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Gerson Marques | gerson-marques@uol.com.br
Viviam os moradores de certa comunidade completamente cabisbaixos com os destinos de sua terra. Três anos antes eles compraram gato por lebre ao eleger como líder da comunidade um empresário bem sucedido que prometia fazer na cidade o que fez na vida privada. Menino pobre, começou do nada e se tornou um milionário, um homem poderoso, um exemplo de sucesso.
Deu tudo errado. O tal empresário demonstrou-se um lobo em pele de cordeiro. A comunidade, em pouco tempo, estava destruída física e moralmente. Foram anos difíceis e muito tristes. A desesperança reinava no sentimento comunitário.
É verdade que muita gente de bem sabia que o tal empresário era um grande engodo, uma mentira camuflada por trás do sucesso empresarial. Histórias cabeludas perfilavam em sua biografia quase secreta: roubos, pedofilia, sonegação de impostos e por ai vai. Mesmo assim, parte dos que conheciam a verdade o apoiou.
Três anos passaram, milhões de reais foram roubados dos cofres públicos. A incompetência somada à falta de ética foi tamanha que tornou-se impossível manter o homem no poder. Saiu da prefeitura pela porta de trás, expulso pela população e pelos vereadores.
A lei, porém, tinha que ser cumprida. O vice-alcaide assumiu mesmo tendo sido membro ativo do desgoverno afastado. Sabe-se que foi beneficiário direto da corrupção e cúmplice consciente da roubalheira.
Fez pequenas mudanças, afastou os mais expostos e passou uma tinta fresca na imagem do governo. Nos bastidores, porém, era sabido que grande parte da máquina de corrupção montada continuava ativa.
Nova eleição, o ex-vice, agora alcaide, torna-se candidato à sua reeleição. Seria uma disputa difícil. Afinal, como ganhar uma eleição com uma herança tão maldita? Reuniu-se então o Conselho dos Espertos, uma espécie de confraria formada por políticos anões, sabedores por onde as pedras dormem.
Algumas horas e muitas doses de café depois nasce uma “grande” ideia: Por que não vender as contas bancárias do município para outro banco e com isso levantar uma nota preta? Dinheirão suficiente para ganhar a eleição e ainda sobrar uns trocados para umas farras?
Um dos presentes, mais sensato, contemporizou:
– Neste caso, haverá uma quebra de contrato com o banco atual e muito prejuízo para o município.
Outro, mais “esperto”, logo sentenciou:
– Contrato foi feito para ser quebrado. Uma multa a mais outra a menos nas contas desta prefeitura falida não faz a menor diferença.
Nasce assim uma estratégia eleitoral, uma verdadeira tecnologia de ganhar eleições quase perdida, ou melhor, a tecnologia de roubar sonhos. Ela consiste basicamente em vender contas públicas para empresas bancárias e, com isso, conseguir capital para fazer maquiagens, marketing de enganação, levantar a estima da população por três meses e colher nas urnas os sonhos de milhares de pessoas em forma de votos.
Negócio fechado, milhões são transferidos para as contas da prefeitura, os funcionários são informados que terão que mudar suas contas-salário para um novo banco. Começa uma nova fase no governo, a fase do “feijão com arroz”.
Pintam-se meios fios, tapam-se buracos, consertam-se calçamentos, poda-se árvore e colocam-se lâmpadas nos postes. O povo acredita nos novos tempos, o alcaide discursa afirmando que este dinheiro que agora era usado para o bem da cidade, outrora em governos passados era desviado para bolsos fundos.
A febre do feijão com arroz contamina a cidade. Os marqueteiros e o Conselho dos Anões Espertos estão radiantes: a estratégia deu certa e a vitória eleitoral foi confirmada de forma significativa.
A realidade, palavra dura, e a morte são damas pertinentes, nunca foram vencidas, terminam sempre por impor a sua lógica. A morte é fato para todos os seres vivos, a realidade é fria e impositiva. Por isso mesmo, seu outro nome é verdade.
Pode-se até enganar muitas pessoas por muito tempo, mas nunca se consegue enganar a todos por todo tempo.
Menos de um ano depois, o feijão com arroz virou farofa d’água. O município está acionado na justiça para pagar multas milionárias por rompimento de contratos, o alcaide, envolvido até o pescoço em uma teia de corrupção, vive deslumbrado com a vida de novo rico.
Desemprego, crise, imobilismo, violência, greves, denúncias de corrupção e muita, muita leniência são a nova cara do governo farofa d’água.
A comunidade já vive o clima de baixo astral igual ao desgoverno anterior. Nas ruas, as pessoas perguntam: Quem roubou nossos sonhos?
Gerson Marques é consultor de turismo.