CANÇÃO QUE TROUXE FAMA E DISSABORES
Antônio Maria (1921-1964), locutor esportivo, cronista literário e compositor popular, é autor de um dos maiores clássicos da chamada dor-de-cotovelo: Ninguém me ama. A canção lhe trouxe fama (não creio que fortuna, pois os ecads da vida não brincam em serviço) e alguns dissabores. Certa vez, numa entrevista com a candidata a deputada “direitona” Sandra Cavalcanti, ele insinuou que ela era “mal-amada”. A resposta, rasante, pôs Antônio Maria no chão: “Posso até ser, mas não fui eu quem escreveu aqueles versos ´ninguém me ama, ninguém me quer…´” Outro momento ruim foi com Ari Barroso, contado por Sérgio Cabral (o jornalista, pai, não o governador, filho).
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“Mulato inzoneiro” é coisa antiquada
Maria fez um comentário sobre Aquarela do Brasil: desancou o “coqueiro que dá coco”(coqueiro não pode dar goiaba, brincou) e o “mulato inzoneiro” (coisa muito devagar, antiquada, de difícil entendimento). Ari Barroso, cheio de vaidade, feriu-se e prometeu revidar. Ao encontrar o “detrator” no Vogue, com amigos, dirigiu-se à mesa e, sem mais delongas, “intimou” o cronista: “Cante Aquarela do Brasil”. Maria não entendeu, ele insistiu, insistiu, até ouvir: Brasil, meu Brasil brasileiro/Meu mulato inzoneiro… “Chega”, diz Ari. “Agora me peça para cantar Ninguém me ama”. Insistiu, até que Maria pede: “Cante Ninguém de ama”. Resposta de Ari, aos berros: Não sei! Não sei!
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Antônio Maria: mais vivo do que nunca
Em Chega de saudade, Ruy Castro (jornalista da melhor qualidade e biógrafo de primeiro time) trata Antônio Maria sem nenhum respeito, quase a pontapés. Muitos gostam de bossa-nova (eu, então!) mas Castro exagera: é um fundamentalista, para quem não é MPB o que não seja rio, sol, bar, violão, banquinho e barquinho. A BN é de alta qualidade, mas há MPB de alta qualidade antes e depois dela. Mesmo que Ninguém me ama tenha (a ouvidos de hoje) algum quê de mau gosto, Antônio Maria está mais vivo do que nunca em, dentre outras canções, Valsa de uma cidade, O amor e a rosa (que leva jeito de bossa-nova!), Canção da volta, Samba do Orfeu e, sobretudo, Manhã de Carnaval.
SEREIA: MULHER, PEIXE E SENSUALIDADE
Canção com arranjos para harpa e vozes
Ele tapou com cera os ouvidos dos marinheiros e, já com a turma ensurdecida, se fez amarrar ao mastro do navio, impedindo-se de ouvir (e seguir) as vozes. Funcionou: as sereias capricharam no canto (provavelmente com um arranjo novo para harpa e vozes), depois foram atacadas pelo nervosismo, se esgoelaram a mais não poder, rebolaram, desafinaram, espernearam, xingaram… e Ulisses nem tchum! Na verdade, o herói bem que tentou convencer seus marinheiros (suponho que por gestos, pois eles estavam de oiças tamponadas!) de soltá-lo para ele ir “às meninas”, mas os homens, seguindo a instrução que receberam dele antes, recusaram as ordens (o que me parece fácil, se estavam surdos!).
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Quando veneno letal parece coisa boa
O herói só foi solto quando estavam a distância segura. As sereias, ofendidas com o “desprezo”, atiraram-se ao mar e se afogaram. Mas a expressão canto de sereia ficou – significando algo que nos é oferecido como ambrosia, mas que é veneno letal. Quantos de nós não já fomos, de alguma forma, submetidos ao teste do canto de sereia? Os jovens são confrontados com a “música” das drogas, políticos cantam desafinado para cooptar jornalistas, candidatos solfejam, em imitação de bichos marinhos, no ouvido do eleitor. Sem cordas nem cera, só resta ao homem moderno, para resistir ao canto dos monstros, os princípios de educação, ética, moral e cidadania.
PIANISTA QUE TEVE O JAZZ COM ESCOLHA
Apenas uma gravação a cada dez anos
Em mais de 60 anos de atividade, deixou apenas seis discos, com a média incrivelmente baixa de uma gravação a cada dez anos. Além disso, o último registro que fez, Jeito brasileiro, de 1996, teve distribuição restrita. É um grande e belo disco, com 17 faixas e alguns clássicos da MPB que embalaram gerações (Molambo, Não me diga adeus, Ai que saudades da Amélia, Nem eu, Cabelos brancos, Agora é cinza, Da cor do pecado, Tarde em Itapuã, Se acaso você chegasse, Na baixa do sapateiro, A voz do morro…). Para exemplificar a técnica do pianista fluminense, escolhemos Triste, de Tom Jobim, do LP Um piano dentro da noite/1979.
O.C.