Não há dúvida de que a sociedade precisa refletir caminhos que não sejam drones, guerra cibernética e foguetes flamejantes e bombas sobre suas cidades e cabeças a pretexto de se querer voltar a um passado sem volta.
Luiz Conceição
“Em todo o caso, estamos persuadidos, e todos concordam nisto, de que é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida. O século passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles uma protecção; os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância, e de insaciável ambição…”
O pequeno trecho que abre esta reflexão foi extraído de um texto magnifico que mudou o mundo há 134 anos. Na Rerum Novarum, uma encíclica do Papa Leão XIII, cujo título significa “Das Coisas Novas” ou “Da Revolução das Coisas”, o então pontífice renova a doutrina social da Igreja Católica e fala de esperança. “Fecha o segundo período do movimento social católico e abre o último”, escreveu um teólogo.
A encíclica teve grande importância ao proclamar a Justiça Social na Europa, que enfrentava a Revolução Industrial. Além disso, sustentava a necessidade de novas bases nas relações de trabalho para que a dignidade humana no labor fosse preservada e sustentava o fundamento moral na necessária intervenção do Estado para a solução da “questão social”.
O Papa Leão XIII, sabe-se, ”possuía a arte de ouvir, e de aceitar as reivindicações de que o visitasse, “ao menos em vários casos, deixando-os amadurecer bastante antes de chegar a uma síntese, e sobretudo conseguia se fazer servir de maneira valiosa, embora descontraída e discreta, por seus secretários, que redigiam os textos pontifícios, corrigindo-os uma duas e mais vezes pacientemente até que exprimissem perfeitamente a ideia do Soberano”.
Em 1891, pequenos grupos de ricos e de opulentos impunham à multidão de proletários sua ganância e deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão. Se comparados aos tempos atuais, quando donos das big techs se unem aos chefes de plantão para alterar a convivência democrática dos povos, que tais estados antes defendiam com golpes, deposições e outros diabos, o texto com pequenas correções continuam atualíssimo.
“O homem é o lobo do homem” é uma frase popularizada pelo filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), a dizer que os seres humanos têm uma tendência natural a prejudicar uns aos outros. Mais atual que isto, somente a luz do sol que nos chega gratuitamente a cada dia depois de noites em que a paz, a harmonia e a convivência social dão lugar a todo tipo de violência que se amplia com as ditas redes digitais ou sociais que não são nem uma coisa nem outra, já que pequeno grupo de sujeitos mundo a fora ardilosamente pregam o ódio e a desarmonia em likes e cortes.
Escrevi a amigos, em tom de pilhéria, que num tempo onde a saúde mental é tema de preocupações mundiais e se populariza termo inglês “brain rot”, ou “cérebro podre”, que a Universidade de Oxford, no Reino Unido, definiu como a palavra (ou expressão) do ano de 2024, efetivamente precisamos de uma nova encíclica ou doutrina a nos encorajar a lutar contra os podres cérebros adultos que confundem ideologia com expressões de ódio, inclusive chefes de estado que imaginam mudar o construído ao longo de séculos e anos com expeditas ordens.
O verbete da Oxford da moda fala da “suposta deterioração do estado mental e intelectual de uma pessoa, especialmente pelo consumo exacerbado de conteúdo superficial no contexto da internet”. Não há dúvida de que a sociedade precisa refletir caminhos que não sejam drones, guerra cibernética e foguetes flamejantes e bombas sobre suas cidades e cabeças a pretexto de se querer voltar a um passado sem volta.
Luiz Conceição é bacharel em Direito (1994) e jornalista desde 1975 (época em que era muito feliz!).