Daniel Thame | [email protected]
E nem o Destino, esse trapaceiro, é capaz de voltar o tempo e fazer a desgraçada dessa bola que parou nos pés de Danilo entrar e abortar o voo para o vazio ainda da pista…
23 de novembro de 2016. 23 horas e 35 minutos. São 45 minutos do segundo tempo. A Chapecoense, time do interior de Santa Catarina que há sete anos disputava a Serie D do Campeonato Brasileiro, segura o 0x0 contra o poderoso San Lorenzo, da Argentina.
O resultado garante a inédita e surpreendente vaga na final da Copa Sul Americana, o segundo torneio mais importante do continente. Falta na lateral da grande área a favor do time argentino. Na Arena Índio Condá, milhares de corações batem no compasso da expectativa: glória ou tragédia.
Na Fox Sports, o narrador Deva Pascovicci eleva a emoção até a estratosfera: “que o índio Condá fique debaixo das traves. Que o espirito de Condá esteja com todos os jogadores. Olha o lançamento, bola na pequena área, Bland chuta a queima roupa, o goleiro Danilo tenta tirar com o pé direito, mas a bola morre mansamente no fundo das redes”
1×0 San Lorenzo, fim de jogo.
A Chape, como é chamada, para nas semifinais. Deva, mais controlado, diz que o time caiu de pé. O comentarista Mário Sérgio Paiva, com seu estilo direto, afirma que faltou experiência pra segurar a bola, mas que serve como lição para um time novo no cenário do futebol internacional. “O time ainda está muito verde para chegar a uma decisão tão importante”, diz o também comentarista Paulo Clement, fazendo um trocadilho pouquinha coisa mais do que infame com as cores do clube.
Entrevistados pelo repórter Victorino Chermont, os jogadores lamentam o gol sofrido no final do jogo, mas reconhecem que o time sai da competição de cabeça erguida. A torcida concorda, tanto que permanece no estádio após o fim da partida e aplaude de pé os jogadores e o técnico Caio Junior.
Apenas Danilo continua inconsolável: “eu poderia ter defendido aquela bola…”
30 de novembro de 2016. 22 horas e 15 minutos. Atlético Nacional e San Lorenzo fazem em Medellin o primeiro jogo da decisão da Copa Sul-Americana. O goleiro Danilo assiste em casa à partida, transmitida pela televisão. A cada lance, o mesmo pensamento: “eu poderia estar lá com a Chapecoense, se não fosse aquela bola no fim do jogo…”.
É despertado do estupor pelo abraço do filho pequeno, vestido com a camisa da Chape, e pela voz da mulher: “vem dormir, porque amanhã você tem treino pra pegar o Atlético Mineiro pelo Brasileirão”.
Na Fox Sports, Deva Pascovicci narra e Mário Sérgio comenta o jogo do estúdio. Em Medellin, Vitorino Chermont, que seguiu para a Colômbia num voo de carreira, faz reportagens de campo já com cabeça na Copa Libertadores 2017 com Palmeiras, Flamengo, Santos e outros times de títulos, torcida e tradições mundiais. A Chapecoense foi um breve sonho de primavera que o time do Papa tratou de interromper no derradeiro minuto de jogo. A vida e o jogo não podem parar.
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E nem o Destino, esse trapaceiro, é capaz de voltar o tempo e fazer a desgraçada dessa bola que parou nos pés de Danilo entrar e abortar o voo para o vazio ainda da pista…
Daniel Thame é jornalista, escritor e editor do Blog do Thame.