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TODOS NÓS CONHECEMOS HOMENS NO ESTOJO

Ousarme Citoaian
O leitor Mohammad Padilha referiu-se aqui aos contos de humor de Tchekhov (foto), o que me motivou a uma releitura, mesmo dinâmica, de O homem no estojo (que tenho) e Um negócio fracassado (da coletânea de humor), captado no PC. O primeiro fala de um professor de grego que se agasalha, a qualquer tempo, com sobretudo de lã, galochas e guarda-chuva. Quando sobe numa carruagem, levanta a capota imediatamente e, ao dormir, mesmo em noites quentes, fica sob os cobertores, os ouvidos tapados com algodão. O presente o apavora, enquanto ao passado faz louvações exageradas, sempre a combater qualquer ideia nova. É o homem no estojo, tipo que todos nós conhecemos. Por essas e outras, Tchekhov é universal.

“DON JUAN” TUDO PERDE POR FALAR DEMAIS

Um negócio fracassado nos dá um Tchekhov picaresco (lado que, penso, é pouco analisado em sua obra), num texto que nos prende logo de saída: “Estou com uma terrível vontade de chorar! – começa o narrador, passando a contar como lhe escapou das mãos, num casamento, uma pequena fortuna.“Ela é jovem, linda, vai receber de dote 30 mil rublos, tem alguma cultura, e a mim, autor, ama como uma gata”, festeja o Don Juan, por antecipação. Veste-se, perfuma-se, penteia-se, impressiona  a incauta. Mas quando já tinha como seus os  30 mil rubros (mais a linda moça que os acompanharia), mete-se a falar e tudo põe a perder. É de fazer chorar. Tem bom gosto, esse Mohammad com sobrenome de grande poeta.

O CONTO LIBERTO LEVITA FEITO ASA-DELTA

Diz o crítico Hélio Pólvora, em Itinerários do conto (Editus-Uesc/2002), que Tchekhov “libertou o conto de um pesado arcabouço clássico, enchendo-o de oxigênio puro e fazendo-o levitar como asa-delta”. Itinerários… deve ser adotado como livro de cabeceira pelos que se propõem a apreender os mecanismos do conto e/ou ter uma visão dos nomes capitais da literatura mundial: lá estão (fora Tchekhov) de Maupassant a Poe, de Machado de Assis a Mark Twain, de Sartre a Adonias Filho, Marquês de Sade, Eduardo Portela, Proust, Ricardo Ramos, Ariano Suassuna, Joyce, Álvaro Lins, Jorge Amado – mais de 250 autores. Curiosamente, Tchekhov é o campeão de citações de todo o livro, com 22 referências.

SAUDADES DAS COORDENADAS ASSINDÉTICAS

Na escola, em tempos idos, todos nos sentíamos mais ou menos molestados (olha a aliteração aí, gente!) com a insistência dos professores em nos enfiar análise sintática cabeça adentro. Ah, as orações… coordenadas e subordinadas, sindéticas e assindéticas, partidas e sem sujeito, adjetivas, adverbiais, reduzidas, substantivas e outras – parece mesmo um exagero. Programa para quem almeja a especialização, privilégio de poucos.  Mas tenho como indispensável apreender o sentido de sujeito, predicado e objeto (mais uma pitada de regência e concordância). Com isso, já se pode fazer muito jornalismo e até um pouco de literatura, sim senhor.

MONSTRENGO QUE AGRIDE OLHOS E OUVIDOS

A reflexão me surge quando leio, em importante jornal de Salvador, este título, totalmente (ou deveria dizer “sintaticamente”) equivocado: Julgamento de padres pedófilos finaliza dia 22. Gramáticos encontrariam nesta construção material suficiente para uma conferência magna. Mesmo quem não tem engenho e arte para dissecar o monstrengo, nota que sua desnecessária complexidade agride nossos olhos e ouvidos: “Julgamento de padres pedófilos”, ao mesmo tempo, finaliza e é finalizado, pois é resposta às perguntas “quem finaliza?” (sujeito) e “o que finaliza?” (objeto). Dessa mistura incomum saiu um resultado, no mínimo, insalubre.

JULGAMENTO NÃO FINALIZA, É FINALIZADO

Melhor para todos é escancarar o sujeito, tirá-lo da sombra. Com “Tribunal finaliza julgamento de padres…” estaria tudo resolvido. Colho na grande mídia (para não fatigar os leitores) apenas cinco abonos da construção que defendo neste caso: 1) Supremo finaliza julgamento sobre Raposa Serra do Sol; 2) Elenco do Flamengo finaliza atividade física; 3) Petrobras finaliza plano de investimento; 4) MEC finaliza plano de educação com meta de 7% do PIB; 5) Supremo finaliza julgamento de Battisti. “Julgamento” não finaliza, é finalizado; sofre a ação, não a pratica; não é elemento principal, mas acessório; logo, não é sujeito, é complemento.

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MPB NUM NOME SÓ: ANTÔNIO CARLOS JOBIM

Ari Vasconcelos, no Panorama da Música Popular Brasileira, diz que se tivesse espaço para apenas um nome que representasse a MPB escreveria “Pixinguinha”. Pode ser, pode ser. Músicos fazem música, letristas fazem letras, políticos fazem discurso. É a lei natural das coisas. Da mesma forma, bananeira não dá laranja e coqueiro não dá caju – segundo Braguinha, na marcha Bananeira não dá laranja/1953. Como as demais regras, esta comporta exceções, e uma das mais notáveis é Tom Jobim. O maestro, à primeira vista exclusivamente músico, era também um letrista excepcional. Enfim, resta dizer que Panorama… foi publicado em 1964 – e Tom ainda faria, pelo menos, dez clássicos.

BAIANA COM CESTO DE FRUTAS NA CABEÇA

Tom é um dos pais da Bossa Nova. E esta abriu as portas do mundo para a MPB, livrando-nos daquele estereótipo ridículo criado para Carmem Miranda (a baiana que usava na cabeça algo parecido com um cesto de frutas tropicais). E influenciou o jazz, para sempre. É lembrar que Tom Jobim foi gravado por Ella Fitzgerald, Stan Getz, Anita O´Day, Sarah Vaughan, Joe Henderson, Miles Davis, Chet Baker – para citar apenas algumas feras desse gênero. E gravou com Frank Sinatra, o que não é pouco. Lobão disse, dentre outras do seu latifúndio de polêmicas, que a Bossa Nova é uma linguagem morta. Ofensa das pequenas, para quem já condenara as vozes que “crucificam os torturadores que arrancaram umas unhazinhas”.

ROCK BRASILEIRO É APENAS CONTRAFAÇÃO

Não tenho simpatia pelo rock, filho bastardo do jazz. E falo do rock norte-americano, pois rock brasileiro não passa de contrafação – no sentido anotado no Michaelis: “Imitação fraudulenta de um produto industrial ou de uma obra de arte”. Ainda assim, gosto de uma coisa ou outra de Raul Seixas, do pioneirismo do Camisa de Vênus, de Tia Rita Lee e do Skank (penso que Chico Amaral é muito bom letrista). E porque falávamos de Tom Jobim, vamos a uma de suas melodias mais importantes, O amor em paz. Para ela, Vinícius escreveu “O amor é a coisa mais triste, quando se desfaz”. E não é mesmo? Aqui, com o pungente sax tenor de Joe Henderson, com músicos brasileiros.

(O.C.)

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QUEM NÃO SABE REZAR, XINGA DEUS

Ousarme Citoaian
Professora de língua portuguesa e latim da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), experiente em corrigir redações do Vestibular (e de quem não declino o nome por não estar autorizado a fazê-lo) explicou-me um dos problemas mais freqüentes em seu trabalho: “O candidato quer escrever uma coisa e escreve outra”. Ótimo resumo. Penso que o fenômeno também ocorre na linguagem oral: às vezes, queremos dizer uma coisa e o que chega ao interlocutor é diverso do nosso pensamento. Já falamos do assunto nesta coluna, e o explicamos com um dito do falar brasileiro muito saboroso: “quem não sabe rezar, xinga Deus”.

“VOU ACABAR COM OS ANALFABETOS”

Há tempos, um candidato a prefeito de Itabuna, famoso por traumatizar a gramática portuguesa e os cofres públicos, disse num programa de rádio que, se fosse eleito, iria “acabar com os analfabetos”. Mesmo que o ilustre representante do povo não tenha minha simpatia, nunca o imaginei dono de crueldade tamanha, capaz de, em tal sanha analfabeticida, matar tantos itabunenses – afinal, a Bahia é campeã nessa modalidade e Itabuna, por certo, dá grande contribuição à conquista. Quer dizer: eu entendi que ele queria, patrioticamente, “acabar com o analfabetismo”. Mas nem por isso, como querem certos lingüistas, a formulação dele há de ser aceita..

COMUNICAÇÃO POR SINAIS DE FUMAÇA

Uma reportagem da TV Record, em Salvador, colheu interessante depoimento de uma senhora, a propósito de ações do governo. “Diante da violência que nós veve…”, preambulou a soteropolitana – e, para o caso, não interessa o resto da fala. Achei ótimo, mesmo que isto espante os leitores desta coluna tida como ranheta em questões de língua portuguesa. Neste caso, pode. O que não pode é o Fórum de Itabuna, tocado por gente muito estudada, produzir e autorizar a divulgação de um anúncio como o da foto ao lado (O. C. clicou). Ao povão que não foi à escola é válido comunicar-se até por sinais de fumaça; das autoridades, com responsabilidade na formação do público, não. E a crase não humilha ninguém.

ALFABETIZADOS SEGUEM DONA NORMA

Ouvi dizer que sou “formal”. Surpresa. Por não ter estudos específicos, ignorava essa divisão entre linguistas e “formais”. Sei é que, mesmo sem consulta, me puseram na escola, onde  gastei esforço e dinheiros público e da  comunidade, via CNEC  (Google, urgente!). Queimei as pestanas para aprender a dizer “Nós vamos”, em vez de “Nóis vai”, como era minha natural inclinação – e agora me vêm dizer que “tudo está certo”. Não está. Quem não foi à escola do professor Chalub, que fale como puder, com nosso respeito. Mas os alfabetizados – e jornalistas, até prova em contrário, o são – têm que seguir a norma culta. Eu sigo, também, a vizinha do 6º andar, inculta mas bela.

DA ARTE DE ESCREVER BEM

Antônio Naud Júnior (foto) é, sem questionamentos, o mais profícuo dos produtores literários da nova geração grapiúna. Leu, viveu, sofreu, acumulou experiências, escreveu e, sobretudo, andou. É um andarilho, inquieto, envolvido ao mesmo tempo com variadas atividades. Sua principal área de interesse, pode-se dizer, são todas: prosa, poesia, teatro, cinema, televisão e gente. Lê tudo, sem preconceitos. Discorre, com igual paixão, sobre o mais novo romance nas livrarias, a trama da novela das oito e um recém-lançado blog de poesia. O poeta Vicente Franz Cecim o chamou de “cigano incorrigível por vocação luminosa ou oculto fado”. Disse-o bem.

ACORRENTADO AO SILÊNCIO

Se um viajante numa Espanha de Lorca (um diário de viagem pela Europa, publicado em 2005) é seu trabalho mais pessoal, no sentido de mostrar-se em inteira sensibilidade de homem dilacerado. Porém é corajoso o bastante para adentrar os esconderijos, truques e subterfúgios deste mundo, traduzindo-os, poeticamente, para nós sedentários. Quem se propõe a tarefa de ler o mundo há de, primeiro, ler-se a si próprio. Mas qual de nós se lê com clareza? “Sou tantos. Há um Antônio poético e aventureiro errante, um Antônio porra-louca e pessimista, um Antônio disposto a saltar no vazio sem paraquedas, outro obcecado pelo amor. Há ainda um Antônio espiritualizado e acorrentado ao silêncio…”. As contradições de todos nós.

UM CÉU DE MUITO POUCO AZUL

Antônio Júnior, na Europa, descreve a solidão angustiante que nos esmaga nas grandes metrópoles: “Estar em Madrid (foto) é como estar em Londres, o peso do cinzento, do vazio interior, o ar asfixiante e pegajoso, o céu que só muito raramente mostra a cor azul, as estrelas que mais parecem imitação de péssima qualidade (…). Como não conheço ninguém e ninguém me conhece, é quase como não existir. Sou um estranho numa grande cidade, flechado por uma sensação assustadora de saber que posso cair duro no meio da rua e nem uma só alma local notará minha ausência” – obra citada.

INCITATUS, O SENADOR BIÔNICO

Sem propósito ou objetivo eis-me posto a lembrar de cavalos famosos, saídos de antigas leituras. Rocinante, esquelético feito o dono, era o cavalo de Dom Quixote (foto); Heroi, do Fantasma (que tinha também um cachorro, Capeto); Silver era o lépido cavalo do Zorro; John Wayne, em O último pistoleiro, montou Dólar; Incitatus, cavalo de Calígula, foi o primeiro senador biônico de que se tem notícia. Com a ditadura militar, ressuscitou-se o modelo no Brasil (mas aqui nomearam, além de cavalos, burros); Dr. Robledo montava um sonolento pangaré, que em algumas histórias teve esse nome: Pangaré. Justiceiro, no bom sentido do termo, o pacato médico virava o Cavaleiro Negro, enquanto Pangaré se transformava no fogoso Satã.

NAPOLEÃO E SEU CAVALO BRANCO

Muito famoso é o cavalo de Napoleão, embora ele tivesse vários. “Qual a cor do cavalo branco de Napoleão?” – diz a velha “pegadinha” (se você acertar, ganha o CD O melhor do arrocha, incluindo uma faixa-bônus com Caetano Veloso cantando Rebolation). O nome do principal cavalo de Napoleão era Vizir, um árabe, presente do sultão do Egito. Reza a lenda que Vizir (na gravura) levou o velho Bonaparte de Paris a Moscou em 1812 e, na grande retirada, com 60 graus abaixo de zero, trouxe seu dono de volta, são e salvo. Depois de morto, foi empalhado e, nessa condição, encontra-se no Museu do Exército, em Paris. São cavalos muito importantes, mas nenhum deles ganhou o Oscar da Academia.

PANGARÉ “GANHA” METADE DO OSCAR

O cavalo mais vitorioso do cinema não recebeu a divulgação merecida. Foi um anônimo montado por Lee Marvin, em Dívida de sangue, de Elliot Silverstein. Marvin faz um pistoleiro pé-de-cana (Kid Sheleen), montando um cavalo igualmente bêbado (foto). Ao ganhar o Oscar como melhor ator de 1965, Lee Marvin, chegado a um copo, fez um discurso inusitado: disse que passara a vida toda “treinando” para ser um beberrão nas telas; e que metade do prêmio deveria ser dado ao cavalo do filme. É um dos meus (muitos) faroestes preferidos. Engraçado e diferente, tem Jane, a rebelde filha de Henry Fonda na plena forma dos seus 28 aninhos – além da criativa trilha sonora (“ao vivo”) de Nat King Cole e Stubby Kaye (A balada de Cat Ballou).

O MAIOR DOS NOSSOS COMPOSITORES

“Ora – direis – Tom Jobim é muito citado nesta coluna”. E eu vos direi no entanto que, a meu juízo, ele aparece até pouco. Tenho dúvidas sobre se nosso país de tão parco reconhecimento a seus valores intelectuais tem consciência da importância de Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim para a MPB. E embora não seja neste espaço que se corrigirá tal injustiça, algo precisa ser dito: para começar, que Tom Jobim é o maior dos nossos compositores modernos, com uma produção imensa em que (não pude conhecê-la toda, é verdade) nunca encontrei nada que não fosse de alto nível. A produção de Tom Jobim é horizontal, no melhor sentido que possa ter a palavra.

NENHUM MÚSICO TEVE TANTO PRESTÍGIO

Foi ele, não Carmen Miranda, conforme se apregoa por aí, quem abriu as portas do mercado mundial (a partir dos Estados Unidos, é claro) para o canto brasileiro. Tom Jobim “invadiu” o jazz, ensinou Frank Sinatra a cantar música brasileira, mostrou a Gerry Mulligan como emitir  no sax uns acordes de Samba de uma nota só (isto tudo circula na internet). Foi gravado, além de Sinatra e Mulligan, por Ella Fitzgerald, Stan Getz, Sarah Vaughan e todo mundo que interessa. Imagino que Billie Holiday não o gravou porque não conseguiu sair do túmulo. Mas tentou. Anita O´day (que esteve no Brasil nos anos oitenta) abre e fecha suas apresentações com  Wave. Nunca na história deste país alguém teve tanto prestígio internacional. Tom era o cara.

A TERNURA ANTIGA DE JOE HENDERSON

Joe Henderson (1937-2001), saxofonista dos  mais respeitados do mundo, também fez um cancioneiro de Tom Jobim (Double raimbow, que enriquece minha humilde coleção). Sonoridade límpida, suave, “flutuante”, com certa nostalgia das baladas de  Coleman Hawkins (foto). Mas JH é discípulo confesso de Stan Getz e Charlie Parker, capaz de alternar a simplicidade do primeiro com a sofisticação do segundo. Mesmo nas notas agudas, não chega à agressão auditiva, mantém-se lírico, como se tocasse um acalanto. Como diria o velho Che (para quem balada se fazia com rifle, não com sax), Joe Henderson não perde a ternura, jamais.  No vídeo (com Desafinado), os “coadjuvantes” são Pat Matheny (guitarra) e Tom Jobim (ao piano). Em meio a esse luxo, brilha o sax de Henderson.
(O.C.)
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as