveria ser a porta voz da maioria, vai justamente na contramão disso.
O colapso no transporte público deixou de ser uma ameaça há algum tempo e já é uma dura realidade para maioria da população itabunense. Ao passar dos anos, reclamações se acumulam e nada ou muito pouco tem acontecido. Certo mesmo tem sido ao início de cada novo ano a notícia do aumento na tarifa do transporte coletivo urbano e rural.
Não é preciso ser nenhum especialista para ver o óbvio: o transporte público em nossa cidade beira o caos. Tarifa cara, ônibus cheios e passageiros amontoados, desesperados para chegar ao trabalho ou em casa. Número de ônibus insuficientes e horas e horas a fio desperdiçadas diariamente nos pontos. Isso sem mencionar a sujeira acumulada nos veículos, além, é claro, do cotidiano desrespeito ao Estatuto do Idoso. E as principais vítimas, como não poderiam deixar de ser, são os trabalhadores e jovens da periferia que dependem do serviço e são obrigados a viver um inferno diário dentro dos coletivos.
Enquanto isso, o governo municipal de Fernando Gomes, por sua vez, insiste em fazer de conta que tal realidade não existe. E, quando fala sobre o assunto, foge dos reais problemas e tenta a todo custo criminalizar aqueles que buscam denunciar o atual estado do transporte. Longe de discutirem as reais causas para termos chegado a esse ponto, o governo parece tratar o assunto como mera obra do acaso, sem causas ou culpados. A população, por sua vez, é condicionada a se conformar e achar que esse problema não tem solução.
TRANSPORTE PÚBLICO, LÓGICA PRIVADA
Muitas pessoas em algum momento da vida se perguntaram: como o transporte é público se o serviço é restrito devido à cobrança da tarifa? A resposta para tal pergunta é muito simples e tem previsão legal no art. 175º da Constituição Federal, que incumbe ao Poder Público a prestação de serviços públicos, podendo ser de forma direta ou sob regime de permissão ou concessão, sempre através de licitação, como é o caso da situação do transporte em nossa cidade. E é justamente na maneira de como se dá essa concessão que começam nossos problemas.
As companhias públicas de transporte que existiam foram privatizadas nas últimas décadas. Esse processo seguiu o modus operandi das privatizações: primeiro, precariza-se o serviço para, então, passá-lo à iniciativa privada. Os resultados disso os usuários do serviço conhecem bem: tarifas mais caras, serviços piores e redução de direitos e salários dos funcionários.
A opção pelo transporte rodoviário em nosso país se deu devido à pressão e influência do setor privado, através das grandes multinacionais da indústria automobilística, como a Ford. A esse modelo, caro e ineficiente, imposto pelas multinacionais, soma-se o baixo investimento realizado pelos mais diferentes governos. Em Itabuna, a situação não é diferente, onde, segundo os dados do Portal da Transparência da Prefeitura, no ano de 2017 o município sequer chegou a investir o equivalente a 0,3% do PIB local.
Ao mesmo tempo, entregam a cada dia mais a cidade na mão do capital privado, deixando o controle total do serviço de transporte coletivo na mão das grandes empresas, verdadeiras máfias que, junto com os governos de plantão, assaltam o bolso da população e em troca oferecem um serviço precarizado, ineficaz e com tarifas em valores absurdos, que, diga-se de passagem, contam com o respaldo de todo o processo de licitação, que nos tempos atuais mais se parece com um grande acordo político contra o povo.
TRANSPORTE É UM DIREITO, E NÃO MERCADORIA!
Para se ter uma ideia de quão dramático é o problema do transporte público, basta citar que se estima que nas cidades brasileiras 34% das 150 milhões de viagens realizadas todos os dias são feitas a pé por pessoas que não têm dinheiro para pagar passagens. Isso demonstra que mesmo com o transporte coletivo sendo admitido como direito social, em acordo com o art. 6º da Constituição Federal, os mais diferentes nomes que estiveram à frente do Centro Administrativo Firmino Alves seguiram à risca a lógica contraditória de exclusão à cidade.
Itabuna, historicamente, foi pensada para o centro. E é por isso que as principais escolas e postos de trabalho, hospitais, parques e espaços formais de cultura estão bem longe das periferias. Faz com que diversas categorias (estudantes, trabalhadores e aposentados) sintam em diferentes proporções o peso perverso de tal lógica, o que aponta que o tratamento dado pelos governos anteriores e o atual vão na contramão dos interesses da maioria da população. Transformar um direito em mercadoria tem por único objetivo satisfazer o interesse de pequenos grupos, esquecendo assim que o transporte público é um direito essencial básico, assim como a saúde e educação, onde todos os problemas enfrentados, aliados a tentativa em aumentar a tarifa ferem diretamente o direito de ir e vir e de acesso aos espaços públicos, dificultando ainda mais a vida da população que faz uso do serviço.
DE QUE LADO ESTÃO O CONSELHO, O PREFEITO E OS VEREADORES?
Já não é mais novidade para ninguém que os empresários do transporte querem a todo custo que a tarifa aumente. A surpresa mesmo, para alguns, existe quando a notícia de que o Conselho Municipal de Transporte, órgão representativo que é responsável por fiscalizar e nortear questões relativas ao transporte, assuma determinada posição sem levar em consideração elementos fundamentais para a tomada de uma decisão democrática, legal e transparente. Pior, ainda, é quando a prefeitura, que deveria ser a porta voz da maioria, vai justamente na contramão disso.
Se, por um lado, é bem verdade que os mais diferentes prefeitos sempre foram favoráveis ao aumento, também do mesmo lado a Câmara de Vereadores sempre tem se posicionado da mesma forma. Recentemente, um desentendimento envolvendo parte dos vereadores e o prefeito, colaborou para uma posição diferente do legislativo. No entanto, a prova que não podemos ficar reféns de discussões fechadas em gabinetes é que os mesmos vereadores que aprovaram o decreto legislativo 01/2018, que revogou o aumento de R$ 2,85 para R$3,30, autorizado pelo prefeito, foram os que concordaram com o relatório da ARSEPI, órgão que fiscaliza e regula os serviços públicos em Itabuna, que aponta o aumento de R$2,85 para R$3,00. Do outro lado mesmo, está a maioria da população que indignada com o serviço prestado nunca balançou para o lado dos que defendem o aumento na tarifa.
Verdade seja dita, prefeito e vereadores podem até estar separados pelo aumento para R$3,30, mas estão juntos para aumentar a tarifa. Na modesta opinião de quem vos escreve, a luta de todo o movimento sindical, estudantil e popular deve ser uma só: NENHUM CENTAVO A MAIS NA TARIFA. Que o transporte melhore e a tarifa diminua!
POR UM TRANSPORTE PÚBLICO DE FATO, MUNICIPALIZAR É A SOLUÇÃO!
O problema do transporte público passa pelo modelo como foi implantado nas últimas décadas, pelos baixos investimentos realizados pelo governo, pela lógica do lucro e de uma cidade para poucos. Isso significa municipalizar, sem qualquer indenização, todo o sistema de transporte, revertendo o que hoje vai de lucro às empresas, para a melhoria e expansão do serviço à população e das condições de seus trabalhadores. Municipalizar, contudo, sob o controle dos trabalhadores, que é quem conhece de fato os problemas e necessidades da grande maioria da população.
Para reverter a atual situação e acabar com o caos cotidiano ao qual são submetidas as pessoas, é preciso aumentar o investimento. Segundo estudo do Instituto Latino-Americano de Estudos SocioEconômicos, seria necessário investir o equivalente a 2% do PIB em transporte público de massa para resolver de fato essa situação. Já para Sérgio Lessa ex-presidente do BNDES, bastaria a aplicação de 2% do PIB para, em oito anos, mudar a realidade da matriz rodoviária nas cidades brasileiras.
Por fim, chegou à hora de abrir a caixa do transporte, que pouco se sabe, e que só tem chegado à população, de fato, com a notícia do aumento. Para isso, o último dia 8 de fevereiro apontou o caminho a que devemos seguir, o da mobilização organizada. O recuo da prefeitura, numa clara declaração do prefeito em exercício, Fernando Vita, é uma vitória temporária. Devemos e podemos ousar mais do que a manutenção do atual preço da tarifa.
Daqui para a frente é necessário construir um amplo democrático, com a realização de audiências públicas nos bairros da cidade, ouvindo de fato os usuários. Além disso, é preciso que se investiguem os reais interesses existentes por trás do Conselho Municipal de Transporte e da aprovação da atual licitação. Para conclusão, todo esse processo, precisa culminar na realização de uma grande consulta popular, onde o povo deve escolher qual o preço adequado para a tarifa. Para assim, começarmos a caminhar rumo a inversão da lógica que há anos nos tem sido imposta. Construir uma cidade para muitos e não mais para poucos, é o desafio que temos para o atual período.
Davidson Brito é usuário do transporte público e membro da Frente Contra o Aumento da Tarifa.
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Uma perfeita dissecação de nossas realidades. Muito bom Davidson!
Parabéns, sintetizou muito bem nossa realidade atual, espero poder colaborar de todas as formas possíveis com essa mobilização. Chega de sofrimento pro povo Itabunense.