O bancário aposentado Tolé faleceu ontem (27)
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Quem lê essas linhas não tem a ideia do Tolé pai de família extremado, amigos à mancheia e que deixa saudades.

 

Walmir Rosário 

Domingo (27-10) em Canavieiras, dia de pleno sol, próprio para a praia, a cerveja com os amigos, as partidas de futebol, e o mais importante: as discussões entre os torcedores. Meu velho amigo Antônio Amorim Tolentino, Tolé, para todos, não participou de nada disso, preferiu viajar e tomou o caminho sem avisar a ninguém, nem aos amigos mais chegados e familiares. Simplesmente partiu.

Eu fui surpreendido pelo amigo em comum Luiz Sena, que aos prantos me pedia para confirmar ser verdade o passamento de Tolé. Eu ainda nem sabia deste triste acontecimento. Tolé era uma espécie de tutor de Sena, que chegou ainda rapazinho no Banco do Brasil em Canavieiras.

Pelo visto, deve ter sido interpelado por São Pedro, ao bater à porta do Céu, para prestar contas de sua passagem por esse mundo. E foi preparado, vestindo uma vistosa camisa do Flamengo, seu time de coração. Desconheço se São Pedro gosta de futebol, mas Tolé deve ter dito que empreendeu a viagem para assistir de cima a disputa da Copa Brasil, com uma visão privilegiada.

Por certo, após os santos questionamentos, saberá convencer o chaveiro do Céu. Apesar de não ser um católico praticante e se considerar amigo chegado de São Boaventura, pois morava ao lado da Igreja, sabia como ninguém o que se passava no templo, sem precisar subir os degraus da matriz. Ouvia tudo pelo rádio ou por meio dos amigos.

Em sua defesa deve constar nos livros de São Pedro suas ações pró São Boaventura, desde as discussões sobre o verdadeiro dia da homenagem ao Santo-Doutor da Igreja Católica, passando pelas comemorações profanas. Deve estar lá anotado, quando em plena pandemia, Matriz fechada, ele se encarregou, junto aos vizinhos, de promover a lavagem das escadarias, portando baldes com água, vassouras e água de cheiro.

Tolé era (acredito que ainda é) uma daquelas figuras que nunca se esquece. Quando ainda fazia parte da alta boemia canavieirense, se tornou um colega de farra imprescindível em qualquer festejo. Um dos fundadores da Confraria d’O Berimbau, lavrava as atas semanais e ainda se atinha ao caixa nos devaneios de Neném de Argemiro, para não permitir que, por pressa ou esquecimento, alguém saísse sem proceder ao devido pagamento.

Membro da Galeota Ouro, Tolé era figura de proa na organização do maior evento turístico etílico e gastronômico de Canavieiras. Uma esculhambação devidamente organizada. Acredito que lá em cima já deve ter se reunido com os amigos Tyrone Perrucho, Neném de Argemiro e muitos outros que partiram antes dele. Acredito que já planejam coisas do tipo lá em cima, se é que permitido.

Mas o zeloso funcionário da Caixa Econômica Federal amava sua Canavieiras, tanto assim que trocou de emprego, ingressando no Banco do Brasil, para voltar à sua terra. Bancário conceituado, também foi secretário municipal em Camacan e Canavieiras, esta por diversas vezes. Em todo esse tempo sempre foi visto como uma reserva moral (como todos deveriam ser) no serviço público.

Tolé também era dono de uma “pena” afiada. Foi um dos fundadores do jornal Tabu, ao lado de Tyrone Perrucho, Durval França Filho, Almir Nonato, Raymundo José dos Santos e Lindinberg Hermes. Sabia escrever um texto “apimentado”, porém devidamente terno e educado. Era pródigo em panfletos eleitorais, elaborados com o fino humor e sarcasmo.

Mas, com o tempo, Tolé mudou, para o desespero dos seus colegas. De uma hora pra outra passou a autointitular-se abstêmio. Mas não seria um abstêmio qualquer, moderado, e declarou guerra às bebidas alcoólicas. Essa sua decisão causou um terremoto entre os amigos que passaram a considerá-lo um vira-casaca, traidor da causa boêmia. Não arredou o pé e manteve sua decisão pra sempre.

Mas, neste sábado (26), conversávamos – Raimundo Tedesco, Alberto Fiscal e eu – sobre as peripécias de Tolé, a exemplo da viagem que fez com Tyrone a Salvador sob o pretexto de comprar um carro. Arrebanharam mais dois colegas e partiram para a capital. Carro pronto, partiram numa viagem que levou quase 15 dias no percurso de volta até Canavieiras.

De outra feita, Tolé se organizou com os colegas do Banco do Brasil para participarem da inauguração do Estádio Luiz Viana Filho (hoje Fernando Gomes), em Itabuna. Na caravana, o dito cujo, Raimundo Tedesco, Fred e Jovaldo. Ao raiar do dia embarcaram e fizeram a primeira parada em Panelinha, para o café da manhã, melhor seria cerveja da manhã.

E eles tocam o “barco” até Buerarema, a segunda parada, sendo recebidos pelo colega do BB, Jolison Rosário. No início da tarde saem para Itabuna, que seria o destino. Mas o colega Jovaldo, pernambucano do agreste, queria conhecer Ilhéus, resolveram partir para dar uma voltinha na vizinha cidade e retornarem para o jogo.

Deram uma volta pela cidade até descobrirem um bar do jeito deles e por lá ficaram até o cair da noite. Resultado, o turismo esportivo ficou pra nova oportunidade, e Tolé somente foi conhecer o estádio de Itabuna 12 anos depois. Quem lê essas linhas não tem a ideia do Tolé pai de família extremado, amigos à mancheia e que deixa saudades.

Pelo que eu soube – confidencialmente –, assim que chegou, bateu à porta do Céu, prontamente aberta por São Pedro, que fez mesuras ao convidá-lo:

– Entra, Tolé, seus amigos já estão lhe esperando!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado, além de autor de livros como Os grandes craques que vi jogar: Nos estádios e campos de Itabuna e Canavieiras, disponível na Amazon.