Tempo de leitura: 3 minutosEd Brasil
Selvageria consentida: “Índios” invadem fazenda e atacam pequenos agricultores em Buerarema, sul da Bahia. É a contramão da justiça em rota de colisão com o bom senso, deixando mutilados e um rastro de sangue.
Na escola, aprendemos a chamá-los de silvícolas. Será que o tempo e as organizações ditas sociais se encarregaram de transformá-los em selvagens? Ou seja, em animais irracionais com salvo-conduto, portadores de licença para matar, ferir e mutilar, tudo impunemente? Será que são apenas os civilizados que podem ser tocados, algemados e presos? E os supostamente indígenas, que dizem que não podem ser tocados, mas que tudo podem porque nada temem?
Estão parecendo uma versão tupiniquim dos famosos Intocáveis da velha Chicago americana, deixando de lado o arco, a flecha e a lança, substituídas por armas de grosso calibre, apontando suas miras giratórias para colonos que há gerações vivem de suas terras, áreas abençoadas que garantem sua subsistência e matam a fome da população da cidade.
Diante de vozes que se calam, vem a pergunta que não quer calar: “Será que uma decisão unilateral vale mais do que uma vida?” Uma sociedade que pretende evoluir não pode substituir o diálogo por atitudes intempestivas, irracionais, premeditadas para “causar impacto”, pois para adeptos da violência, naturalmente a conversa, a negociação ou qualquer forma de entendimento não interessa. Não repercute, não ganha as primeiras páginas dos jornais, as chamadas do rádio e da televisão, as análises das revistas, a postagem em destaque nos blogs.
E onde estão os poderes constituídos? Executivo executando benesses pessoais? Legislativo legislando em causa própria? Judiciário judiciando apenas e tão somente sentenças que interessam? É preciso que os mais altos mandatários deste país saiam de suas zonas de conforto, de seus gabinetes refrigerados a splits e se dirijam para o campo.
Não é tão longe a ponto de uma minivan ou um mono/bimotor não poder chegar num instante. Porque só assim, indo pessoalmente, in loco, os doutos senhores poderão perceber que em cada pequena fazenda, sítio, chácara, sesmaria, pequena estância ou qualquer outro termo que se possa chamar uma terrinha, uma roça, existe muito mais que um simples patrimônio físico. Existe um patrimônio histórico-familiar, um patrimônio cultural de gerações de gente simples, um patrimônio moral de pessoas humildes e, acima de tudo, de pessoas honradas.
Basta de ouvir apenas uma parte, achando que só um lado, por ser supostamente mais fraco, é que tem razão. É irresponsabilidade inconcebível para quem se diz moderno, avançado – civilizado, enfim – não escutar o que a outra parte tem a dizer. Seria dar ao diálogo o mesmo destino que podem ter os envolvidos no conflito: a morte.
Chega da hipocrisia de quem se diz representante do povo, dando com uma mão um assentamento para o agricultor e tirando com a outra mão a mesma terra para dá-la a um suposto aborígene carente. Faz-se necessário, antes de mais nada, uma distribuição justa de terras.
A população – leia-se o eleitor – não suporta mais comportamentos selvagens travestidos de reivindicação de direitos. Ninguém aguenta mais justiças feitas com as próprias mãos, com rastros de sangue pelo caminho. Justiça tem que ser feita pelos poderes constituídos. E, acima de tudo, constituídos por dirigentes lúcidos e responsáveis.
Ed Brasil é professor de Negociações Internacionais da Uesc.