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A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o concurso como regra para ingresso no serviço público. A Câmara de Vereadores de Ilhéus, no sul da Bahia, ignora o comando constitucional há mais de três décadas, mas esse desprezo à Carta Maior está com os dias contados, assegura o presidente da Casa, Jerbson Moraes (PSD), nesta entrevista ao PIMENTA.

O parlamentar lidera as tratativas da Câmara com o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) e dá detalhes sobre o termo de ajuste de conduta (TAC) em discussão. Ele diz acreditar na construção de um consenso sobre o momento oportuno para o primeiro concurso da Casa.

Também explica o que entende por resistência institucional ao concurso; revela o número de cargos comissionados da Câmara; estima quantos cargos efetivos serão abertos; fixa prazo limite para a realização do certame; e aponta as funções que, certamente, serão contempladas na lista de vagas. Leia.

PIMENTA – O concurso sai ainda nesta gestão da Mesa Diretora?

Jerbson Moraes – Não. O concurso será neste mandato. Não sai nesta gestão. Nós temos seis meses de gestão. A gente vem conversando com o Ministério Público sobre a necessidade de um concurso que, efetivamente, mude a realidade do Poder Legislativo da cidade. A gente chegou à conclusão de que o concurso vai ser feito no último ano deste mandato [2024] e com a convocação dos aprovados no início do mandato seguinte, a partir de 1º de janeiro de 2025.

Câmara e Ministério Público vão firmar termo de ajuste de conduta (TAC) sobre o concurso. Isso é suficiente para assegurar que, independentemente de quem esteja na Mesa Diretora, o concurso será feito?

É, porque a gente vai tentar que todos os vereadores assinem, junto com o presidente e a Mesa Diretora, esse termo de ajuste de conduta, onde a gente vai colocar todo o cronograma do concurso, ainda nesta gestão da Mesa Diretora. Vamos convencer todos os vereadores, porque é o concurso de um Poder para o qual nunca existiu concurso público. A gente está fazendo um trabalho muito técnico, porque o que for feito deverá ser feito para durar muito tempo. Não se pode, aleatoriamente, criar vagas, [definir] número de vagas. É preciso um tempo razoável para que se possa chamar o número de pessoas concursadas necessárias. Existe o parâmetro da Câmara de Itabuna, que tem aproximadamente 50 vagas cargos efetivos. Vamos ficar muito próximos disso, porque [as câmaras têm] o mesmo número de vereadores e duodécimos parecidos. É uma referência próxima.

Uma das consequências do concurso é reduzir os cargos de livre nomeação. Isso pode vir a ser um obstáculo, um problema?

Acredito que não. Primeiro, provavelmente, a empresa que vai realizar esse concurso já seja contratada por nós, nesta gestão. Provavelmente. Isso vai depender dos avanços da nossa conversa com o Ministério Público e da formatação do TAC. Segundo, todos os vereadores vão participar dessa discussão. E terceiro: há necessidade de que nossa conduta seja ajustada para que possamos respeitar a Constituição. Isso está sendo feito de forma dialogada, com muita discussão, sem nenhum tipo de extremismo. Tanto é que a gente está levando em consideração que o vereador que ganhou a eleição, [em 2020], ganhou a eleição para uma estrutura administrativa. Ele tem os compromissos dele. A vigência da nova lei será a partir do mandato que vem. Os vereadores vão enfrentar uma eleição já para uma realidade e para uma Câmara diferentes. É também uma oportunidade que a Câmara está tendo de se ajustar de uma forma não muito radical. Acredito que não tem como [o concurso ser barrado], é um caminho sem volta. Não tem como retroceder.

Nesse diálogo com os vereadores, você observa adesão majoritária ao concurso? Existe alguma resistência declarada?

Existe uma resistência institucional. Não é uma resistência individual. O Poder Legislativo de Ilhéus é constituído dessa forma desde sempre. Ninguém nunca experimentou realidade diferente, que é a realidade que a Constituição exige. Mas, no momento em que a gente começa a dialogar, começa a respeitar os lados envolvidos, seguindo o bom senso de que não existe acordo com relação à lei. A gente precisa cumprir a nossa Constituição. Isso vai fazendo com que todos os vereadores acabem do lado do concurso, apoiando, porque é a oportunidade que a gente tem de regularizar a situação da Câmara. Não vejo resistência individual. Existe, no início da discussão, a falta de informação, a falta de comunicação, mas, a partir do momento que a gente vai avançando, explicando e o bom senso vai prevalecendo, a gente acaba tendo uma adesão de, praticamente, 100% [dos vereadores].

Pode caracterizar como essa resistência institucional se manifesta? Como a gente pode traduzir essa expressão?

[Na Câmara], você tem vereadores de vários mandatos, com 2, 3 mandatos, que sempre trabalharam com essa estrutura, sempre trabalharam dessa forma. Você tem vários presidentes que ocuparam aquele cargo e sempre, radicalmente, colocando gente nova para gerir a Casa. Você já visualiza como se isso fosse normal. Quando você traz o correto, mas o correto é diferente do habitual, vai fazer uma coisa nova. E tudo que é novo, às vezes, traz uma estranheza, pela questão das informações e etc. Mas, no momento em que a gente mostra que nós não estamos, em hipótese nenhuma, querendo fazer politicagem, querendo se promover com algo dessa importância, na hora que a gente passa para os vereadores que a gente vai respeitar essa forma que eleição foi feita [em 2020]. É aquela coisa: não vamos mudar as regras no meio do jogo. A gente pede ao vereador que entenda que, no próximo mandato, a Câmara de Ilhéus tem que, efetivamente, ser outra Câmara. Você já vai concorrer à eleição sabendo dessa nova realidade.

É uma resistência superável ou já superada?

Eu acredito que já foi superada, porque, no momento que você tem informação, que tem diálogo, o óbvio, o correto, o certo, ele sempre vai vencer. Não adianta. Se você defende algo que não é o correto, defende algo que não tem sustentação legal, que não é razoável, dificilmente você consegue chegar onde quer. Mas, quando defende o razoável, o correto, o constitucional, as coisas vão chegando aonde devem chegar.

A Câmara tem quantos cargos comissionados e quais profissões, a princípio, seriam contempladas no concurso? O estudo ainda não está concluído, mas é possível dizer quais seriam os cargos efetivos essenciais?

Nós já avançamos bastante nesse estudo. A gente não está iniciando o estudo. Desde quando sentei na cadeira [de presidente da Câmara], eu comecei esse trabalho. A gente já tem uma ideia, mas não é algo definitivo, porque, como lhe disse, o estudo ainda não foi concluído. A gente precisa ver a questão do impacto contábil, a questão financeira. A gente quer construir um plano de cargos e salários para esses concursados que estão vindo, o que já é outra lei. A gente precisa terminar o estudo comparado. Estamos pegando câmaras do Brasil todo que são parecidas com a nossa, em termos de duodécimo, de número de vereadores. A gente quer fazer uma coisa bem moderna. Agora, os cargos que a gente pode antecipar são os da procuradoria e controladoria. Nós não temos nenhum procurador ou controlador concursado. A questão da contabilidade. São cargos que, tradicionalmente, pertencem ao Poder Legislativo e, com certeza, estarão no nosso novo organograma administrativo.

São quantos comissionados?

Cem por cento, quase 400 funcionários, todos comissionados, com exceção de três funcionários que estão lá porque adquiriram estabilidade com o tempo, mas também não foram concursados. Foram aqueles contratados antigos que ficaram com estabilidade em razão do tempo de contrato, antes da Constituição de 1988. Todos os outros são comissionados. Não existe nenhum concursado na Câmara de Ilhéus.

Todos eles estão suscetíveis a sair da Câmara a cada troca de gestão.

É isso. Aí você prejudica a continuidade da administração pública, porque, apesar do mandato ser temporário, o Poder é eterno. Então, você não pode trabalhar botando e tirando pessoas da administração pública quando o vereador entra e sai, quando o presidente da Câmara entra e sai. Isso não existe. A gente precisa de continuidade. Os novos vereadores que entram e o novo presidente precisam de servidores efetivos na Casa para fazer a transição, garantir a continuidade do serviço e não começar sempre do zero. A gente precisa trabalhar na excelência da fiscalização e da produção legislativa. A gente só vai conseguir isso quando mudar a realidade administrativa da Câmara.