Tempo de leitura: 5 minutosMALTRADA, A VIDA SE DESMANCHA NO AR
A MÍDIA NÃO CONHECE DA LISTA A METADE
ATRIZ BICADA POR PÁSSAROS ENFURECIDOS
ROBERT JOHNSON E O PACTO COM O CAPETA
MALTRADA, A VIDA SE DESMANCHA NO AR
Ousarme Citoaian
Ouvi, ad nauseam, falar da coincidência de que Amy Winehouse morreu aos 27 anos – com a citação de que na mesma idade morreram Janis Joplin (foto), Jimi Hendrix e Jim Morrison. Um repórter pouquinha coisa mais bobo chamou a isso de ”Maldição dos 27 anos”. Besteira. “Maldição” (vinda das múmias do Egito ou que outra origem tenha) rima com alienação: é algo criado por nós mesmos, não pelos deuses ou demais forças impalpáveis. Se maltratamos o corpo (com drogas, comida imprópria, descanso insuficiente), ele tende a apressar seu fim, como ocorre com todo tipo de vida (o amor também, maltratado, cedo fenece). Infringida esta regra, a morte não é razão de espanto.
A MÍDIA NÃO CONHECE DA LISTA A METADE
Mas o noticiário, mesmo repetido, não corrigiu a ignorância por ele disseminada. As drogas (na suposição de que seja este o caso) mataram muitos artistas, sobretudo músicos, norte-americanos e ligados ao jazz/blues (e disso já falamos aqui). Pior: esqueceram de Noel Rosa e Robert Johnson (foto), também mortos aos 27 anos. O primeiro (um dos maiores da MPB), de tuberculose; o outro (um dos maiores do blues), assassinado, provavelmente. Nenhum dos dois era padrão de vida saudável. Destaco Noel e Johnson por mera preferência pessoal, mas a lista dos “amaldiçoados”, que colho na internet, vai muito além da vã filosofia da mídia mal informada e má informante. A seguir, alguns desses nomes.
“MALDIÇÃO” TEM MUITO A VER COM DROGAS
Aqui, 26 músicos mortos aos 27 anos, de 1908 a 2006 (a lista completa tem uns 40!), a maioria devido a drogas: Louis Chauvin (1908), Nat Jaffe (1945), Jesse Belvin (1960), Rudy Lewis (1964), Malcolm Hale (1968), Brian Jones (1969), Arlester Cristian (1971), Linda Jones (1972), Ron McKernan (1973), Wallace Yohn (1974), Peter Ram (1975), Cecilia Sobredo Galanes (1976), Helmut Kollen (1977), Chris Bell (1978), Jacob Miller (1980), D. Bun (1985), Alexander Bashlachev (1988), Pete de Freitas (1989), Mia Zapata (1993) Kurt Cobain (1994), Richey James Edwards (1995, na foto), Patrick McCabe (2000), Rodrigo Bueno (2000), Maria Serrano (2001), Bryan Ottoson (2005), Valentin Elizalde (2006).
O DIRETOR QUE APARECIA EM SEUS FILMES
Alfred Hitchcock (foto) tinha excentricidades de gênios de anedota. Entre elas, a de aparecer em seus próprios filmes. Na juventude que me abandonou há uns 300 anos (quando cinema era coisa banal) me diverti identificando a presença do mestre em seus trabalhos. Mas isto não é tão fácil quanto parece, pois o velho Hitch divertia-se também com esse expediente, “disfarçando-se”, de maneira que sua figura rotunda nem sempre ficasse evidente. Em Um barco e nove destinos ele pensou em aparecer como um cadáver boiando próximo ao barco, mas trocou a ideia macabra por outra do tipo “Antes & Depois”: um anúncio de remédio para emagrecer, exibido durante o filme, mostra o diretor redondo (antes) e, na outra foto, mais magro.
UM PACATO CIDADÃO COM SEUS CÃEZINHOS
Outras aparições hithcockianas: Em Festim diabólico, o ilusionista, de novo, tenta nos enganar: aparece logo no início, atravessando a rua. Mais tarde, quando a gente pensa que a xarada está morta, ele ressurge, com sua caricatura num neon que incide sobre a janela do apartamento dos assassinos. No começo de Intriga Internacional, lá vem ele correndo para pegar o ônibus (a porta se fecha, antes que ele entre!); em Topázio, o diretor está numa cadeira de rodas, e se levanta para cumprimentar um homem. Depois dos 12 minutos iniciais de Correspondente estrangeiro vê-se um senhor de chapéu, lendo o jornal. É ele. Em Os pássaros, Hitchcock passa pela calçada de uma loja de animais, levando dois simpáticos cãezinhos para passear.
ATRIZ BICADA POR PÁSSAROS ENFURECIDOS
Contam que Hitchcock preferia aparecer de forma que não complicasse o entendimento da história, não roubasse a cena. Mas isso não funcionava, pelo menos com a fauna que comigo ia ao cinema naqueles tempos: buscávamos a figura famosa e não descansávamos até identificar o reconchudo diretor. Era um jogo de esconde-esconde que só terminava quando o “apanhávamos”. Outras esquisitices ele deixou transparecer em Os pássaros: tornou-se obcecado pela atriz Tippi Hedren, a ponto de contratar uma equipe de detetives somente para seguí-la e informá-lo de tudo o que ela estivesse fazendo. E na famosa cena do ataque ele usa pássaros realmente enfurecidos para bicar a pobre moça, para horror dos outros atores.
GAITA E VIOLA: O BLUES VISITA O SERTÃO
O paraibano Bráulio Tavares (foto), dono de incomum inquietude intelectual (é poeta, prosador, compositor popular, estuda cinema, faz pesquisa em literatura fantástica, escreve coluna de jornal e roteiros de filmes), chama a atenção para a convergência do blues com a cantoria nordestina (a que chamam “cordel”). Apenas na forma: a cantoria é montada, ao menos em seu formato mais comum, em sextilhas (estrofe de seis versos), e o blues também. Na origem, ficam distantes, pois a sextilha, até prova em contrário, é “ibérico-catingueira” (creio que Ariano Suassuna aprovaria esta invenção) e, ao contrário do blues, nasceu em área de baixa densidade negra e tem raríssimos cantadores negros.
ROBERT JOHNSON E O PACTO COM O CAPETA
O poeta da terra dos grandes Jackson do Pandeiro e Genival Lacerda faz um inesperado aproach do canto nordestino com o sofrido blues de raiz plantada nos algodoais racistas do sul estadunidense. Para tanto, Bráulio contou com o gaitista carioca Flávio Guimarães (foto), velha fera do blues brasileiro, fundador da banda Blues etílicos e que já gravou com meio mundo: Ed Motta, Alceu Valença, Renato Russo, Rita Lee, Zélia Duncan, Titãs, Luiz Melodia, Paulo Moura, Zeca Baleiro e outros. Na letra de Bráulio, música e voz de Flávio, uma homenagem a Robert Johnson – que alimentou a lenda de ter aprendido a tocar o diabo. Meia-noite, numa encruzilhada, évidement. Como se o capeta tocasse blues tão bem.
O BLUES É SOMA DE TRISTEZA COM POESIA
Balada de Robert Johnson é a história romanceada do artista negro. Tem 93 versos, mas logo no primeiro bloco há seis sextilhas que “pagam” o poema: “Vinte e sete anos vividos/lá nos Estados Unidos/passou veloz como a luz//Naquela terra sombria/onde a tristeza e poesia/se dava o nome de blues”. Já na abertura (são nove blocos de dez versos, mais três sextilhas finais), Bráulio nos brinda com um achado: “Seu nome era Robert Johnson/cantador d´outro sertão”, ligando a temática da miséria nas plantations de algodão (berço do blues) à seca nordestina (onde vige a cantoria). Mas é bom deixar que o leitor faça suas próprias descobertas.
(O.C.)