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SE POSSÍVEL, TRADUZA OS NOMES PRÓPRIOS

Ousarme Citoaian | [email protected]

Acabo de revisar as memórias de competente professor (aposentado), em que troquei o nome Michelangelo por Miguel Ângelo. É provável que o autor não concorde (revisores têm poder de sugerir, não de mudar o texto) e mantenha a forma italiana, um erro evidente, pois nomes próprios, quando isto é possível, devem ser traduzidos. Se perguntarmos a qualquer pessoa, mesmo pouquíssimo letrada, o nome de um rei da França ela dirá um Luís qualquer (eles foram tantos!), talvez aquele que inventou o salto de sapato Luís XV; se inquirirmos sobre a rainha que teve o lindo pescoço cortado, ouviremos: Maria Antonieta. “Qualquer pessoa” está certo.

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A dama das camélias e os mosqueteiros

Seria muito pernosticismo alguém no Brasil chamar a dupla de reis decapitados de Louis XVI (algo como luí dissiziême) e Marie-Antoinette (marri antoanéte, para os menos avisados) – um “francesismo” evidentemente dispensável. Ainda nesta linha, Alexandre Dumas (fils) passou a Alexandre Dumas Filho, enquanto son père é apenas Alexandre Dumas. O pai escreveu Os três mosqueteiros e o filho criou A dama das camélias, título que (nunca em público) dou a famoso colunista social de Itabuna. Por fim, uma gracinha com mais de um século de idade: os três mosqueteiros eram quatro! E dizer que Luís XV inventou o salto alto foi só uma boutade…

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Os dicionários não registram “boutade”

A gentil leitora e o paciente leitor, se, por acaso, não sabem o que é boutade, não percam tempo com dicionários, pois eles (os dois que possuo, pelo menos) não registram o termo, embora seja o mesmo de uso corrente em língua portuguesa há muitos anos. Mas eu explico, à maneira de Freud: trata-se de dito espirituoso, brincadeira verbal, gracejo – e, de acordo com o professor (também romancista, cronista, contista, da Academia Brasileira de Filologia, autor de Orelhas de aluguel e vários outros títulos) Deonísio da Silva, vem do verbo francês bouter, empurrar, ora veja.  Sobre o sapato Luís XV e os Dumas, depois eu conto.

ALÉM DE DESATENTO, ANALFABETO EM POESIA

Já disseram que eu sofro de uma tal “síndrome da falta de atenção” (SFA). Maldade, só porque às vezes esqueço onde deixo o carro, noutras tento abrir o carro alheio (até abri alguns, mas, felizmente, ninguém viu), chego a entrar, por engano, no apartamento do vizinho – essas bobagens. Mas cometi um exagero de SFA, aqui, há dias: atribuí a Geir Campos um verso de Vinícius de Morais, propiciando a oportunidade de ser visto como, além de desatento, analfabeto em poesia (aliás, um leitor teve a bondade de lembrar que, num livro, citei Lolita como de Pasternak, quando é de Nabokov – e isto foi em 2006, o que mostra ser antiga essa “doença”).  Se fumasse, seria capaz de jogar o cigarro na cama e me deitar no cinzeiro.

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A vagareza dos minutos adoça o outono

Li muito Geir Campos na juventude. Participante da luta política, comunista, ele integrou a Geração de 45, então dizer que era engajado é beirar o pleonasmo. No lendário I. M. E. de Ilhéus, pus no mural do grêmio um poema dele que começava assim: “Aos que acreditam em metempsicose e outras formas de imortalidade da alma…” – por pouco não fui expulso, devido à “ofensa”. Em Alba, outro exemplo da força revolucionária que Geir imprimiu à sua poética: “Não faz mal que amanheça devagar,/ as flores não têm pressa, nem os frutos:/ sabem que a vagareza dos minutos/ adoça mais o outono por chegar./ Portanto não faz mal que devagar/ o dia vença a noite em seus redutos/ de leste – o que nos cabe é ter enxutos/ os olhos e a intenção de madrugar”.

JORGE AMADO E OS NÃO LEMBRADOS EM 2012

O centenário de Jorge Amado foi festejado na Bahia inteira (até nesta modesta coluna), o que contribuiu para o esquecimento de outros nomes. Fernando Leite Mendes (nascido em 1932) teria agora 80 anos, idade “redonda”, boa para ser comemorada; Os sertões, livro fundador do Brasil do lado de cá, parece esquecido (junto com Euclides da Cunha), nos seus 110 anos – foi lançado em 1902. Já o professor, jornalista, cronista e sonetista parnasiano, Plínio de Almeida, educador de gerações (que completaria 108 anos em setembro), ganhou da Academia de Letras de Itabuna – Alita um concorrido recital de poesia em praça pública. Ainda bem.

FERNANDO LEITE MENDES, 80 ANOS

Fernando Leite Mendes era advogado, mas sua maior atuação se deu na imprensa. Trabalhou em grandes veículos do Rio, a exemplo de Última Hora, Correio da Manhã e Diário de Notícias, e produziu crônicas de intenso lirismo. Livro, apenas um, publicado post mortem: Os olhos azuis de dona Alina e algumas crônicas. Com dona Alina, que dirigiu a Escola Afonso de Carvalho (ao lado do Palácio Paranaguá), FLM aprendeu a ler. Generoso, deixou imortalizados em Os olhos azuis… personagens ilustres de Ilhéus, como Otávio Moura, Carlos Pereira Filho, Demosthenes Berbert de Castro, Emo Duarte e, claro, dona Alina. O espaço acabou; FLM, não.

UM PARCO SABER “DE EXPERIÊNCIAS FEITO”

Dia desses, sem querer, entrei numa discussão, ao cunhar a frase “se ela [a memória] fosse boa não perdia palavras” – e alguém, com carradas de razões, informou ser perderia. O meu parco saber é “de experiências feito”, na expressão de Camões (valho-me de leituras e exemplos vividos, não da gramática, que desconheço). Mas deixemos claro que isto aqui não é defesa (nem acusado fui), mas somente combustível para nossas conversas semanais. Tanto que, de imediato, me pareceu, e ainda parece, que o “não perderia palavras” do leitor é a melhor escolha – embora ache defensável, para o caso, a forma coloquial que usei.

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Sem beliscões e sem “vossa excelência”

Tenho o hábito (vício, diriam) de misturar tempos de verbos, como forma “direta” de comunicação com o leitor. Se alguém tiver a bondade de me incluir em algum tipo de literatura, será na crônica – algo que fica a igual distância da prosa, da poesia e da conversa de bar. A crônica literária – se duvidam de mim, creiam em Fernando Sabino, Rubem Braga e Hélio Pólvora, para citar poucos entre os grandes – não é o locus das formas “pesadas” do estilo. Cronista não dá beliscões no bumbum da gramática, mas também não a trata por “vossa excelência”. Na semana passada, escrevi aqui “nunca ia saber…” e, felizmente, passei despercebido. Não acho grave, mas a discussão está aberta.

De Garcia Márquez a Monsueto Menezes

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”. É a abertura de Cem anos de solidão, que todos conhecem. Eric Nepomuceno, o tradutor brasileiro, quis trocar havia por haveria, mas Garcia Márquez insistiu no “erro”. Sílvio Alexandre e Ednei Procópio, especialistas em literatura fantástica (em comentário à abertura de Cem anos…), grafam “haveria de recordar”, à revelia do autor, já se vê. Mais perto de minha “cultura” ficou o gramático Monsueto, em Me deixa em paz (acho que armei esse fuzuê todo para justificar a presença na coluna da excelente e esquecida Alaíde Costa).

(O.C.)