Luamar Sepúlveda, Maria Rita e Ana Carolina Sepúlveda: "Eu e tu, até sermos todas"
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Thiago Dias

Luamar deixou Itacaré para estudar Direito em Salvador. Formada, voltou à Terra Natal em 2016, quando iniciou a prestação de assistência jurídica a vítimas de violência doméstica, injúria racial e racismo. Duas experiências motivaram a militância pro bono, conforme explicou ao PIMENTA, por telefone. Ainda nos tempos de faculdade, viveu um relacionamento abusivo. Depois de constituir família, viu o marido, o jogador de futebol Deijar Nunes, ser alvo de ataque racista.

No trabalho voluntário, Luamar Sepúlveda Nunes, 29 anos, notou que as pessoas precisavam mais do que proteção jurídica. A fome, por exemplo, ainda é uma mácula na cidade do sul da Bahia, como um bom paraíso à brasileira. Com o auxílio da família, em 2018, ela iniciou a distribuição de cestas básicas em comunidades carentes. Nessa época, ao lado da pedagoga Ana Carolina Sepúlveda, sua prima, lançou as bases do que veio a se tornar o coletivo Por Elas.

Naquele ano, antes de o presidente Jair Bolsonaro transformar o debate sobre pobreza menstrual em assunto de bar, vetando a distribuição gratuita de absorventes a mulheres pobres, as primas constataram essa realidade em Itacaré. Além de comida e assistência jurídica, o coletivo passou a oferecer itens básicos de higiene pessoal, inclusive absorventes, explica a administradora Maria Rita, que também é voluntária do grupo.

Fotos do início da distribuição de cestas básicas em comunidades carentes, em 2018

Até o início de 2021, Carolina e Luamar bancavam cerca de 90% das doações, que eram complementadas por empresários e empresárias. “As mulheres têm abraçado a nossa causa”, ressaltou a advogada.

Quando o prefeito Antônio Mário Damasceno, Tonho de Anízio (PT), abriu as portas da Prefeitura para o coletivo, a rede de proteção social aumentou sua capacidade de atendimento de forma significativa, afirma Luamar. Conforme a advogada, sem a ajuda do mandatário – a quem chama de “Seu Antônio”-, o movimento não teria a dimensão atual.

Hoje, com o apoio da Prefeitura de Itacaré, 300 famílias recebem cestas básicas e kits de higiene. Desse total, estima Maria Rita, cerca de 20% também receberam algum tipo de socorro em situação de violência. O coletivo pretende se transformar em uma fundação. O processo de constituição formal da entidade está em andamento.

ACOLHIMENTO E GRATIDÃO

Segundo Luamar, Itacaré será a primeira cidade com menos de 100 mil habitantes da Bahia a ter uma Casa de Acolhimento da Mulher. Com cerca de 27 mil moradores, o município não tem a população necessária (100 mil) para acessar recursos federais voltados ao custeio dos abrigos da política nacional de proteção à mulher. No entanto, a Prefeitura cedeu um imóvel ao projeto e vai manter o serviço com recursos e servidores municipais.

Como abrigará um centro de saúde da mulher, a casa será completamente reformada para atender normas sanitárias. A reforma é custeada pela Wave, empresa do britânico Dominic Redfern, para quem Luamar Sepúlveda presta consultoria jurídica. Ela apresentou o projeto ao empresário, que aceitou bancar a obra. Segundo a advogada, o administrador local  da empresa, Marcus Volpon, também foi decisivo na viabilização da parceria.

Luamar fez questão de citar outros apoiadores importantes da rede Por Elas. Essa é uma forma de agradecer e estimular novas adesões, argumentou, antes de enviar uma lista via WhatsApp:

– Cida Aguilar, diretora-presidente do Grupo Aguilar; Rômullo Oliveira, técnico da Santa Casa de Itabuna; secretária de Desenvolvimento Social, Juliana Novaes; major Hozannah Rocha, comandante da 72º CIPM; delegado Emanuel Matos; Diretoria de Políticas Públicas para Mulheres e todas as secretarias municipais.

Atividade do coletivo Por Elas no Dia das Crianças

“NÃO VAI ACONTECER NADA COMIGO”

O relato sobre o Por Elas ganhou contorno maternal quando Luamar, que é mãe de duas crianças, falou ao PIMENTA do filho de Juci, uma das mulheres assistidas pelo projeto. “Ele é meu filho de coração”, disse a advogada. Ismael, de 3 anos, nasceu com deficiências motoras e intelectivas. Para se desenvolver, depende de medicamentos e cuidados específicos. Aprender a caminhar foi uma conquista recente do pequeno.

Além do apoio no tratamento do filho, Juci recebeu ajuda para se proteger de agressões e ameaças à sua vida. Conforme disse à Luamar, a jovem redescobriu a sensação de viver sem medo. “Doutora, hoje, eu ando na rua segura. Eu sei que não vai acontecer nada comigo”.

“DEPOIS QUE FALEI, ELA TAMBÉM FALOU”

Zinailda Damásio (à esquerda e no meio de um abraço)

Zinailda Damásio, de 21 anos, contou ao PIMENTA sua experiência com o coletivo. Vítima de abuso sexual por dez anos, a jovem revelou o crime no ano passado, em uma publicação no Facebook. O violador era da sua família e tinha feito, pelo menos, outra vítima na mesma casa. Segundo Zynna, após a publicação, uma prima teve coragem de dizer que foi violada pela mesma pessoa. “Depois que eu falei, ela também falou”.

Esse efeito encorajador para romper o silêncio é comum entre as vítimas de abuso, segundo Luamar. “Na verdade, é o primeiro efeito que eu percebo no meu trabalho. No caso de Zynna, ela foi abusada com 6 anos e o abuso se estendeu até os 16. Normalmente, é o perfil do agressor: ele não tem uma única vítima. Muito provavelmente, outros também passaram por isso, e ela não teve conhecimento, mas a prima, em específico, só falou depois dela”.

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Pelo título, até parece a Operação Carne Fraca. Porém, não. É a Citrus, de Ilhéus, deflagrada em março deste ano e responsável por desmantelar esquema que movimentou, ilegalmente, mais de R$ 25 milhões no município sul-baiano, de 2009 a 2016, segundo o Ministério Público Estadual da Bahia (MP-BA).

As investigações da promotoria ilheense e da Polícia Civil detectaram que empresas forneciam carne vencida há mais de dois anos para a merenda escolar na rede municipal de Ilhéus. Quem fez a revelação foi o promotor público Frank Ferrari em entrevista que vai ao ar no próximo domingo (14), Dia das Mães,  no Fantástico, da Rede Globo. É o quadro Cadê o dinheiro que tava aqui?.

No último dia 13 de abril, o PIMENTA antecipou que Eduardo Faustini, o “repórter secreto”, preparava reportagem especial sobre o esquema de corrupção que levou para trás das grades o vereador Jamil Ocké, ex-secretário de Desenvolvimento Social de Ilhéus, além do empresário Enoch Andrade e o também ex-secretário Kácio Brandão, que comandou a secretaria quando Jamil retornou à Câmara. Outras três pessoas presas já estão livres.

Kácio, Jamil e Enoch continuam no Presídio Ariston Cardoso, em Ilhéus. O trio foi preso na Operação Citrus no dia 21 de março. Segundo o MP, o esquema movimentou o dinheiro com licitações fraudulentas, compras superfaturadas e, sabe-se agora, entregando mercadorias vencidas há dois anos.

A matéria do Fantástico, além de mostrar todo o esquema de corrupção, também revela as condições de escolas municipais de Ilhéus. Estruturas de madeira e em ruína e móveis velhos, com a rede oferecendo péssimas condições de aprendizagem para os alunos.

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“A BAHIA GANHOU ATÉ DE JESUS CRISTO”

Ousarme Citoaian | [email protected]

1Escola BahianaAntigamente nossa língua abrigava certas formas de grafia com “h” medial que hoje parecem esquisitas. Escrevia-se, “em bom português”, Christo, pharmácia, Nitheroy, athético, e por aí vai. Em Itabuna, era muito conhecido um senhor chamado Anfilófio Rebouças, vejam só. Se Anfilófio já é nome que causa estranheza, imaginem que a grafia, de que o dono certamente se orgulhava, era… Amphilophio! Em 1942, houve uma das tantas reformas a que submetem a língua portuguesa e o “h interno” caiu. Manteve-se uma exceção – Bahia, que virou piada para os despeitados: diziam que a Bahia ganhara até de Jesus Cristo: o filho de Deus perdeu o “h”; a Bahia, não.

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Em defesa do formato “original”

Em 2012 contam-se 70 anos desde aquela reforma ortográfica, mas ela nunca foi assimilada por alguns setores deste Estado, que perpetuaram o uso do “h” em palavras da família Bahia: bahiano (baiano) e derivados. É claro que tal uso é inteiramente indevido, nada havendo que o justifique. A regra possui somente uma exceção: Bahia. O abuso é visto em geral com o nome de entidades: Federação Bahiana disso & daquilo, e Escola Bahiana de Medicina etc. Os defensores desse formato esdrúxulo vão argumentar que esta era a grafia “original”, mas não importa: o verbete bahiano não existe em língua portuguesa (note-se este termo estranhíssimo:  corinthians).

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(ENTRE PARÊNTESES)

3MaiasAgora é oficial: “por enquanto”, o planeta não vai cerrar as portas. O astrônomo do Vaticano, que, suponho, tem informações privilegiadas, assegurou que as profecias marcando data para o fim dos tempos “são, obviamente, falsas”. Elegante, o homem recusou-se a uma paródia bíblica esnobando os Maias (“Perdoai-os, eles não sabem o que dizem”), que teriam marcado como último de nossas vidas o dia 21. Portanto, gentil leitora e nervoso leitor, acalmai-vos: é preparar o peru (ops!) e os presentes, que Papai Noel ainda vai encontrar o Brasil no lugar de sempre e com a gente ouvindo Simone (o que me faz pensar se não seria melhor se os Maias estivessem certos).

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DE MARCELO REZENDE SOBRE SAMUEL WAINER

5PosteHá uns 300 anos, trabalhei na Última Hora, de Samuel Wainer. Grande jornalista (revelaria no livro Minha razão de viver alguns “malfeitos” como empresário), montou um império, enriqueceu, viveu bem, até que veio o golpe de 64. Perseguido, exilou-se em Paris, voltou ao Brasil, teve o patrimônio dilapidado pela ditadura. Morreu pobre, em São Paulo, assalariado do grupo Folhas. Reza o folclore que Wainer gostava de “testar” seus repórteres, como forma desafiá-los, incentivá-los, motivá-los para que atingissem nível de excelência. De Marcelo Rezende (então repórter da Globo) ouvi a história do poste, que talvez interesse à gentil leitora, candidata a jornalista.

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História do poste que virou personagem

Certa vez, SW chamou à sua sala um foca promissor. “ – Dizem que o senhor é bom… O senhor é capaz de fazer uma matéria sobre um poste? – provocou, ao tempo em que pegava o boquiaberto jovem pelo braço e apontava, da janela: “ – Faça uma reportagem sobre aquele poste ali. Para amanhã”. O rapaz descobriu tudo sobre o bendito poste: quando e como chegou ao local, que peso e tamanho tinha, quanto custou, falou com os operários da Light (conta o bom Marcelo Rezende que até os cachorros que faziam xixi no poste foram fotografados). Dia seguinte, a matéria estava sobre a mesa do chefe. Que a aplaudiu, mas não publicou, por falta de gancho (a história não guardou o nome do repórter). A propósito, o exigente leitor saberia o que é gancho, no jargão das redações?).

NINA SIMONE: O TALENTO E A GROSSERIA

Eunice Waymon era precoce. Começou a estudar piano aos três anos e aos quatro já tocava feito gente grande. Queria ser pianista clássica, mas terminou na parada pop. Antes dos 20 anos, quando adotou o nome artístico de Nina Simone (em homenagem à atriz francesa Simone Signoret), já era profissional, apresentando-se no lendário Carnegie Hall e no Newport Jazz Festival. Geniosa, genial e belicosa, certa vez teria atacado um fã com uma garrafa. Zuza Homem de Melo, um especialista em jazz, disse que teve “o desprazer de trabalhar com Nina Simone”, pois a talentosa artista “cometia as maiores grosserias com os músicos e todos ao seu redor”.
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7Juca ChavesA militante negra engajada e perseguida

Cantora preferida de Juca Chaves, ela é a mais engagée das divas negras do jazz (certa vez, disse, bem ao seu estilo rápido e rasteiro, que era “a única diva do jazz”): cantou no enterro de Martin Luther King, e fez várias canções sobre os direitos civis – uma delas, Mississippi Goddamn, tornou-se hino da causa negra. Tida como pianista, cantora e compositora das mais dotadas da história, abraçou vários estilos como gospel, soul, blues, folk e jazz, é evidente. Muito perseguida nos EUA, Nina Simone abandonou o país e passou a morar na Europa, onde morreu em 2003. As cinzas, a seu pedido, foram espalhadas por diferentes países africanos.

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Versos dirigidos à mulher sem coração

Sobre Ne me quitte pas já se disse tudo (não de tudo, pelo amor de Deus!). É um soberbo canto de amor (uma cantada?) que Jacques Brel dirige a Suzanne Gabrielle, no momento da separação do casal. Ao contrário dos ianques, os franceses são bons letristas.  A mim me encantam os versos “Eu te darei pérolas de chuva/ Vindas de países onde nunca chove” (Moi je t’offrirai des perles de pluie/ Venues de pays où il ne pleut pas) – mas essa Suzanne tinha uma pedra de gelo sob o seio esquerdo…  É mais uma canção que todo mundo conhece, e da qual vale repetir uma curiosidade: o registro mais divulgado é o de Maysa (do filme A lei do desejo, de Almodóvar). Nina Simone… Ne me quitte pas.

(O.C.)