Cirurgião do aparelho digestivo, médico intensivista, ex-provedor da Santa Casa de Itabuna e, desde o ano passado, coordenador do curso de Medicina da UnexMed, Eric Ettinger Júnior falou, em entrevista exclusiva ao PIMENTA, dos desafios de aliar as novas tecnologias no processo de ensino-aprendizagem em cursos de Medicina. O coordenador ainda apontou, para ele, o que é preciso para o aluno tornar-se profissional de excelência.
O coordenador ainda falou da expectativa de construção da clínica-escola, com oferta de consultas gratuitas para pacientes do SUS de Itabuna e municípios do sul da Bahia. Formado há 22 anos, MBA Executivo em Saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Eric Júnior contou também sobre a influência de sua mãe, a médica neonatologista Maria Lúcia de Menezes, em sua formação. Leia abaixo.
PIMENTA – Professor, um excelente aluno será, necessariamente, um bom médico?
ERIC ETTINGER JÚNIOR – Essa é uma pergunta complexa. O que posso lhe dizer é que um mau aluno não será um bom médico. Digo-lhe também que a qualidade de ser um bom aluno não é garantia de que teremos um bom profissional. Para ser um médico de excelência é preciso de muitas competências. Ele precisa ter uma boa relação interpessoal, saber respeitar as pessoas, saber acolher um paciente, dentre outros requisitos. São qualidades que, aqui na faculdade, buscamos desde o início. Somos preocupados com o atendimento humanizado. Temos a missão de contribuir para que o nosso aluno assimile o conteúdo transmitido, desenvolva ou aperfeiçoe características fundamentais de um bom profissional.
Qual a importância do professor na carreira do médico?
Na Medicina tem muito de o aluno seguir o exemplo do profissional que contribui para a sua formação acadêmica. O chamado espelho é muito importante. O aluno costuma seguir os bons exemplos e as boas práticas dos mestres, que, além de serem muito capacitados, são profissionais de boa índole, referência por sua capacidade técnica, comportamento ético, cuidado e trato com o paciente. O nosso desafio como faculdade de Medicina é entregar um bom médico para a sociedade.
Como médico e diante das inovações e adoção cada vez maior da tecnologia, o que o senhor elege como principais desafios?
O principal desafio é preparar o aluno para trabalhar com as tecnologias disponíveis. Formaremos a primeira turma daqui a quatro anos e, certamente, esses profissionais chegarão capacitados para usar o ChatGPT, com todas as tecnologias de informação, e outras tecnologias disponíveis, como aliadas. Hoje, trabalhamos muito com tecnologia. Usamos bastante a Inteligência Artificial para oferecer a melhor assistência aos nossos pacientes. Aqui na faculdade, na nossa rede, usamos bastante a tecnologia para o treinamento dos alunos.
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O nosso desafio como faculdade de Medicina é entregar um bom médico para a sociedade.
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Com relação às tecnologias, o que mudou na Medicina?
Quando me formei, há 22 anos, não existia quase nada dessas tecnologias. Na faculdade, treinávamos em cadáver que passava por inúmeras turmas. Por isso, não conseguimos identificar praticamente nada. Além disso, treinávamos em pacientes. Hoje, são práticas inadmissíveis. Não existe mais isso de 5 e 10 alunos examinando o mesmo paciente, fazer as mesmas solicitações. Trabalhamos com turmas menores para facilitar a orientação mais personalizada. Usamos muito a tecnologia nas simulações de atendimento ao paciente, com inteligência artificial, uso de óculos de realidade virtual e utilização de manequim. Com isso, quando for para a prática, o estudante já vai saber exatamente o que fazer. Esse é um grande avanço que a tecnologia permitiu.
O avanço da tecnologia, certamente, traz mais segurança.
Um dos grandes avanços que a tecnologia nos permitiu no processo de aprendizado na Medicina é a condição de fazermos uma educação médica muito mais ética para o paciente, no sentido de preservá-lo. Eu sou de uma geração em que ainda não existia internet, havia outros meios de treinamentos e as aulas práticas eram bem diferentes das de hoje. Por isso, estamos buscando o que existe de mais moderno para a melhor utilização de conteúdo. Como professores e médicos, estamos cada vez mais antenados. A tecnologia não conseguirá substituir o médico, mas é uma grande aliada nesse processo.
Com essas transformações, o que o professor precisa fazer para manter o estudante atento ao conteúdo? Como é que se capacita para transmitir a mensagem ao seu aluno?
Esse é um ponto sobre o qual temos muito cuidado. Na minha época de estudante, as aulas eram somente expositivas, com o professor na frente do quadro, dando aulas para 100 ou 150 alunos na mesma turma. Existiu uma época em que havia 200 estudantes na mesma sala de aula. Eram mais aulas teóricas expositivas. Não estou dizendo que o ensino era ruim. Pelo contrário, era de excelência. Estou afirmando que hoje é muito diferente. O estudante é protagonista de seu aprendizado. Ou seja, precisa buscar muito mais conteúdo do que antes, quando os professores entregavam todo o material de “mão beijada”. Hoje, usamos a metodologia de ensino que tem como aliada sala de aula invertida e tutorial, onde o professor atua guiando o aluno, indicando os caminhos e compartilhando conhecimentos.
O contato do aluno de Medicina com o paciente ocorre quando?
A nossa formação é para que o profissional seja um médico generalista, com capacidade técnica para atender nas unidades básicas de saúde. Estamos em rede, com unidades em Jequié, Vitória da Conquista e Feira de Santana, mas o nosso curso foi desenhado para Itabuna, sob as perspectivas de saúde do nosso município e da nossa região. Desde o primeiro semestre que preparamos o estudante para atuar aqui, na cidade. É lógico que o aluno, no primeiro semestre, não está preparado para atendimento ao paciente, mas precisa frequentar às unidades básicas de saúde, entender os processos: o papel da enfermeira, recepcionista e como o agente comunitário de saúde faz a territorialização e assiste o paciente. Conhecer o papel de cada um.
E nos demais semestres?
No segundo semestre, o aluno já começa a acompanhar o agente comunitário na visita domiciliar. Paralelamente a isso, na faculdade, está aprendendo como fazer a anamnese (entrevista inicial) com o paciente. No terceiro semestre, supervisionado por um médico-professor, o estudante começa o contato com o paciente para colocar em prática o que viu até aquele momento do curso. É um processo construído e pensado desde o primeiro semestre. O estudante passa por etapas com aulas teóricas e práticas até a formação.
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O bom médico reúne um conjunto de características fundamentais. Ele não pode ser somente aquele que sabe receber e atender bem o paciente, mas entende pouco de Medicina.
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Na Medicina, os melhores profissionais são, necessariamente, os mais talentosos, os mais esforçados?
É importante e preciso reunir talento com esforço. Se o estudante for talentoso, do ponto de vista intelectual, mas sem outras habilidades, não será um bom médico. Se o aluno considerado mediano conseguir desenvolver habilidades importantes durante o processo de formação, talvez ele seja mais bem-sucedido que aquele que começou o curso demostrando conhecimento acima da curva. O bom médico reúne um conjunto de características fundamentais. Ele não pode ser somente aquele que sabe receber e atender bem o paciente, mas entende pouco de Medicina. E não pode ser o contrário. O profissional precisa reunir as qualidades de ser acolhedor, receber bem a família, e fazer o diagnóstico correto, dentre os outros atributos fundamentais. Repito: precisa reunir um conjunto de qualidades.
Itabuna, embora tenha enfrentado algumas dificuldades com perdas de serviços importantes, ainda é considerada um polo regional de saúde. O senhor considera o município um polo regional de Medicina?
Sim. Somos um polo de educação na área de saúde. Apesar de a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) estar geograficamente no município de Ilhéus, a história dos cursos da área de saúde têm relação muito estreita com os hospitais de Itabuna. O nosso município abriga duas importantes instituições de ensino superior com cursos na área de saúde. Uma dessas instituições é a nossa faculdade, a Unex. Isso mostra a força de Itabuna como cidade-polo. Entendo que é dever da minha geração trabalhar para que possamos colocar profissionais de excelência no mercado e ajudar a melhorar os serviços prestados nessa área.
Em Itabuna, foi feito o primeiro transplante de rim no interior da Bahia. Aqui foi feita a primeira sessão de hemodiálise em um hospital fora da capital. Entendo que tivemos algumas perdas nessa área, mas que precisamos trabalhar para que o município volte ao seu protagonismo. A nossa faculdade tem um papel fundamental, que é formar bons médicos. O nosso objetivo é presentear Itabuna com bons profissionais.
Quais são, hoje, os desafios para os novos cursos da área?
Um grande desafio é a implementação e aproveitamento das novas tecnologias nos cursos. É um desafio, por exemplo, ter professores, de modo geral, com habilidade para uma atender uma nova geração, que surgiu já no meio de tantos inventos tecnológicos. A maioria dos estudantes é de uma geração bem diferente da nossa. Precisamos estar preparados para entender os anseios, perspectivas e sonhos deles. Por isso, promovemos atualizações constantes para atender a demanda de uma geração que é diferente da nossa.
Qual a diferença do público de hoje para o de duas décadas atrás?
Hoje temos um público heterogêneo, com pessoas de diferentes faixas etárias, com 18, 30, 40, 45 anos. Pessoas casadas, com filhos; solteiras. Isso é muito positivo. Na minha época de faculdade, o público era mais homogêneo, na faixa de 18 e 20. É um grande desafio hoje trabalhar esse público tão heterogêneo, de idade e personalidades.
Volto a uma pergunta sua, de como os professores usam a tecnologia, para dizer que o início de semestre promovemos uma semana pedagógica, que, na verdade, são 15 dias para capacitação de professores, para que possam utilizar bem as novas ferramentas tecnológicas. Aproveitamos para fazer uma análise do que poderia ter sido melhor no semestre anterior. Todo o professor é capacitado para entender e aplicar a nossa moderna metodologia de ensino.
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Entendendo que tenho um compromisso de deixar para a saúde de Itabuna bons médicos. Que as pessoas falem assim: esses médicos saíram da Unex. E nos esforçamos todos os dias para isso.
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Doutor, se eu tivesse interesse em cursar Medicina e estivesse visitando os cursos da região, o que senhor me diria para me convencer a escolher a sua faculdade?
Não posso falar sobre os concorrentes. Posso falar da Unex, que é onde estou. Uma certa vez, uma mãe de aluno, fez-me essa mesma pergunta. Eu respondi: porque estou aqui. Não foi para ser arrogante, mas para que ela entendesse o que eu poderia fazer, o que estava ao meu alcance, a nossa estrutura e meu comprometimento em ofertar o melhor possível. Disse-lhe que eu poderia assegurar a qualidade de ensino que a nossa faculdade oferece. Entendendo que tenho um compromisso de deixar para a saúde de Itabuna bons médicos. Que as pessoas falem assim: esses médicos saíram da Unex. E nos esforçamos todos os dias para isso.
Como ocorre essa relação com os alunos?
Fazemos questão de contato direto com os nossos alunos. Sabemos o nome de cada um, da história familiar, se está ou não com problemas, mora longe ou perto. Conversamos com mãe e pai. Mantemos essa relação bem próxima, cuidadosa e familiar. Além da tecnologia, da estrutura e corpo docente, o nosso diferencial é o acolhimento do aluno. Vou no corredor, questiono como eles estão, como foram na prova do dia anterior. Digo: olha, vai até a minha sala para conversamos. Tenho essa proximidade e o compromisso de entregar bons médicos à sociedade. Enquanto estiver aqui, essa relação será assim.
Qual a influência da sua mãe, a média Maria Lúcia de Menezes, em sua formação e na sua carreira enquanto médico?
Ninguém nunca tinha feito essa pergunta antes. A minha mãe é neonatologista. Desde pequeno, eu via a dedicação dela com os pacientes e a dedicação com que ela se propunha a fazer as coisas. Ela foi uma das fundadoras da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI Neo) do Hospital Manoel Novaes, sempre na vanguarda do tratamento de pediatria. Quando criança, mesmo sentindo falta, porque minha mãe passava muito tempo fora de casa, trabalhando, eu não via isso com negativo. Eu pensava: minha mãe está no hospital, porque está cuidando de alguém que está precisando. O maior exemplo que ela me deu foi de comprometimento com a profissão que ela escolheu. Ela escolheu ser mãe, mas também por ser médica.
Então esse é um legado dela para o senhor?
Sem dúvida. Ela é mãe, mas tem um enorme comprometimento com a Medicina, com a profissão que escolheu. Eu trago isso para a minha vida. Às vezes, a minha filha, de 11 anos, pergunta: poxa, pai, você vai no hospital de novo? E eu respondo: vou porque tem um paciente que está precisando de seu pai. Eu acho que é isso que posso oferecer. Provavelmente, o exemplo da minha mãe tenha me motivado a ser o que sou hoje. Meu exemplo de casa era de uma profissional comprometida. Sempre ouvi coisas boas sempre minha mãe como médica. É isso que tento ser.
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Esse é um grande projeto para 2025. Acreditamos que a Clínica-escola esteja pronta no final do ano que vem e comece a funcionar em 2026. Essa é a nossa meta.
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O que a Unex planeja de investimentos em Itabuna para os próximos anos?
Além do investimento que a faculdade vem fazendo semestralmente, sempre buscando assegurar melhorias para os nossos estudantes e profissionais, ano que vem vamos construir a nossa clínica-escola. A unidade será implantada em um desses blocos. Os alunos continuarão frequentando as unidades básicas de saúde, mas os atendimentos de cardiologia, endocrinologia e neurologia, dentre outros, serão aqui, no campus, com os nossos professores. Serão atendidos pacientes de Itabuna e região. Já somos conveniados com a Secretaria Municipal de Saúde e parceiros da Santa Casa de Itabuna. Vamos oferecer consultas mensais das especialidades, com atuação do nosso aluno numa fase mais avançada. Supervisionados, eles irão atender nesses consultórios. Esse é um grande projeto para 2025. Acreditamos que a Clínica-escola esteja pronta no final do ano que vem e comece a funcionar em 2026. Essa é a nossa meta.