Há 10 anos na equipe do Centro de Radioterapia da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna (SCMI) e formado pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) do Rio de Janeiro, o médico radioncologista José Bandeira Neto recomenda que as pessoas não interrompam o tratamento contra o câncer por medo do novo coronavírus.
Confira a entrevista a seguir:
Com medo de ser infectada, muita gente abandonou o tratamento na radioterapia. Quais medidas foram adotadas para evitar a transmissão da doença entre pacientes?
José Bandeira Neto – Antes mesmo da chegada da pandemia na nossa região, reforçamos todas as medidas de segurança, com a triagem e separação dos pacientes suspeitos para o novo coronavírus. Temos dois espaços para o atendimento inicial, sendo que um deles é para entrada de paciente com os sintomas gripais. Essa medida foi implantada em março, com a separação dos fluxos desde a entrada, com a instalação de toldos na área externa. Lá, sempre mantendo o distanciamento, fazemos a aferição de temperatura e anamnese (entrevista com os pacientes).
Muitas pessoas passaram pela triagem?
No período de 18 de março a 13 de maio, por exemplo, foram realizadas 3.062 consultas de triagem, sendo 19% oriundos de Itabuna e 81% de outros municípios. Do total de analisados nesse período 70 apresentavam algum sintoma do novo coronavírus, mas nenhum deu positivo. Tivemos de fazer uma avaliação bem criteriosa, porque o paciente em tratamento contra o câncer, às vezes, apresenta sintomas parecidos com os da Covid-19. Do total de monitorados, apenas uma pessoa foi encaminhada para a Vigilância Epidemiológica de Itabuna. Ele fez teste e deu negativo.
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Tivemos de fazer uma avaliação bem criteriosa, porque o paciente em tratamento contra o câncer, às vezes, apresenta sintomas parecidos com os da Covid-19.
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Esse processo de triagem foi mantido?
Sim. Mantivemos esse trabalho cuidadoso de triagem e encontramos, até o momento, um paciente que está internado e testou positivo para Covid-19. Como preveem os protocolos, ele foi colocado em isolamento e o tratamento dele na unidade foi temporariamente suspenso após análise do caso e tipo tumoral pela equipe.
E os cuidados internos para evitar a transmissão da doença?
Reduzimos a quantidade de reuniões presenciais, reorganizamos a quantidade de colaboradores em alguns espaços coletivos, como o café. A orientação é que apenas uma pessoa se dirija ao local por vez, porque é um momento que ela precisa retirar a máscara para fazer as refeições, tomar café ou água. A nossa recomendação é: se tirar a máscara, fique em local isolado, sem a presença de outras pessoas, em casos de ambientes fechados. Não é recomendado que duas ou mais pessoas façam refeições juntas porque o risco de transmissão do vírus aumenta.
O medo tem causado o afastamento de muita gente do serviço de saúde. Isso ocorreu aqui na unidade?
Aqui, na radioterapia, assim como tem ocorrido em todo o país, tivemos uma redução significativa no número de pacientes no serviço de oncologia. Em 16 de março, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica aventou a possibilidade de suspensão das cirurgias eletivas e até interrupção das cirurgias oncológicas de menor gravidade. Mas eles recomendaram que a agenda de cirurgias não fosse interrompida para os tumores biológicos mais agressivos, como de pâncreas, fígado, colo do útero, vias biliares, estômago, ovário, reto e pulmão.
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De acordo com a Sociedade Brasileira de Patologia e de Cirurgia Oncológica, mais de 50 mil pacientes deixaram de ter diagnóstico de câncer nos últimos quatro meses por causa da pandemia do novo coronavírus.
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Tem informações sobre a quantidade de atendimento?
Aqui, no Centro de Radioterapia, houve queda no movimento no período de março a maio. Foram 75 atendimentos em março, contra 73 no mesmo mês do ano passado. Em abril houve uma redução em torno de 30%, baixando de 97 para 67. Em maio, a queda foi de 63%, caindo de 110 para 41 atendimentos.
Por que ocorreu essa queda?
Acredito que essa redução está muito aliada à dificuldade de o paciente realizar exames, consultas e fazer biópsia. De acordo com a Sociedade Brasileira de Patologia e de Cirurgia Oncológica, mais de 50 mil pacientes deixaram de ter diagnóstico de câncer nos últimos quatro meses por causa da pandemia do novo coronavírus.
Isso retarda todo o processo de tratamento, não é mesmo, doutor?
Essa falta de diagnóstico e tratamento da doença fará com que essas pessoas cheguem às unidades com os tumores em fase mais avançada. Podem ocorrer até casos de pacientes que eram operáveis, que não poderão mais ser submetidos ao procedimento de cirurgia por causa do avanço da doença. O número de pessoas precisando de atendimento vai aumentar, neste semestre, e teremos uma maior demanda de pacientes já em estágio mais avançado da doença.
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O fluxo por consulta ainda está um pouco menor na comparação com o mesmo período do ano passado, mas já notamos um crescimento no movimento.
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A manutenção do tratamento é muito importante nessa época de pandemia?
É muito importante que os pacientes com o diagnóstico confirmado por biópsia se esforcem para ter o atendimento, porque os serviços não pararam exatamente porque são essenciais e podem salvar vidas. Nesse mês de julho já observamos um retorno de pacientes, com aumento na demanda. O fluxo por consulta ainda está um pouco menor na comparação com o mesmo período do ano passado, mas já notamos um crescimento no movimento. As pessoas que precisam de atendimento não podem esperar essa pandemia acabar. Confira outros trechos da entrevista em leia mais, abaixo.