Tempo de leitura: 4 minutos

70 MM

Leandro Afonso | leandroaguimaraes@hotmail.com

tres e meia

.

Um cineasta chama outro para este segundo refazer o próprio filme – de quase 40 anos – cinco vezes, com restrições escolhidas pelo primeiro. Essa é a premissa de As Cinco Obstruções (De fem benspænd – Dinamarca/Suíça/Bélgica/França, 2003), de Lars Von Trier (Dançando no Escuro, Dogville) e Jørgen Leth – o desafiado que aceita refilmar seu The Perfect Human (1967) com as limitações impostas pelo colega. O resultado é especial e simbólico, com o que de melhor e pior Von Trier (não limitado ao “apenas” realizador) pode nos brindar.

Como poucas vezes acontece, o grande mérito de As Cinco Obstruções está na força de se de alcançar o potencial demonstrado já pela superfície do tema – aqui beneficiado por tudo a que, direta ou indiretamente, ele pode se ligar. Você percebe, de um lado ou de outro do debate (às vezes um mero bate-papo), em maior ou menor escala, não só o tesão pelo desafio, como também uma eterna disputa – em que ambos ganham – entre a paixão pelo cinema e pelo fazer filmes.

O mérito em se explorar bem a ideia inicial, contudo, me parece muito menos devido às conversas entre Von Trier e Leth do que graças ao cruzamento entre as sugestões do primeiro e os resultados obtidos pelo segundo em cada curta. Em alguns momentos, o gigantesco ego de Von Trier parece realmente atrapalhar, e os comentários sobre o caviar e o seu gosto por álcool/vodca carregam um óbvio “e daí” que ganha coro quando pensamos que até o ritmo e o dizer algo do filme parece prejudicado.

Ainda assim, As Cinco Obstruções, que pode servir como outra referência para novos debates referentes à metalinguagem dentro da metalinguagem, acerta em cheio quando funciona como tentativa de descobrir até que ponto podem ir as potencialidades do cinema feito (e limitado) por quem tem talento. Primeiro Leth, vez a vez testado, depois Von Trier, que nos leva por uma estrada conflituosa para simplesmente reiterar – aqui de forma contida e um tanto inesperada pelo caminho tomado – seu tom passional não só pelo que faz como por quem admira.

O curioso é que essa explicitação do amor de Von Trier não vem como uma espécie de catarse, como acontece, por exemplo, em Dogville e Dançando no Escuro. Aqui, o diretor parece muito mais contido (pode agradar a uns justamente por isto) e seu prazer parece menos espontâneo do que pré-programado; ele parece se cobrar o dizer que ama mesmo que, naquele momento, necessariamente não ame daquele jeito.

Todavia, essa certa (impressão de) mecanicidade não nos impede de mergulhar profundamente no mundo do discutir e fazer cinema – entre quem sabe. E isto é sempre bom, independente do quanto transborde, na tela, um sentimento que ajude ou não a cativar.

Filme: As Cinco Obstruções (De fem benspænd – Dinamarca/Suíça/Bélgica/França, 2003)

Direção: Lars Von Trier e Jørgen Leth

Elenco: Lars Von Trier, Jørgen Leth, Claus Nissen.

Duração: 90 minutos

8mm

Anticristo

Falei sobre este As Cinco Obstruções, entre outros motivos, porque o novo Von Trier não vai chegar por aqui. Nunca. A menos que alguém acredite na coragem (sempre bem vinda e nunca presente) de o nosso Starplex exibir um filme chamado Anticristo, cujas mutilações de órgãos genitais estão entre as cenas mais leves.

Top-10 de agosto

A menção honrosa vai para curta O Pequeno Caos (1966), de Rainer Werner Fassbinder. Abaixo a lista, que pretendo deixar sempre só com longas mesmo.

10. O Grande Lebowski (1998), de Joel e Ethan Coen (***1/2)

9. Milk (2008), de Gus Van Sant (****)

8. Apocalipse Now Redux (1979), de Francis Ford Coppola (****)

7. O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard (****)

6. O Pagamento Final (1993), de Brian de Palma (****)

5. Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), de Michel Gondry (****)

4. Hair (1979), de Milos Forman (****)

3. Kill Bill Vol. 1 (2003), de Quentin Tarantino (****1/2)

2. Underground (1995), de Emir Kusturica (****1/2)

1. A Noite Americana (1973), de François Truffaut (*****)

Obs: Apesar de alguns vistos ainda em agosto, os filmes da semana (abaixo) só entram na “disputa” pela lista do próximo mês.

Filmes da semana:

  1. A Regra do Jogo (1939), de Jean Renoir
  2. Cidade dos Sonhos (2001), de David Lynch
  3. As Cinco Obstruções (2003), de Lars Von Trier e Jørgen Leth
  4. A Última Noite de Boris Grushenko (1975), de Woody Allen
  5. Pocilga (1969), de Pier Paolo Pasolini
  6. Por uma Vida Menos Ordinária (1997), de Danny Boyle

Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”

www.ohomemsemnome.blogspot.com

0 resposta

  1. Muito boa essa lista. Bons filmes, bons diretores e alguns mestres como Pasolini e Lynch. Alguns estão disponíveis nas locadoras. Outros não são tão fáceis de encontrar. Vale a pena garimpar. To começando a gostar dessa coluna.

Deixe aqui seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *