Mano Brown durante solenidade em que recebeu o título da UFSB || Foto Divulgação
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A entrega do título de doutor honoris causa a Mano Brown pela UFSB é um marco no reconhecimento da cultura hip hop, mas também no papel relevante das juventudes brasileiras que povoam as periferias dos centros urbanos.

 

Efson Lima || efsonlima@gmail.com

A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) entregou na quarta-feira última, dia 1º, o título de doutor honoris causa a Mano Brown. Para algumas pessoas “bem nascidas,” os títulos são uma questão de tempo, mas para os jovens periféricos brasileiros o grande título é o da sobrevivência. E a homenagem de doutor honoris causa para Pedro Paulo Soares Pereira confirma a sua sobrevivência e abre possibilidades de reflexões sobre a periferia brasileira, inclusive, ensejando reconfiguração do papel desse grupo social no  desenvolvimento nacional.

Mano Brown ao receber o título de doutor honoris causa pela UFSB significa que a ele se distinguiu pelo saber e/ou pela atuação em prol do desenvolvimento das Ciências, das Letras, das Artes, da Educação, da Cultura, da Tecnologia e Inovação, das Políticas Públicas, dos Direitos Humanos, do Desenvolvimento Social ou do Meio Ambiente, cuja contribuição seja ou tenha sido de alta relevância para o País ou para a humanidade, conforme preceitua a Resolução da Universidade sobre a concessão de títulos honoríficos.

O laureamento foi proposto pelo professor Richard Santos, um estudioso da cultura hip hop e, atualmente, pró-reitor de Extensão e Cultura na UFSB. O docente no memorial pormenoriza as contribuições de Mano Brown para a sociedade brasileira, especialmente, a periferia. Assim, o proponente foi entrelaçando as razões justificadoras para a concessão do título a Mano Brown, rapper e figura central do grupo de rap Racionais MC’s. O artista nasce em São Paulo, mas a sua mãe é natural de Riachão do Jacuípe, na Bahia, onde ainda moram tios e primos.

No farto memorial,  as justificativas que levaram o Conselho Universitário à unanimidade aprovar a distinção para o principal representante do movimento hip hop nacional são percebidas: “Essas (…) informações sobre Pedro Paulo que darão conformidade a imagem de Mano Brown nos é importante para a compreensão de todo o processo formativo não apenas do cidadão que forjará o artista, mas, principalmente de sua rede de relações políticas, culturais e ancestrais que o farão o principal representante de uma juventude periférica racializada brasileira emergida da abertura democrática, da retomada da organização do movimento negro brasileiro em sua pluralidade e que resultará na luta por direitos cidadãos, antirracismo e insurgência,” sinaliza o propositor da homenagem, que foi reconhecida pelo professor Francisco de Assis, relator da homenagem.

Anteontem, dia 04/11, comemorou-se o Dia da Favela, cujo termo foi utilizado pela primeira vez no ano de 1900, em um documento oficial, quando o delegado se referiu ao morro da Providência como “favela”. Favela é uma planta medicinal do semiárido brasileiro, especificamente, encontrada na caatinga baiana.  O termo ganhou as páginas da imprensa brasileira por meio do jornal O Estado de São Paulo,  sendo Euclides da Cunha o jornalista correspondente do massacre de Canudos a evidenciar o termo. Posteriormente, na obra Os Sertões,  do mesmo jornalista, o signo favela cada vez mais foi se afirmando no cenário nacional. Os símbolos e signos da solenidade não param por aí.

Na solenidade de entrega do título de doutor honoris causa a Mano Brow, eu estava lá em alguma das fileiras do Teatro Candinha Doria. Eu estava a acompanhar Wenceslau Júnior, superintendente de Economia Solidária e Cooperativismo.

Antes de narrar minhas impressões, fato simbólico é o motorista Jamilton Nery, que no carro levava sua camisa passada e bem cuidada para usar na solenidade. Ele de Água Fria, estava marcando na sua agenda a cerimônia de concessão do título para Mano Brow. Semana antes já havia perguntado sobre a solenidade. Certamente, além do imaginário dele, Mano Brown tem povoado milhares de jovens brasileiros. Assim como imageticamente demarcou o território da mente de Jorge Raimundo dos Santos representante dos funcionários terceirizados, em sendo o primeiro a discursar, desconcertadamente no início, ele  foi  se ajustando e convencendo – nos do papel exercido por  Mano Brown na sociedade brasileira. E arrebatou palmas algumas vezes do teatro lotado. Rendi-me.

Também observei que Jorge Raimundo dos Santos é um genuíno representante do impacto da UFSB na vida sul-baiana, no coração da civilização grapiúna. A UFSB é a única instituição pujante  com tentáculos em 3 territórios de identidade, ampliando a responsabilidade da universidade e se soma à UESC no desafio de contribuir para o desenvolvimento regional.

Com todo respeito aos acadêmicos, eu não vi uma solenidade, mas uma festa do início ao fim, que foi costurando os diversos signos e símbolos. As saudações oficiais evidenciaram “todes”; representações diversas, inclusive, LGBTQUIAPN+, foram se apresentando e mostrando para as pessoas presentes as múltiplas universidades dentro da UFSB. Homens e mulheres, jovens, especialmente, mostravam a universidade comprometida com as diversas expressões artísticas. Particularmente, desconheço qualquer aparato educacional decente que não contenha arte e estímulo para o processo criativo. Uma universidade sem arte é um mero espaço de formação técnica.

Ganha o indivíduo e a sociedade se beneficia com as diferentes interfaces de uma universidade. O discurso do representante estudantil,  Felipe Soares de Moraes, parece que tinha sido calculado…milimetricamente, pronto para atingir cada convidado. Eu era um simples convidado, de Entroncamento de Itapé, que tive a oportunidade de morar no Alto do Coqueiro e no bairro do Basílio, ambos bairros periféricos e extremamente violentos em Ilhéus. E, agora, por força da educação, estou nas páginas do presente site e provisoriamente resido em Salvador. A favela habita em mim.

Como já esperado, o ponto alto da solenidade foi o discurso de Mano Brown, que aproveito para reproduzir aqui o transcrito no site ”Pimenta”: “Para mim, voltar para a Bahia e receber esse título é muito simbólico, porque minha mãe saiu da Bahia, do interior da Bahia, humilhada. Ela saiu se sentido a pior de todas. Foi para São Paulo, chegou lá com 15 anos e a vida nunca foi fácil. Eu queria que minha mãe estivesse viva para ver isso agora, porque, se tem uma pessoa que tinha tudo para ser errado na vida, sou eu. “Essa fala foi marcante e representa o drama diário de milhares de mães e pais no Brasil.

Após a solenidade, em um breve reencontro com Wenceslau Júnior, no fim da noite, mostrava-me uma foto dele em reunião em Brasília, em defesa da UFESBA, inicialmente, como a UFSB foi criada. Lembro daquele fato sendo notícia no jornal “Agora”, que circulou em Itabuna. Eu tenho essa edição impressa, que saiu no dia posterior a sanção presidencial da lei de criação, eu estava em Itabuna e trouxe aquele exemplar para Salvador. Era a capa do jornal. Nascia a UFESBA e a UFOB, esta última eu vi o projeto ser impresso na sala do vice-reitor da UFBA, então, professor Mesquita. Agora, também vice-reitor da UFSB.

A entrega do título de doutor honoris causa a Mano Brown pela UFSB é um marco no reconhecimento da cultura hip hop, mas também no papel relevante das juventudes brasileiras que povoam as periferias dos centros urbanos. É também estratégico ao reconhecer a periferia como espaço de produção de fazeres culturais e das múltiplas vivências, inclusive, os desafios.

A UFSB é uma universidade periférica e tem muito que se orgulhar disso. Ela foi pioneira ao assegurar a reserva de vagas para egressos do sistema prisional e em restrição de liberdade e tem buscado reconhecer as diversas minorias em seus espaços institucionais. Prova disso é o seu percentual superior à lei federal no tocante a  aplicação da reserva de vagas no ensino superior, além das vagas extranumerárias. Uma reitora negra, professora Joana Angélica Guimarães da Luz, também simboliza de qual lado a Universidade pretende traçar seus caminhos. A UFSB comemora 10 anos de criação e o movimento hip hop 50 anos, ao surgir em 1973, em um apartamento de New York, nos EUA. A favela no alto.

Efson Lima é doutor e mestre em Direito/Ufba, advogado e membro das Academias de Letras de Ilhéus (ALI) e da Grapiúna (Agral). Ex -morador do Alto do Coqueiro e morador do bairro do Basílio, ambos em Ilhéus.

Mano Brown agradece título de Doutor Honoris Causa || Imagem UFSB
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As mãos entrelaçadas, com os dedos procurando uns aos outros, indicavam uma tensão diferente nos gestos de Mano Brown, durante a sessão em que a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) o concedeu o título de Doutor Honoris Causa, nesta quarta-feira (1º), no Teatro Candinha Doria, em Itabuna.

Ele estava num palco, território que habita como poucos, mas o papel de homenageado da noite mobilizava mais o homem que o artista. Talvez por isso tenha iniciado o agradecimento recordando a trajetória da mãe, Ana Pereira Soares, que faleceu em dezembro de 2016, aos 85 anos.

Dona Ana nasceu em Riachão do Jacuípe, no interior da Bahia, e migrou para a cidade de São Paulo, onde deu à luz Pedro Paulo Pereira Soares, em 22 de abril de 1970.

– Para mim, voltar para a Bahia e receber esse título é muito simbólico, porque minha mãe saiu da Bahia, do interior da Bahia, humilhada. Ela saiu se sentido a pior de todas. Foi para São Paulo, chegou lá com 15 anos e a vida nunca foi fácil. Eu queria que minha mãe estivesse viva para ver isso agora, porque, se tem uma pessoa que tinha tudo para ser errado na vida, sou eu – disse Mano Brown.

“TINHA QUE SER NA BAHIA”

Brown e a reitora Joana Guimarães na solenidade desta quarta, em Itabuna || Imagem UFSB

Dos principais compositores da musica popular brasileira, o rapper rendeu homenagens a KL Jay, Ice Blue e Edi Rock, seus companheiros há 35 anos nos Racionais MC’s. “Sempre fui um cara solo, filho único, e encontrei neles irmãos. Hoje nós família. A maior herança que os Racionais têm é se amar e estar os quatro juntos até hoje. Sem eles, eu jamais seria Mano Brown”.

O músico lembrou que, ao chegar em São Paulo, sua mãe foi acolhida por comunidades de terreiro da periferia da cidade, onde ele nasceu e foi criado. O convívio com essas pessoas foi definidor do seu caráter, segundo Brown.

– Fui um cara criado em terreiros, em pelo menos quatro terreiros de candomblé. Dona Maria Luiza, Tia Zeza, Tia Nina, Pai Isac. Formaram nosso caráter de lutar pela vida, de ser homem no melhor sentido da palavra, porque homem tem muitos defeitos. [Quero] agradecer à Bahia por esse reconhecimento, tinha que ser na Bahia mesmo – emendou, arrancando aplausos de um Candinha Doria lotado.

A concessão do título de Doutor Honoris Causa ao artista foi aprovada, de forma unânime, em agosto passado, pelo Conselho Universitário da UFSB. A solenidade também faz parte das comemorações dos 10 anos da fundação da Universidade. Após receber a homenagem, Mano Brown quebrou o protocolo e cantou a música Vida Loka, parte 2. Assista, abaixo, com imagens da transmissão oficial do evento.

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A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) definiu data e horário de entrega do título de Doutor Honoris Causa ao compositor e rapper Mano Brown, dos Racionais MC´s. Será na próxima quarta-feira (1º), a partir das 17h, no Teatro Municipal Candinha Doria, em Itabuna, no sul da Bahia. De acordo com a instituição, o evento será aberto ao público.

A UFSB decidiu pela concessão do título a Pedro Paulo Soares Pereira, Mano Brown, durante reunião do Conselho Universitário em 16 de agosto deste ano (reveja aqui), a partir de proposta feita pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proex).

CELEBRAÇÃO

Mano Brown é dos nomes consagrados da cena nacional do hip hop. Segundo a instituição, a homenagem busca “celebrar a importância do gênero musical como forma de expressão da população negra periférica”.

No roteiro da solenidade da próxima quarta, ocorrerá uma apresentação cultural de abertura, seguida da solenidade, uma exibição de documentário e a apresentação cultural de encerramento. A homenagem também integra as comemorações dos 10 anos de criação da UFSB.

À época da aprovação pelo Consu da Universidade, a reitora Joana Guimarães assim se manifestou sobre a concessão do título:

– A titulação aprovada, por unanimidade, pelo Conselho Universitário da UFSB, reflete a importância dada pela nossa comunidade ao trabalho desenvolvido pelo Mano Brown, na arte, na cultura e especialmente na interlocução com jovens negros e negras de periferia, que veem na sua música uma forma de expressão que lhes dá voz, quando a sociedade lhes nega.

Universidade aprovou título a Mano Brown nesta quarta-feira (16)
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Mano Brown carrega uma aliteração em seu nome, Pedro Paulo Soares Pereira. É sonoro, como se Dona Ana tivesse batizado o filho predestinando-o a buscar sentido pra vida no som das palavras, feito um envio de destino. Nascido na cidade de São Paulo, em 1973, ele se tornou o líder dos Racionais MC’s, maior expressão da cultura popular, negra e periférica do Brasil nos últimos trinta anos. Hoje (16), teve a obra musical e a trajetória reconhecidas com a aprovação do título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

A proposta do título foi iniciativa da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura. A reitora Joana Angélica Guimarães falou sobre o significado da homenagem. “A titulação aprovada, por unanimidade, pelo Conselho Universitário da UFSB, reflete a importância dada pela nossa comunidade ao trabalho desenvolvido pelo Mano Brown, na arte, na cultura e especialmente na interlocução com jovens negros e negras de periferia, que veem na sua música uma forma de expressão que lhes dá voz, quando a sociedade lhes nega”.

“A POSSIBILIDADE DO SONHO DIANTE DA MISÉRIA”

Os Racionais MC’s lançaram suas primeiras músicas, Pânico na Zona Sul e Tempos Difíceis, em 1988, na coletânea Consciência Black, do selo Zimbabwe Records. A primeira fase da banda foi marcada por letras diretas, em tom de denúncia, retratando a dureza e os perigos da vida nas margens da capital paulista. A repetição dessa realidade nas periferias de todo o País foi o elemento de identificação nacional das músicas do grupo, que lançaria seu segundo álbum, Raio X Brasil, em 1993. É dele a música Homem na Estrada, com sample de Ela Partiu, do disco Tim Maia Racional, Vol. 1, de onde veio a inspiração para o nome da banda de rap.

Segundo o pró-reitor de Extensão e Cultura da UFSB, Richard Santos, a justificativa do título ultrapassa a grandeza do artista e de sua liderança. “É algo que aponta para a importância do que o Hip Hop nos tem legado ao longo dos anos, a identidade das periferias e a possibilidade do sonho diante de tanta miséria e sufocamento”, resume.

VIRADA

Mano Browm tem ao seu lado os mesmos companheiros de 35 anos atrás, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock. É casado há três décadas com a advogada Eliane Dias, com quem teve os filhos Domênica e Jorge – nomes escolhidos em homenagem a Jorge Ben, ídolo de Brown. Eliane gerencia a carreira dos Racionais, que venderam mais de 1,5 milhão de cópias de Sobrevivendo no Inferno, de 1997. O disco foi o auge do adensamento da obra da banda, como na música Diário de Um Detento, retrato do Massacre do Carandiru.

O sexto álbum de estúdio só viria ao mundo em 27 de outubro de 2002, o domingo em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito para seu primeiro mandato presidencial. Coincidência ou não, Brown nunca escondeu a simpatia nutrida pelo petista.  Nada Como Um Dia Após O Outro Dia marcou uma virada estética e discursiva na música dos Racionais. O tom combativo ainda está ali, mas embalado e diversificado por novos ritmos e temas, no esforço da arte para capturar e moldar o espírito do tempo.

O movimento de abertura criativa de Mano Brown alcançou novo patamar com seu primeiro disco solo, Boogie Naipe, de 2016. Com o balanço e as referências dos bailes negros dos anos 1980, é um acerto de contas do artista com sua persona romântica e um prato cheio para quem gosta de ritmos dançantes. A primeira faixa convida: Sinta-se Bem Com Boogie Naipe.

A aprovação do título faz parte das comemorações dos 10 anos de fundação da Universidade Federal do Sul da Bahia. Caso Brown aceite a homenagem, a sessão solene deverá ocorrer em novembro, o mês da Consciência Negra.

O ex-presidente Lula e o rapper Mano Brown
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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi o entrevistado da edição desta quinta-feira (9) do podcast Mano a Mano. A produção exclusiva do Spotify é comandada pelo rapper Mano Brown, dos Racionais MC´s.

Com 2 horas de duração, a entrevista foi marcada por intervenções incisivas de Mano Brown. Ele perguntou sobre o patrimônio de Lula, criticou a ausência de negros na cúpula do Partido dos Trabalhadores e explicou a razão do seu discurso crítico ao PT, em 2018, no Rio de Janeiro, durante comício do então candidato a presidente Fernando Haddad. A relação das esquerdas com as comunidades evangélicas também foi tema da conversa.

O petista não perdeu a oportunidade de estabelecer comparações dos seus dois governos com o do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Também lembrou da decisão da família, encabeçada por Marisa Letícia (1950-2017), de que os filhos não se valeriam do prestígio dele para ocupar cargos políticos.

“Meus filhos não entraram na política”, disse Lula, estabelecendo contraponto com Bolsonaro. Três dos cinco herdeiros de Jair exercem cargos eletivos: o senador Flávio (Patriota-RJ), o vereador Carlos (Republicanos) e o deputado federal Eduardo (PSL-SP).