CAETANO VELOSO TEM OUVIDO PRIVILEGIADO
A SUBSTITUIÇÃO DA CRENÇA PELA DESCRENÇA
Ouçamo-lo: “Você passa a ter que responder a si próprio de maneira diferente, a dizer sim de maneira diferente, a dizer não mais severo, com mais intensidade, mais frequência. Passa a aceitar o sentimento da renúncia com mais resignação (…). A velhice é uma nova infância, no mesmo sentido dos cuidados específicos.” Invertendo os polos: “A juventude para mim, agora, é outra história, ela tem que se dá no sentido espiritual, da disposição para o encontro permanente com as instâncias de bem-estar, com a resignação, a capacidade de renúncia”. Interrogado sobre sua “transformação em agnóstico” disse que substituiu “a crença pela descrença”. Isto é falar bonito.
A VELHICE VISTA COM BELEZA E SABEDORIA
OSCAR DECIDIDO ENTRE O VELHO E O NOVO
FAROESTE PODE TER OUTRO OSCAR DE ATOR
Fã do faroeste (o gênero é a essência do cinema americano), aposto em Bravura indômita. É a saga de uma menina de 14 anos em busca de justiça, com a ajuda de um pistoleiro caolho, beberrão e mau humorado. A história é de 1969, filmada por Henry Hathaway, tendo John Wayne (Oscar de melhor ator daquele ano) e Kim Darby nos papéis principais. Agora, a direção é dos irmãos Joel e Ethan Coen, o pistoleiro é Jeff Bridges e a mocinha é a estreante Hailee Steinfeld (foto). Bravura… recebeu dez indicações, entre elas de filme, direção, ator e atriz coadjuvante (Steinfeld). Rubens Ewald Filho não gostou, é claro – disse que é “deprimente”.
BROKEBACK… OFENDEU O PALADAR CLÁSSICO
Se Bravura indômita ganhar algum Oscar (as dez indicações nada lhe garantem), junta-se à pequena relação de faroestes para os quais a Academia já se dignou de olhar. Sem pretensão de esgotar a lista, lembro: No tempo das diligências/1939 (dois), Matar ou morrer/1952 (quatro, com melhor ator para Gary Cooper), Os brutos também amam/1953 (um), Dívida de sangue/1965 (ator para Lee Marvin), Dança com lobos/1991 (o campeão, com sete prêmios) e Os imperdoáveis/1992 (filme, diretor, ator e atriz coadjuvantes). O único premiado antes dos anos noventa foi o pouco conhecido Cimarron/1931. Em 2006, Brokeback mountain, que os fãs do bangue-bangue consideram uma ofensa ao gênero, levou três estatuetas (incluindo diretor). O discurso… e A rede… são os cavalos de Rubens Ewald; Bravura…, minha zebra.
O HOMEM QUE CONVERSOU COM A ÁRVORE
A ESPERANÇA AMOROSA CEDE AO SOFRIMENTO
Há ali a humana dúvida (“Juazeiro, seja franco/ ela tem um novo amor?), a desconfiança (“Se não tem por que tu choras/ solidário à minha dor?”) e, com a cruel descoberta, a queda, a vitória do sofrimento sobre a esperança (“Ai, Juazeiro/eu não guento mais roer/ ai, juazeiro/ eu prefiro inté morrer”). Obra-prima de MPB romântica. Para quem se interessa por essas filigranas do falar brasileiro, digo que roer significa, em “pernambucanês”, sofrer por amor, curtir dor-de-cotovelo. Humberto Teixeira repetiria o regionalismo em Qui nem jiló/1949: “Saudade assim faz roer/ amarga qui nem jiló”. A matéria-prima do verbo roer é a ausência do ser amado, o amor não correspondido e cardiopatias semelhantes.
CULTURA NORDESTINA INTOCADA PELO JAZZ
Juazeiro é um tema adaptado por Luiz Gonzaga, a exemplo de Asa Branca. A melodia, de tristeza intensa, se aproxima do blues (não foi por acaso que a cantora Peggy Lee a gravou – com outra letra e sem os nomes dos autores). Em 2001, Dominguinhos reuniu mais de vinte artistas e com eles gravou dois CDs em homenagem ao Rei do Baião. O guitarrista Heraldo do Monte (foto) fez um arranjo primoroso para Juazeiro, retomando aquele “nhã-nhã-nhã” típico dos violeiros de feira que Gonzaga adaptou em Asa Branca. Autor e executante extraordinário, além de profundo conhecedor da cultura musical de sua terra (que não foi afetada pelo tempo em que tocou jazz nos Estados Unidos) HM nos dá, com seu arranjo, um Juazeiro novo .