Hans criou o Chocolate Caseiro de Ilhéus. Caseiro, pero no mucho, porque foi questão de tempo para que seu chocolate (aí incluídas as impagáveis versões Nacib e da Gabriela) conquistasse o Brasil, vendido em aeroportos e lojas de grife.
Daniel Thame
Prestes a completar 500 anos (487 neste 28 de junho), Ilhéus ficou conhecida mundialmente como a Terra do Cacau por meio das obras de Jorge Amado. Com seus coronéis, jagunços, trabalhadores explorados, aventureiros de todos os matizes, moçoilas dadivosas, gabrielas e nacibs, Jorge criou um universo mítico, em obras traduzidas para dezenas de idiomas e adaptadas para incontáveis versões na televisão.
No último quarto de século, quando o cacau atravessou uma de suas piores crises e Jorge partiu para ser amadamente eterno, três personagens que poderiam ter saído de seus livros decidiram subverter a (des)ordem natural das coisas. Como é que uma região que produzia as melhores amêndoas do mundo não produzia nem o mais miserável dos chocolates?
Aí veio Hans Schaeppi, hoteleiro, produtor de cacau, mas principalmente visionário. Hans criou o Chocolate Caseiro de Ilhéus. Caseiro, pero no mucho, porque foi questão de tempo para que seu chocolate (aí incluídas as impagáveis versões Nacib e da Gabriela) conquistasse o Brasil, vendido em aeroportos e lojas de grife.
Hans Schaeppi viu a uva – perdão, o chocolate -, mas ninguém se atreveu a seguir o caminho. Freud, perdão de novo, Jorge explica.
Até que entrou em cena outro visionário (meio gênio, meio louco, naquele momento mais louco do que gênio. Seu nome: Marco Lessa.
Pois não é que o empresário e produtor de eventos decidiu criar em Ilhéus o Festival Internacional do Cacau e Chocolate. O nome pomposo (pretencioso?), escondia uma realidade bem menos glamourosa: de chocolate sulbaiano mesmo só havia o de Hans.
Mas Marco Lessa já nem via a uva: via chocolate mesmo. E chocolate de origem, feito com cacau fino, para disputar mercado com os melhores chocolates do mundo, que eram feitos com as nossas amêndoas do sul da Bahia. Precisa desenhar?
Uma década depois, já são cerca de 70 marcas regionais, Chor (eleito recentemente um dos três melhores chocolates do mundo), Sagarana, Yrerê, Maltez, Modaka, Mendá, Benevides, Seno, Cacau do Céu, Natucoa, Sul da Bahia, Terravista e companha limitada. Todos nascidos na esteira do festival, que, sim, hoje faz mais do que jus ao nome, maior do gênero na América Latina.
Chocolates para se degustar de joelhos!
Junto com o chocolate de origem, veio a produção de amêndoas de altíssima qualidade. E aí entra o personagem com dotes de alquimista na sua fazenda/santuário Leolinda. Jeitão simples de monge franciscano, talento de Papa na excelência do seu (Santo) Ofício. O que ele fez com o cacau, antes destinado apenas às moageiros e plantados aos Deus dará (às vezes vinha uma praga e Deus não dava), ao elevar os padrões de seleção, cultivo e, consequentemente de qualidade, só tem uma definição: revolução.
João Tavares, Hans Schaeppi, Marco Lessa. Cacau e agora também chocolate.
Embalados e inspirados nas histórias de Jorge que amou o cacau e certamente amaria os chocolates hoje mundialmente amados.
Histórias que dariam um livro, mas que nos satisfazem o corpo e a alma quando nos dão um divina barra de cada chocolate que brota dessa sagrada terra grapiuna, onde também brotam pioneiros/visionários sempre dispostos a reescrever essa história de quase meio milênio, onde ainda há muito o que reescrever e escrever.
Bem vindos às terras do cacau e do chocolate!
E Salve Jorge. Sempre.
Daniel Thame é jornalista, blogueiro, escritor e editor do site Cacau&Chocolate.