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O HUMOR EM NOSSAS PEQUENAS FATALIDADES

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Nada é tão ruim que não possa piorar um pouco – é máxima conhecida dos pessimistas, identificada como uma das leis de Murphy. Este era um militar americano que, chateado com uma experiência frustrada devido ao erro de um técnico, formulou uma lei geral: Se alguma coisa pode dar errado, dará. O corolário dessa lei diz que não só dará errado, mas da pior maneira, no pior momento e de forma que cause o maior dano possível. É fácil localizar uma centena de “Leis de Murphy”, criadas ao sabor da hora, em torno de temas como as pequenas fatalidades diárias, o negativismo, quer dizer, tudo muito engraçado – para quem consegue manter o bom humor em situações críticas.

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A pior fila é sempre a que você escolhe

Posso (re) formular meia dúzia delas: 1) Se você não precisa de um documento, sempre sabe onde ele está, mas se precisar dele, nunca o encontra; 2) O primeiro lugar para se procurar alguma coisa é o último onde se espera encontrá-la; 3) Ninguém na sala ouve o professor, até ele cometer um erro; 4) A fila mais lenta é aquela em que você está (Corolário: se você mudar para a outra, a sua começa a andar e a outra para); 5) Quanto mais velhas as revistas da sala de espera, mais tempo você terá de aguardar pela consulta; 6) Quando eu escrevo sobre algo de que nada sei, todos os especialistas se interessam pela coluna (chamo esta de Lei do Universo Paralelo).

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(Entre parênteses)

Não vejo muito televisão, já tenho dito, e isto não me faz melhor nem pior do que a média das pessoas. E nas poucas vezes que vejo, me assusto. Assusta-me a persistência com que a Globo noticia o próprio umbigo, a lavagem cerebral a que submete a população, ao falar de novelas em quase todos os programas. Ultimamente, assustou-me a importância dada às eleições americanas. Será que tal assunto é assim tão “jornalístico” (a ponto de a emissora deslocar seu principal apresentador para os Estados Unidos) ou é porque somos mesmo colonizados?

NELSON RODRIGUES, A MATA E A FOLHA SECA

Dia desses, ao falar dos “esquecidos” deste ano (as grandes comemorações foram todas para Jorge Amado), citamos Euclides da Cunha e Fernando Leite Mendes, mas omitimos outro escritor ilustre, Nelson Rodrigues. Nascido em 23 de agosto de 1912 (treze dias mais novo do que Jorge), o autor de Vestido de noiva completaria 100 anos em 2012. O centenário passaria em branco, se a Globo não aproveitasse o momento para vender A vida como ela é, uma coisa que se mantém entre o freudianismo de mesa de bar e a mera subliteratura. Avaliar Nelson Rodrigues tendo por metro esta série é como estudar uma floresta a partir da pobreza amostral de uma folha seca trazida pelo vento.

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Uma pena a serviço do ditadura militar

O “subúrbio sórdido” (como diz um personagem de Rubem Fonseca) é forte presença na obra de Nelson: lá na infância do autor estão a vizinha gorda e patusca, as solteironas frustradas, as viúvas tristes e os velórios em casa (chamavam-se então “sentinelas”), talvez responsáveis pela morbidez do autor. Reacionário, fazedor de frases, criador de tipos que passaram ao imaginário das ruas, ele foi romancista, teatrólogo, contista e excepcional cronista, seja de amenidades, seja de futebol. Em 1972, sofreu humilhações do ditador Médici, a quem foi pedir pelo filho, militante do MR-8, preso e torturado. Nelson pusera sua pena a serviço da ditadura e Médici lhe virou as costas: NR Filho só foi solto após sete anos, com a Lei da Anistia.

MADRUGADAS DE UÍSQUE, MÚSICA E ILUSÃO

Ilusão à toa é uma singela declaração de amor dirigida não se sabe a quem, e cujo segredo  Johnny Alf (“née” Alfredo José da Silva) levou para o túmulo. Exímio pianista, Alf atravessou madrugadas de música e uísque com os bonitões da Bossa-Nova (Tom Jobim, Menescal, Bôscoli, Edu Lobo e Carlinhos Lyra, além de Nelson Motta, o adolescente Marcos Valle e outros), sendo o único gay da turma. Paparicado por todos, devido a seu talento de executante, compositor e arranjador, suspeita-se que tenham sido apenas bons amigos – não sei nem de insinuações de que a canção tenha sido feita para algum deles. O grande Johnny Alf era discreto e elegante no envio de seus… “torpedos”.

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“Johnny Alf é tudo”, diz João Gilberto

Em Noites Tropicais, Nelson Motta esteve perto de nos mostrar o segredo: conta que nos encontros musicais promovidos por sua mãe, dona Cecília Motta, Johnny Alf sempre aparecia “acompanhado de um garotão bonito”. Foi a única bandeira sobre a homossexualidade do pianista, que só dá pistas sobre o comportamento amoroso nas letras de suas músicas. Voltando ao músico, JA foi endeusado por um monte de gente: chamado de verdadeiro pai da Bossa-Nova, descendente do bebop negro americano e por aí vai. João Gilberto, chamado a opinar sobre o pianista, fez longa pausa e saiu-se com esta: “Johnny Alf é tudo”. Pensou e disse. No vídeo, Johnny Alf, no Bar Vinícius, Rio, 1994.

(O.C.)

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SE POSSÍVEL, TRADUZA OS NOMES PRÓPRIOS

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Acabo de revisar as memórias de competente professor (aposentado), em que troquei o nome Michelangelo por Miguel Ângelo. É provável que o autor não concorde (revisores têm poder de sugerir, não de mudar o texto) e mantenha a forma italiana, um erro evidente, pois nomes próprios, quando isto é possível, devem ser traduzidos. Se perguntarmos a qualquer pessoa, mesmo pouquíssimo letrada, o nome de um rei da França ela dirá um Luís qualquer (eles foram tantos!), talvez aquele que inventou o salto de sapato Luís XV; se inquirirmos sobre a rainha que teve o lindo pescoço cortado, ouviremos: Maria Antonieta. “Qualquer pessoa” está certo.

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A dama das camélias e os mosqueteiros

Seria muito pernosticismo alguém no Brasil chamar a dupla de reis decapitados de Louis XVI (algo como luí dissiziême) e Marie-Antoinette (marri antoanéte, para os menos avisados) – um “francesismo” evidentemente dispensável. Ainda nesta linha, Alexandre Dumas (fils) passou a Alexandre Dumas Filho, enquanto son père é apenas Alexandre Dumas. O pai escreveu Os três mosqueteiros e o filho criou A dama das camélias, título que (nunca em público) dou a famoso colunista social de Itabuna. Por fim, uma gracinha com mais de um século de idade: os três mosqueteiros eram quatro! E dizer que Luís XV inventou o salto alto foi só uma boutade…

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Os dicionários não registram “boutade”

A gentil leitora e o paciente leitor, se, por acaso, não sabem o que é boutade, não percam tempo com dicionários, pois eles (os dois que possuo, pelo menos) não registram o termo, embora seja o mesmo de uso corrente em língua portuguesa há muitos anos. Mas eu explico, à maneira de Freud: trata-se de dito espirituoso, brincadeira verbal, gracejo – e, de acordo com o professor (também romancista, cronista, contista, da Academia Brasileira de Filologia, autor de Orelhas de aluguel e vários outros títulos) Deonísio da Silva, vem do verbo francês bouter, empurrar, ora veja.  Sobre o sapato Luís XV e os Dumas, depois eu conto.

ALÉM DE DESATENTO, ANALFABETO EM POESIA

Já disseram que eu sofro de uma tal “síndrome da falta de atenção” (SFA). Maldade, só porque às vezes esqueço onde deixo o carro, noutras tento abrir o carro alheio (até abri alguns, mas, felizmente, ninguém viu), chego a entrar, por engano, no apartamento do vizinho – essas bobagens. Mas cometi um exagero de SFA, aqui, há dias: atribuí a Geir Campos um verso de Vinícius de Morais, propiciando a oportunidade de ser visto como, além de desatento, analfabeto em poesia (aliás, um leitor teve a bondade de lembrar que, num livro, citei Lolita como de Pasternak, quando é de Nabokov – e isto foi em 2006, o que mostra ser antiga essa “doença”).  Se fumasse, seria capaz de jogar o cigarro na cama e me deitar no cinzeiro.

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A vagareza dos minutos adoça o outono

Li muito Geir Campos na juventude. Participante da luta política, comunista, ele integrou a Geração de 45, então dizer que era engajado é beirar o pleonasmo. No lendário I. M. E. de Ilhéus, pus no mural do grêmio um poema dele que começava assim: “Aos que acreditam em metempsicose e outras formas de imortalidade da alma…” – por pouco não fui expulso, devido à “ofensa”. Em Alba, outro exemplo da força revolucionária que Geir imprimiu à sua poética: “Não faz mal que amanheça devagar,/ as flores não têm pressa, nem os frutos:/ sabem que a vagareza dos minutos/ adoça mais o outono por chegar./ Portanto não faz mal que devagar/ o dia vença a noite em seus redutos/ de leste – o que nos cabe é ter enxutos/ os olhos e a intenção de madrugar”.

JORGE AMADO E OS NÃO LEMBRADOS EM 2012

O centenário de Jorge Amado foi festejado na Bahia inteira (até nesta modesta coluna), o que contribuiu para o esquecimento de outros nomes. Fernando Leite Mendes (nascido em 1932) teria agora 80 anos, idade “redonda”, boa para ser comemorada; Os sertões, livro fundador do Brasil do lado de cá, parece esquecido (junto com Euclides da Cunha), nos seus 110 anos – foi lançado em 1902. Já o professor, jornalista, cronista e sonetista parnasiano, Plínio de Almeida, educador de gerações (que completaria 108 anos em setembro), ganhou da Academia de Letras de Itabuna – Alita um concorrido recital de poesia em praça pública. Ainda bem.

FERNANDO LEITE MENDES, 80 ANOS

Fernando Leite Mendes era advogado, mas sua maior atuação se deu na imprensa. Trabalhou em grandes veículos do Rio, a exemplo de Última Hora, Correio da Manhã e Diário de Notícias, e produziu crônicas de intenso lirismo. Livro, apenas um, publicado post mortem: Os olhos azuis de dona Alina e algumas crônicas. Com dona Alina, que dirigiu a Escola Afonso de Carvalho (ao lado do Palácio Paranaguá), FLM aprendeu a ler. Generoso, deixou imortalizados em Os olhos azuis… personagens ilustres de Ilhéus, como Otávio Moura, Carlos Pereira Filho, Demosthenes Berbert de Castro, Emo Duarte e, claro, dona Alina. O espaço acabou; FLM, não.

UM PARCO SABER “DE EXPERIÊNCIAS FEITO”

Dia desses, sem querer, entrei numa discussão, ao cunhar a frase “se ela [a memória] fosse boa não perdia palavras” – e alguém, com carradas de razões, informou ser perderia. O meu parco saber é “de experiências feito”, na expressão de Camões (valho-me de leituras e exemplos vividos, não da gramática, que desconheço). Mas deixemos claro que isto aqui não é defesa (nem acusado fui), mas somente combustível para nossas conversas semanais. Tanto que, de imediato, me pareceu, e ainda parece, que o “não perderia palavras” do leitor é a melhor escolha – embora ache defensável, para o caso, a forma coloquial que usei.

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Sem beliscões e sem “vossa excelência”

Tenho o hábito (vício, diriam) de misturar tempos de verbos, como forma “direta” de comunicação com o leitor. Se alguém tiver a bondade de me incluir em algum tipo de literatura, será na crônica – algo que fica a igual distância da prosa, da poesia e da conversa de bar. A crônica literária – se duvidam de mim, creiam em Fernando Sabino, Rubem Braga e Hélio Pólvora, para citar poucos entre os grandes – não é o locus das formas “pesadas” do estilo. Cronista não dá beliscões no bumbum da gramática, mas também não a trata por “vossa excelência”. Na semana passada, escrevi aqui “nunca ia saber…” e, felizmente, passei despercebido. Não acho grave, mas a discussão está aberta.

De Garcia Márquez a Monsueto Menezes

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”. É a abertura de Cem anos de solidão, que todos conhecem. Eric Nepomuceno, o tradutor brasileiro, quis trocar havia por haveria, mas Garcia Márquez insistiu no “erro”. Sílvio Alexandre e Ednei Procópio, especialistas em literatura fantástica (em comentário à abertura de Cem anos…), grafam “haveria de recordar”, à revelia do autor, já se vê. Mais perto de minha “cultura” ficou o gramático Monsueto, em Me deixa em paz (acho que armei esse fuzuê todo para justificar a presença na coluna da excelente e esquecida Alaíde Costa).

(O.C.)

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QUEM TEM FÉ EM DEUS VAI “À CALIFÓRNIA”

Ousarme Citoaian
“Carro despenca de barranco na Califórnia” – diz uma manchete do Pimenta, em edição recente. E eu festejo a construção da frase, pois ela vai de encontro a uma tendência de chamar aquele bairro de o Califórnia, assim como certas pessoas têm coragem de escrever o Fátima. Eu sei que vocês vão dizer que é tudo mentira, que não pode ser, mas já li o texto de um redator (aliás, redatora, o que vai deixar mais alegre os guerreiros da igualdade gramatical) em que o Instituto Nossa Senhora da Piedade era tratado como o Piedade! É uma escrita novidadeira, elitista, que nada tem a ver com a evolução da língua, pois não nasce no povo, mas nas redações, com gente mal informada.

AGRESSÃO À ESPONTANEIDADE DAS RUAS

Quem já teve contato com o falar espontâneo das ruas, praticado pelas camadas mais simples da população, aquelas que se valem do nosso precaríssimo transporte urbano (para se ter um metro comparativo), sabe que nenhum indivíduo temente a Deus chamaria a Califórnia de o Califórnia.  “A Califórnia está com as ruas esburacadas”, denuncia o crítico; “O ônibus da Califórnia já passou?”, pergunta o distraído. Quanto a o Piedade, é sandice estratosférica. Há anos e anos fala-se em ir à Piedade, estudar na Piedade, as irmãs (ursulinas) da Piedade e outras coisas. A propósito, o jornalista Maurício Maron foi o primeiro homem que teve a matrícula aceita pela Piedade (até então, o instituto era exclusivamente feminino).

TRÊS VERSOS E UM ABALO ÍNTIMO

Na edição passada, parece que no frenesi de criticar a prosódia de haicai, esqueci-me do principal: a referência a esse tipo de poesia – ainda que a voo de pássaro, como costumamos tratar os assuntos. Vá lá: o haicai é um poema de origem japonesa, sóbrio e minimalista, formado por três versos, respectivamente de cinco, sete e cinco sílabas poéticas. Comparando com o soneto, como este tem 14 versos (em geral de dez ou doze sílabas), nele caberiam, sem superpopulação, quatro haicais e meio. O exercício consiste exatamente em aprisionar em tão poucas palavras uma mensagem, em geral profunda, que nos faz pensar. Creio que, ao ler um (bom) haicai, sofremos um abalo íntimo.

MODELO QUE VEM DO SÉCULO XVII

Há quem o adote sem rimas (primeiro e terceiro versos), como um dos desbravadores do gênero no Brasil, Afrânio Peixoto (nasceu em Lençois e morou em Canavieiras). Eu os prefiro rimados, à moda de Guilherme de Almeida, mas minha opinião vale muito pouco.  Na origem do haicai está o poeta Bashô, no século XVII, para quem o poema era uma prática espiritual, ligada ao zen-budismo. Na região, há haicaístas bissextos e pelo menos um que cultuou o gênero como principal manifestação artística. Entre os primeiros estão Gil Nunesmaia e Cyro de Mattos (de Itabuna) e Paulo Lopes (de Ilhéus). Mas o grande “profissional” entre nós é o ilheense Abel Pereira (1908-2006).

“GEMAS RARAS DA POESIA ORIENTAL”

Abel, com Colheita, de 1957, foi (simplesmente) o terceiro autor brasileiro a publicar livro de haicais, seguindo-se ao também baiano Oldegar Vieira e ao carioca Osório Dutra. A acolhida foi entusiástica, por parte de Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo, Abigar Renault, Octávio de Faria, Ledo Ivo e o português Fernando Namora, dentre outros. Malba Tahan destacou que “nas páginas de Colheita cintilam as gemas raras da poesia oriental”, e Francisco de Assis Barbosa, da Academia Brasileira de Letras, sentenciou: “Ninguém pode disputar a primazia da arte de composição de haicais ao baiano Abel Pereira”. O poeta publicou ainda Poesia até ontem, Mármore partido e Haicais vagaluminosos .

BAR DE ITABUNA NA NOITE DE SÁBADO

Baco adora quando desço a praça
Adami, caminho do Elite Bar
Lá (no Bar de Emetério), busco o morno
canto, próximo às mesas de sinuca;
observo os jogadores do apostado,
os azes das tacadas. O maior,
Zito Maleiro, já tuberculoso,
captura a solidão da bola-sete:
o infinito resvala sobre o verde
espaço de luz acabando o jogo (…)

Sorvo o vinho do Porto, calmamente.
Atento o ouvido para o andar de cima,
ouço o ruído abafado da roleta,
na sensação das coisas clandestinas.
Chegaram os amigos. Planejamos
o que faremos no frescor da noite.
Saímos.  Vamos pela rua da Lama,
em direção à zona, ao bar de Juca (…).

DOMÍNIO DE METÁFORAS E IMAGENS

Florisvaldo Mattos  (foto)evoca no poema “Itabuna, 1950” (ilustrado por quadro de Walter Moreira) um tempo ido e vivido na cidade hoje centenária. O texto é de A caligrafia do soluço & poesia anterior, de 1996. Nesse livro, o poeta é saudado por João Carlos Teixeira Gomes como num autor de completo domínio das estruturas formais e da construção rigorosa, “que refletem a eficácia da sua linguagem poética, plena de poderosas metáforas e imagens dinâmicas”. Além da literatura, Forisvaldo, nascido em Uruçuca (Água Preta do Mocambo, 1932), milita no jornalismo, tendo começado as duas atividades na região cacaueira, com trabalhos publicados em A voz de Itabuna e no Diário da Tarde, de Ilhéus.

EUCLIDES DA CUNHA E A PONTE QUE CAIU

Um site encontrado ao acaso me lembra de umas curiosidades sobre escritores e me informa de outras, que eu não conhecia. Ei-las, para quem gosta de detalhes da vida alheia: Goethe escrevia de pé, para isso mantendo em sua casa uma escrivaninha alta; Pedro Nava (foto), o memorialista mineiro, parafusava sua mesa, para que ninguém a tirasse do lugar; Gilberto Freyre não se dava bem com aparelhos eletrônicos – dizem que não sabia sequer ligar a televisão; Euclides da Cunha levou três anos construindo uma ponte em São José do Rio Pardo (SP), e a ponte ruiu, alguns meses depois de inaugurada. Ele a refez e, por via das dúvidas, abandonou a carreira de engenheiro.

GRACILIANO RAMOS E O LIVRO DE CABECEIRA

Machado de Assis (pobre, mulato, gago, míope, epiléptico e gênio), quando escrevia Memórias póstumas de Brás Cubas teve uma crise intestinal, complicando sua visão (que já não era boa). Sem poder ler nem escrever, ele ditou grande parte do romance para sua mulher, Carolina. Graciliano Ramos, comunista e ateu, tinha na Bíblia uma de suas leituras favoritas, para observar os ensinamentos e os elementos de retórica ali contidos. Carlos Drummond (foto) tinha, entre outras manias, a de picotar papel e tecidos. Certa vez, estraçalhou uma camisa nova em folha do neto, tendo de comprar outra. “Se não fizer isso, saio matando gente pela rua”, disse, com um sorriso.

UM LONGO SILÊNCIO DE PAI E FILHO

Érico Veríssimo era quase tão introspectivo quanto o filho Luís Fernando, também escritor. Numa viagem de trem a Cruz Alta, Érico fez uma pergunta que Luis Fernando respondeu quatro horas depois, quando chegavam à estação. Monteiro Lobato adorava café com farinha de milho e tanajura torrada (argh!). Manuel Bandeira (foto) contava que teve um encontro com Machado de Assis, aos dez anos, numa viagem de trem. Puxou conversa e ouviu que Machado gostava de Camões. Bandeira recitou uma oitava de Os Lusíadas que o mestre não lembrava. Na velhice, confessou: era mentira. Tinha inventado aquela história para impressionar os amigos.
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A CANÇÃO COM 38 INTERPRETAÇÕES

“Summertime” é um clássico do jazz que nasceu na ópera Porgy and Bess (os dois personagens principais do libreto de Ira Gershwin, sobre texto original de DuBose Heyward). Não falo da peça de trajetória polêmica, mas da curiosidade do confronto entre o canto erudito e jazzístico na mesma canção. O tema é pouco encontrado como peça “erudita”, ao contrário de sua versão jazz ou pop. Conheço gravações de Janis Joplin, Ella Fitzgerald, Armstrong, Sarah Vaughan, Frank Sinatra e outras. Soube que há também um registro de Cazuza (foto), mas nunca o ouvi. Críticos falam que o mercado dispõe de 38 gravações diferentes de “Summertime”.

ENCONTRO DO JAZZ COM O “ERUDITO”

Pouco afeito ao “erudito”, só agora descobri a versão de Charlotte Church para “Summertime”. Eu não sabia que a jovem soprano inglesa esteve na trilha sonora de Terra Nostra (possuo até uma gravação de “Tormento d´amore”, dela com o brasileiro Agnaldo Rayol, que, parece-me, é cantada na novela). Desculpem minha ignorância, mas eu não vejo telenovelas, nem sob tortura – daí não saber se “Summertime” fez parte da trilha. Vamos aproveitar para comparar duas das muitas leituras dessa famosa canção, nas vozes de Charlotte Church e Sarah Vaughan (uma de cada vez!), sem que eu me dê ao trabalho de declinar minha preferência.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

A SOPRANO QUE GOSTA DE ROCK

Aos noveleiros, o que talvez seja uma curiosidade: Charlotte Church (foto), com todo seu vozeirão, é uma (linda) moça de 24 anos, que canta desde os 11. É “normal” para sua idade: gosta de Alanis Morissette, Madonna, Marcv Anthony, Lauryn Hill e outros desconhecidos para mim, sem a veneração ao repertório “sério”, que se poderia supor. “Raramente ouço música clássica, gosto mesmo é de rock”, diz ela, para minha surpresa – e explica que canta clássico devido a seu timbre de voz. Charlotte se descobriu por acaso, quando foi convidada, a participar de um programa de auditório, no País de Gales, onde nasceu e vive. Bombou, é claro. Já se apresentou até numa festa de Natal do Vaticano, sob João Paulo II, em 1998. Se lhe apraz, veja/ouça as duas versões de “Summertime”.


(O.C.)
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ASPAS, URTICÁRIA E ESCABIOSE

Ousarme Citoaian
Os jornais, blogs e semelhantes têm sido contaminados por uma moléstia que irrita tanto quanto urticária ou escabiose. São as chamadas “aspas simples” – ou, como preferem os arautos das novidades inúteis, ´aspas simples´. Atualmente, se alguns desses redatores desejam citar a famosa frase de Euclides da Cunha, por certo escreverão  ´O brasileiro é, antes de tudo, um forte´. De que lado veio a sandice, não sei. Mas sei que ela chegou às redações – lugar onde pouco se lê (e hoje, com a internet, também pouco se escreve) – e lá fez morada, pois encontrou quem a adotasse, sem fazer incômodas perguntas.

SERIA ISTO “EVOLUÇÃO” OU ‘EVOLUÇÃO’?

Antes que algum linguista um pouco mais permissivo surja de dedo em riste a defender essa bobagem, provavelmente em nome da “evolução” (ou ´evolução´?) da língua, adianto que nunca em minha já longa existência encontrei guarida para tal coisa em qualquer autor de respeito. De poetas a ficcionistas, de dicionaristas a gramáticos, de Cyro de Mattos a Adonias Filho, de Aurélio Buarque de Holanda a Napoleão Mendes de Almeida e Rocha Lima, sempre encontro aspas utilizadas (ou definidas) como vírgulas dobradas (“). Aspas simples, para esses autores, são usadas somente numa situação muito especial.

EXEMPLO NA CITAÇÃO DE BERGSON

José Afonso de Souza Camboim, em Língua hílare língua (Universidade de Brasília), nos dá uma citação do filósofo Henri Bergson (1859-1941), tirada de um texto do comediante também francês Eugéne-Marin Labiche (1815-1888): “Certo personagem grita ao locatário de cima, que lhe suja a varanda: ´Por que você joga lixo na minha área?´ ao que o locatário responde: ´Por que você põe sua área debaixo do meu lixo?´”. Esta comicidade de inversão citada por Bergson (foto) talvez não tenha muita graça hoje (afinal de contas, o texto tem uns bons 130 anos), mas que o exemplo do uso das aspas simples dentro das aspas “normais” (ou prefeririam ´normais´?) é bom, lá isto é.

DESCONHECIMENTO E PREGUIÇA

Esta frase, colhida num jornal que parece escrito por pessoas que têm compromisso com a língua culta, deixa claro o centro da minha dúvida: “A melhor escolha hoje para o tratamento da Aids é um ‘coquetel’ de três antivirais”, disse o ministro José Gomes Temporão. Até agora, segundo fui informado, aspas simples servem para marcar uma sentença ou palavra dentro de uma citação já aspeada (ou aspada), conforme ilustra o textinho acima. Fora disso, o uso indiscriminado das aspas simples me parece o resultado de uma fórmula sabidamente danosa à escrita: desconhecimento da língua consorciado preguiça de aprender.

DE VALES TRISTES E FLORES MORTAS

Impossível fugir .
Nem mais as praias são serenas,
nem mais os bosques são tranquilos.
Onde o silêncio? onde o repouso?
Acaso a alma dos bosques fugiu
pelas clareiras abertas como bocas
E os vales?
Por que não mais florescem lírios?
alvos lírios, mais alvos que as espumas?
Vejo tanques passando pelos campos,
machucando flores, amassando gramas,
baladas, madrigais aos ermos bosques.
Vinde cantar, poetas, o massacre das flores.
Rondéis,
aos vales tristes
às flores mortas (…).

POETA EM TEMPO DE GUERRA

Este excerto de “Passam tanques pela vida”, de Jorge Medauar (foto), foi colhido em Chuva sobre tua semente, livro de 1945, e o ano termina sendo relevante: o poeta sofre e reflete um tempo de guerra. Mas a composição carrega o signo da eternidade: hoje, 65 anos depois,  a sensação que temos é de que os tanques estão nas ruas e nos campos, amassando flores e esperanças – e o homem ainda é um ser repleto de lamentos. Uma curiosidade sobre o poeta e contista Jorge Medauar (1918-2003): nunca aceitou que sua cidade natal se chamasse “Uruçuca”; tratou-a, sempre, como Água Preta, o nome anterior.

A FALTA QUE FAZ O ROMANCE DO FUTEBOL

O futebol, ao que sei, não teve maior interesse para a literatura regional. Telmo Padilha, se bem me lembro, nunca se debruçou sobre o assunto, Jorge Amado (foto) e Adonias Filho também não, Jorge de Souza Araujo, embora goste do velho esporte bretão, não lhe dedicou maior esforço – e Marcos Santarrita, que chegou a goleiro do fortíssimo esquadrão do Vasco da Gama de Itajuípe, também não escreve sobre esse tema. Essa mesma visão local poderia ser estendida à literatura brasileira como um todo – pois, embora tenhamos ótimos contistas, parece que ainda não nasceu o ficcionista destinado a produzir o grande romance do futebol brasileiro.

“IMAGINÁRIO AMPLO E COMPLEXO”

O antropólogo Roberto DaMatta afirma que os intelectuais brasileiros, elitistas, “detestam futebol”, mesmo os escritores mais ligados às camadas populares, como Jorge Amado e Graciliano Ramos. Este chegou a dizer que o futebol jamais daria certo no Brasil. Exceção que confirma a regra é José Lins do Rego, torcedor fanático e cartola do Flamengo. “Vou ao futebol e sofro como um pobre-diabo”, dizia o autor de Água-Mãe (em que o futebol tem forte presença). Para o crítico Silviano Santiago, não se trata de  “elitismo”, mas de dificuldade inerente ao tema: o imaginário do futebol é amplo e complexo, desencorajador de projetos estéticos na área (ops!). Mas na aridez do assunto entre nós avultam dois nomes: Hélio Pólvora e Cyro de Mattos.

HÉLIO PÓLVORA E A DERROTA DE 1950

Ghiggia/Pablo La RosaHélio, recém-saído da adolescência (nasceu em 1928), sofreu todo o trauma do Maracanaço – como ficou chamado aquele evento fatídico, em que o Brasil, favorito absoluto, já comemorando o título do (como se dizia na época) Oiapoque ao Chuí, perdeu para o Uruguai. Ghiggia (foto), quase antecipando Jorge Benjor, chegou aos 21 minutos do segundo tempo, bateu Bigode e não deu chance ao goleiro Barbosa. O Maracanã calou-se. Espantada, atônita, a nação brasileira fora nocauteada, sem perceber de onde veio o direto que lhe atingiu a mandíbula. Hélio parece ter carregado essa imagem pela vida inteira – e a imprime no excelente conto “O gol de Ghiggia”, de sintomas autobiográficos.

“É CAMPEÃO! O BRASIL É CAMPEÃO!”

Gol do Uruguai 1950Cyro de Mattos, que selecionou “O gol de Ghiggia” para a antologia Contos brasileiros de futebol, é apaixonado por esse esporte, com remessas à infância em Itabuna. O velho campo da Desportiva (título por ele lançado no fim de junho) é tema recorrente, em prosa e verso. E o autor de Alma mais que tudo é outra vítima de Ghiggia, confessado no texto pungente de “Copa do Mundo de 50”, a taça que ele se recusou a perder:
Valia a pena driblar as sombras de um pesadelo que se alojava em meu pequeno coração. Afugentar aquela coisa que só infundia tristeza,  aderia à pele, ardia tanto no coração. Empurrava-me com os outros meninos para os campos do abismo. O plano que armei com os meninos da Rua do Quartel Velho era simples. Não assistiríamos mesmo, na tela do Cine Itabuna, à derrota do Brasil na final contra o Uruguai.  Em algazarra sairíamos pela rua gritando “É campeão! O Brasil é campeão!”, batendo com pau nas latas vazias.

ACORDES QUE VÊM DO SÉCULO XIX

Fugindo a novelas e pregações (pseudo) religiosas, descubro num canal alternativo a reprise do filme Memórias póstumas, de André Klotzel, de 2001 (com Reginaldo Farias, Sônia Braga e Walmor Chagas).  A história, todos sabem, baseia-se em Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis no ápice da criação): morto em 1869, Brás Cubas narra sua vida, fala dos amigos (Quincas Borba, principalmente), dos amores e do fato de nunca haver trabalhado. Mas não foi isso que me chamou a atenção, e sim, na trilha sonora, a modinha incidental “Quem sabe”, de Carlos Gomes (letra de Bittencourt Sampaio), cantada pela soprano Kátia Guedes de Souza.

LIRISMO EUROPEU EM TERRA PAULISTA

Coisa mais linda! O músico campineiro (1836-1896), autor de O guarani, rendeu-se ao popular, via modinha, gênero então em voga, ao fazer, dentre outras, “Suspiros d´alma” (sobre versos do lusitano Almeida Garret). Um texto do Ministério da Cultura diz que o artista teve forte influência européia. “Nas modinhas e canções de Carlos Gomes encontramos um pouco do lirismo francês e muito dos tons humorísticos das canções italianas”, registra o MinC. Romântico, com forte influência interiorana, Carlos Gomes (foto) deixou cerca de 50 canções, dentre elas essa surpreendente “Quem sabe”, aqui, na gravação de Francisco Petrônio (1923-2007).
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

DISCOS QUE VALEM O PESO EM OURO

Petrônio gravou pela primeira vez aos 37 anos. Teve sucessos como “O baile da saudade”, “Lampião de gás”, além da série de 4 LPs que valem seu peso em outro: Uma voz e um violão em serenata. Nesses discos ele é acompanhado por ninguém menos do que Dilermando Reis (1916-1977), referência em violão brasileiro – mais conhecido pela autoria de “Magoado” e pela execução de “Sons de carrilhões” e “Abismo de rosas”. Consta que somente entre 1941 e 1962 gravou 68 músicas, sendo 43 de sua autoria. Petrônio, neste “Quem sabe”, mostra o virtuosismo que lhe justificou a alcunha de “Cantor da voz de veludo”.

(O.C.)

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Acusado de mandar matar os professores Elisney Pereira e Álvaro Henrique, o secretário de Governo de Porto Seguro, Edézio Lima, foi visto desde ontem numa fazenda em Euclides da Cunha. Pelo menos duas testemunhas viram o secretário na localidade conhecida como Fazenda Chão Vermelho, onde estaria ‘escondido’.

Edézio tem prisão preventiva contra si, decretada pelo juiz Roberto Freitas Júnior, da 1ª Vara Crime. Por volta das 3h da tarde desta segunda, três dos acusados de participar do assassinato dos professores se entregaram. Os três são policiais militares (confira em post abaixo).