Jaqueline Andrade fala pela primeira vez após o parto de Fanny, sua quarta filha, que nasceu na calçada da Maternidade Santa Helena
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Jaqueline Andrade não recorda o que aconteceu nos momentos seguintes ao instante em que Fanny começou a deixar seu útero, na manhã do último dia 15, na calçada da Maternidade Santa Helena, em Ilhéus. Do parto na rua, lembra apenas de ouvir a voz do marido, Felipe, pedindo que ela tentasse se manter acordada. Nesta entrevista ao PIMENTA, a jovem de 27 anos fala pela primeira vez sobre a experiência, que define como humilhante.

Para Jaqueline, o parto só ocorreu na rua porque o serviço de recepção da maternidade não ouviu os apelos de Felipe por ajuda. Ela estima que decorreram 20 minutos desde a chegada ao local, às 6 horas, e o rompimento da bolsa.

Por outro lado, a direção da Santa Casa de Misericórdia de Ilhéus, responsável pela maternidade, afirmou, em nota pública, que a parturiente já chegou ao local em trabalho de parto num estado muito avançado, inclusive com a expulsão do feto, o que impossibilitou o uso de cadeira de rodas para acolhê-la dentro da unidade.

Momento do parto foi registrado em fotos que circularam nas redes sociais

O advogado da família, Dimitre Carvalho Padilha, informou, em nota enviada ao site, que vai solicitar as gravações das câmeras de segurança instaladas em torno do hospital. Com isso, espera esclarecer a cronologia dos eventos daquela manhã e outros pontos controversos. Para ele, a demora do atendimento submeteu a família, sobretudo a criança e a mãe, a um constrangimento desumano e degradante.

“Mesmo após o parto, não foi fornecida cadeira de rodas pelo hospital. A criança foi enrolada em uma toalha suja trazida pela família para enxugar o líquido perdido pela parturiente. Uma pessoa que presenciou os fatos foi quem entrou na maternidade e pegou uma cadeira de rodas para ajudar a família”, relata Dimitre Padilha.

O advogado também afirma que, considerando o risco da gravidez de Jaqueline – diagnosticada com mioma intrauterino e pedra na vesícula -, ela deveria ter sido internada na noite de segunda-feira (14), quando esteve na Santa Helena. “Caso [a maternidade] adotasse a referida conduta, a vida da gestante e sua filha não seriam expostas aos riscos experimentados”, escreveu o advogado.

Segundo Jaqueline, a enfermeira que lhe atendeu naquela noite recomendou que ela voltasse na manhã seguinte. Pelas suas contas, Fanny, quarta filha do casal, nasceu após 41 semanas de gravidez. Ontem (22), a família levou o caso ao conhecimento da Polícia Civil.  Leia a entrevista.

BLOG PIMENTANa última terça-feira, você deu à luz na calçada da Maternidade Santa Helena. Qual é o significado disso para você?

JAQUELINE ANDRADE – Eu achei muita humilhação, porque é uma coisa que nunca pensei que eu iria passar. A gente vê acontecendo com outra pessoa, mas nunca imagina passar por isso. É muita humilhação.

Por que sua gravidez era de risco? Quando você descobriu isso?

Antes de engravidar, eu já sabia que estava com pedra na vesícula e o mioma.

Onde você fez o acompanhamento pré-natal?

Eu fiz o pré-natal no CSU [Centro Social Urbano] e CMAE [Clínica Municipal de Atendimento Especializado].

A maternidade foi informada que era uma gravidez de risco?

No dia anterior, eu estive lá e eles já sabiam.

Na segunda-feira (14), você teve a oportunidade de dizer – para uma médica, enfermeira ou outra pessoa do hospital – que a sua gravidez era de risco?

A enfermeira olhou a caderneta. No ultrassom, ela circulou o peso da criança, que estava marcando um número grande [Fanny nasceu com 4 quilos, segundo Felipe]. Ela perguntou porque eu estava fazendo o acompanhamento com a doutora Cintia [Maria Freire Silva], no CMAE, que é só gravidez de risco. A gente falou que eu tenho pedra na vesícula e um mioma.

Quando você foi à maternidade pela primeira vez?

Eu não lembro o dia exato.

Foi no início da gravidez?

Eu fui na maternidade com 41 semanas e 5 dias de gravidez.

Foi fazer uma avaliação?

Foi, porque já estava saindo o tampão [do colo do útero].

Isso foi quando?

No dia 14 [de junho], à noite.

A primeira vez foi no dia 14?

Eu já tinha ido duas semanas antes, mas elas [as enfermeiras] fizeram o toque e falaram que não estava tendo dilatação, e o útero ainda estava alto. Disseram que a contagem [do tempo de gravidez] do ultrassom estava errada. O ultrassom estava marcando 41 semanas e 5 dias. Aí ela falou que refez a contagem e o ultrassom estava errado. [Explicou] que o último ultrassom não conta as semanas; eles usam só para olhar o tamanho do bebê, como o bebê está, a placenta, mas não conta as semanas. Ela foi olhar no caderno da gestante, a caderneta. Ela olhou o primeiro ultrassom e falou que faltavam três dias para fazer 41 semanas. Era para eu retornar no dia 12 [de junho], no máximo, caso sentisse alguma coisa. Como não senti nada, fui lá no dia 14, na segunda-feira. Lá, ela falou que eu estava com dois dedos de dilatação e mandou eu vim embora. Era para voltar caso sentisse dor ou se a bolsa tivesse estourado, tivesse sangrando, alguma coisa. De madrugada as dores já começaram. Eu cheguei lá 6 horas da manhã. Quando [Felipe] foi fazer a ficha, ela pediu para esperar, porque estava ocupada. A contração já estava vindo muito. Foram duas na porta da maternidade. A bolsa estourou na segunda, e a menina nasceu.

Como foram os momentos seguintes ao parto?

Eu só lembro da hora que a cabeça dela estava saindo. E daí eu só lembro depois, lá dentro, quando botaram o soro em mim.

Você chegou a desmaiar?

Eu não lembro. Eu só lembro do meu esposo me chamando, pedindo para eu reagir, enquanto eles colocavam remédio na minha veia para voltar ao normal.

Felipe disse que Fanny nasceu com falta de ar.

Ela nasceu com o cordão [umbilical] enrolado no pescoço e com insuficiência respiratória, baixa saturação. Foi para a incubadora e ficou lá a manhã inteira, da hora que nasceu até 1 hora da tarde, recebendo oxigênio e sendo monitorado os batimentos dela.

Você também ficou lá?

Eles me levaram para o quarto umas 11 horas da manhã. Eu fiquei esperando até o horário dela subir.

A partir desse momento, então, a maternidade lhe acolheu?

Acolheu ela [Fanny], porque só deram remédio na minha veia para eu reagir. Quando eu estava lá, eles não me deram nem um remédio para dor.

Você passou quanto tempo lá?

Passei um pouquinho mais de 24 horas. A gente não foi liberado de manhã porque estavam esperando o resultado do exame dela sair.

Na nota de esclarecimento, a direção da Santa Casa afirma que sempre acolhe todo mundo e explica que não foi possível levar você para dentro da maternidade porque o trabalho de parto já estava muito avançado. Você avalia que não deu mesmo tempo?

Se eles tivessem feito a ficha na hora que eu cheguei, daria tempo, sim, porque eu cheguei e esperamos uns 20 minutos. Daria tempo de eu ter entrado.

Houve um intervalo de 20 minutos desde a sua chegada até o momento do parto?

Isso, então daria tempo de eu ter entrado.

Você se sentiu maltratada?

Lá dentro mesmo me senti como se eu fosse ninguém, porque eu fiquei lá isolada, como se não tivesse acontecido nada. Eu [estava] sentindo muita dor. Não vieram perguntar se eu estava precisando de alguma coisa, um remédio, se eu estava sentindo alguma coisa. Não, eu só fiquei lá num canto. Teve uma hora que eu chamei a enfermeira, porque não estava aguentando e pedi para ir no banheiro. Na hora que levantei, desceu muito sangue. Aí ela foi olhar. Como eles não me deram atenção, quando ela pegou na minha barriga, minha barriga estava cheia de coágulos de sangue. Ela teve que ficar mexendo para os coágulos descer. Se eles tivessem prestado atenção antes, não tinha dado o coágulo.

Jaqueline e Felipe: "Fomos tratados como cães parindo na rua"
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Jaqueline Andrade deu à luz a filha na calçada da Maternidade Santa Helena, na manhã desta terça-feira (15), em Ilhéus. Segundo o pai da criança, Felipe Andrade, o parto aconteceu na rua porque eles foram impedidos de entrar na maternidade.

Ao PIMENTA, Felipe disse que foi com a esposa à Santa Helena na noite de ontem (14), quando foram orientados a voltar hoje, antes das 7 horas. Cumprindo a orientação, chegaram à unidade médica por volta das 6 horas desta terça. “Cheguei na recepção dizendo: ‘Por favor, minha esposa precisa de atendimento. Já está tendo contrações, seis contrações no intervalo de menos de dez minutos”, narra.

Apesar do pedido, segundo ele, o atendimento foi negado. “Não deixaram a gente entrar”. “Eu fiquei com minha esposa na calçada, esperando, porque não tinha cadeira nenhuma para sentar, porque estava cheio. Tinha gente sentada ali nas cadeiras da recepção”, relembra.

Quando se voltou para Jaqueline, percebeu que não havia mais tempo para esperar. “A bolsa estourou na minha perna, e ela falou: “Tá saindo!”, conta Felipe Andrade. “Para minha filha não cair de cabeça no chão, eu abracei as pernas de minha esposa, segurei a cabeça de minha filha e fui deitando minha esposa devagar”.

Foi nesse instante que uma enfermeira notou o que estava acontecendo e saiu para ajudar. “Vai deitando ela, vai deitando ela, pai”, disse a profissional de saúde, orientando Felipe. “Eu eu, com a cabeça de minha filha na minha mão, fui deitando minha esposa”.

AVÓ OBSTETRA

A mãe de Felipe, Rita Nascimento dos Santos, é enfermeira obstetra e acompanhava o casal. Com o auxílio da colega de profissão, fez o parto da própria neta na calçada. Em seguida, a enfermeira da maternidade buscou os materiais necessários para cortar o cordão umbilical e levou a recém-nascida para atendimento médico.

A pequena Fanny nasceu com dificuldades para respirar e foi internada. “Estava roxa”, diz Felipe.

“MINHA FILHA NÃO TEVE UM NASCIMENTO DIGNO”

O marido não se conforma com a lembrança de Jaqueline dando à luz naquelas circunstâncias. “A indignação é muito grande, porque minha filha não teve um nascimento digno, minha esposa não teve um nascimento digno. Fomos tratados como cães parindo na rua”.

O QUE DIZ A SANTA CASA

A direção da Santa Casa  afirmou, em nota divulgada na tarde desta terça-feira (15), que não houve recusa de atendimento à parturiente.

Conforme o texto, Jaqueline chegou à maternidade já em trabalho de parto em estado avançado, na fase de “expulsão” do feto, o que impossibilitou o uso de cadeira de rodas para levar a mulher para dentro da unidade.

“A Santa Casa jamais deixou de atender qualquer paciente, pois esta é a sua árdua e mais gloriosa missão. Reiteramos que a Santa Casa de Ilhéus é a casa de todos, é a vossa casa quando dela precisares”, diz a nota.

Nota pública da Santa Casa de Ilhéus