Nery Santana e Baiano do Amendoim
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Thiago Dias

A cassação do vereador Luca Lima (PSDB), no último dia 25, atribuiu à Presidência da Mesa Diretora da Câmara de Vereadores de Ilhéus o poder-dever de dar posse ao substituto do tucano.

Até o momento, a vaga aberta tem dois pretendentes: Marisvaldo dos Anjos, conhecido como Baiano do Amendoim (PSDB), e Nery Santana (PSL). A defesa de Baiano acionou o Poder Judiciário para garantir que ele seja empossado no cargo. O presidente da Câmara, Jerbson Moraes (PSD), disse que estuda o caso a fundo e pretende se manifestar de maneira assertiva, para evitar que sua decisão seja modificada pela Justiça, após eventual questionamento de qualquer uma das partes.

Enquanto os poderes Legislativo e Judiciário trabalham no seu próprio tempo, corre a discussão sobre o destino da vaga. O advogado Alah Góes, por exemplo, sustenta a tese de que Baiano do Amendoim não pode assumir o cargo de forma definitiva, porque não teve votação mínima de 10% do quociente eleitoral. Segundo ele, a vaga aberta pela cassação de Luca Lima não pertence mais ao PSDB, pois nenhum outro candidato do partido atingiu esse patamar mínimo. Dessa forma, a cadeira deverá ser redistribuída e, pelas contas do advogado, ela caberá a Nery Santana, suplente do PSL.

Especialista em Direito Eleitoral e mestre em Ciências Políticas, Alah Góes conversou com o PIMENTA nesta terça-feira (31). Ele enfatizou que não representa Nery Santana e pronunciou-se apenas para emitir sua interpretação sobre o debate jurídico.

Advogado Alah Góes, especialista em Direito Eleitoral, argumenta que vaga é de Nery

“O ESPÍRITO DA NORMA”

Para construir seu argumento, Alah evoca a noção de que toda lei tem um espírito, espécie de síntese das intenções que mobilizaram o legislador a criá-la, com a expectativa de produzir determinados efeitos na realidade. No caso do artigo 108 do Código Eleitoral, que estabeleceu a cláusula de barreira de 10% do quociente eleitoral, o efeito desejado pelo legislador é evitar que a votação grande do candidato de um partido, o chamado puxador de votos, eleja correligionários dele que não receberam uma quantidade representativa de votos.

“A gente tem que observar o espírito da norma. Direito, a gente costuma dizer, é lógica e bom senso. E a lógica diz que você tem que seguir justamente isso. Se o critério para você ser escolhido como vereador e tomar posse é você ter cumprido a cláusula de barreira ou cláusula de desempenho, onde você tem que ter os 10%, como é que você, sendo suplente, vai poder ocupar aquela vaga, sem ter alcançado esses 10%?”, questiona o advogado.

JURISPRUDÊNCIA DE UM LADO…

A interpretação de Alah Góes é corroborada por acórdão do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB), publicado no dia 30 de setembro de 2019. No julgamento, o Tribunal decidiu que o artigo 112 do Código Eleitoral, que isenta suplentes da votação mínima de 10% do quociente eleitoral, não vale para a posse definitiva no cargo de vereador.

“Aos suplentes das representações partidárias, consoante previsto no art. 112, parágrafo único do Código Eleitoral, não se aplica a exigência do art. 108, do mesmo Código, para fins de formação da lista de Suplentes, que poderão ser convocados em caráter temporário para o exercício do Mandato, apenas com a finalidade de manter a representação partidária no âmbito da Casa Legislativa. Reafirmando-se, por outro lado, que só poderá titularizar um Mandato Representativo, em respeito ao princípio da Soberania Popular e da Adequada Representação Proporcional, aquele candidato que tenha alcançado o número mínimo de sufrágios, conforme A EXIGÊNCIA do art. 108 do Código Eleitoral”, escreveu o desembargador Leandro dos Santos, relator do processo.

…E DE OUTRO

Já um acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), firmado em julgamento de março de 2019, adotou posição diferente da corte paraibana, destacando que os artigos 108 e 112 convivem em harmonia no Código Eleitoral porque tratam de situações distintas. Enquanto a cláusula de barreira cumpre seu papel de impedir distorções provocadas por puxadores de votos, o afastamento dessa exigência para os suplentes é uma forma de preservar a representação partidária conquistada na eleição, o que prestigia a própria lógica do sistema partidário.

“A regra que excepciona a exigência de desempenho mínimo para definição da listagem de suplentes tem, por função, preservar a representação partidária, que integra a essência do processo democrático brasileiro. Logo, as regras em apreço coexistem, harmonicamente, no mesmo diploma”, diz trecho da decisão colegiada.

PRESIDÊNCIA, SENADO E PGR ENDOSSAM POSIÇÃO DA DEFESA DE BAIANO DO AMENDOIM

A pergunta se um suplente de vereador que não atingiu 10% do quociente eleitoral pode assumir mandato de forma definitiva chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), no último mês de janeiro, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6.657) movida pelo Partido Social Cristão, que tenta acabar com a exceção do artigo 112.

No seu parecer sobre a ADI, o procurador-geral da República Augusto Aras informa que a Presidência da República e o Senado Federal se manifestaram contra a ação, ou seja, a favor da constitucionalidade do artigo 112, com a vigência incondicionada do texto, assegurando a posse de suplente no cargo, em caso de vacância temporária ou definitiva, mesmo sem o cumprimento da votação mínima. Augusto Aras defendeu a mesma interpretação, que respalda a tese da defesa de Baiano Amendoim, qual seja, a de que ele é o sucessor legítimo de Luca Lima na Câmara de Ilhéus (leia mais aqui).

Apesar das manifestações consoantes da Presidência, da PGR e do Senado, a palavra final sobre ação caberá ao plenário do STF. O julgamento ainda não tem data marcada.