Nego Freeza: mutimba é a celebração antes da luta || Fotos Silla Cadengue
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O MC Nego Freeza, d’OQuadro, acaba de lançar Mutimba, música em parceria com o DJ e produtor Fabiano K’boko, recifense radicado na Alemanha. Nesta conversa com o PIMENTA, Freeza fala do novo som e da relação que estabeleceu com a cultura do Recife, onde o artista de Ipiaú, no sul da Bahia, vive há sete anos.

A palavra mutimba, segundo Freeza, remete a uma manifestação moçambicana do período da revolução anticolonial (1964-1974), que encerrou quatro séculos de colonização portuguesa em Moçambique. “K’boko já tinha o beat e uma pesquisa sobre isso. Mutimba era a dança que os guerrilheiros faziam antes das batalhas, na época da luta pela independência de Moçambique”. Ao invés do aspecto bélico, a música enfatiza a celebração, conta o MC.

Na capital pernambucana, Freeza encontrou na discotecagem uma forma de se manter no universo da música. Desde 2018, é um dos DJs residentes da festa Estrela Negra, ao lado de Patrick Torquato, baiano de Paulo Afonso. A vida no Recife também o apresentou a outros modos de ser preto, diz o músico. “Perceber esse jeito peculiar de ser preto pernambucano é muito importante pra mim. É um outro jeito de olhar para a cultura que vem de África. É a diáspora com seu jeito próprio de se manifestar em Pernambuco”.

INDÚSTRIA CULTURAL E CULTURA POPULAR

Freeza: “a gente faz o caminho, mas é o orixá que dá linha”

Como essas particularidades se manifestam? “Por exemplo, nas religiões de matriz africana. Por mais que existam elementos parecidos, você percebe a diferença da Bahia. E tem a cultura popular. Pernambuco conseguiu manter a cultura nas ruas”, diz Freeza, tecendo crítica ao que chama de indústria do axé music. Segundo ele, a monocultura do axé, patrocinada por uma visão enviesada de política cultural, foi um rolo compressor sobre as manifestações populares da Bahia, inclusive no interior do estado.

– A gente tinha um Governo que só investia nesse gênero, e vários elementos da cultura popular foram se perdendo, porque não havia manutenção disso por parte dos administradores do Estado. Aqui em Pernambuco, percebo que há uma coisa da cultura popular que você olha e fala: porra! Isso é África. Sabe? As cores, o toque, o maracatu, caboclinho e o cavalo marinho têm muito de África. Para mim, estar aqui, vendo isso de perto e entendendo como funciona, é algo que agradeço ao orixá. Nada na vida é em vão. A gente faz os caminhos, mas é o orixá que dá linha -.

Outro elemento distintivo da cultura popular no Recife é a presença da poesia nas ruas, avalia Nego Freeza, relatando os encontros com o poeta Miró da Muribeca, ícone da arte urbana recifense falecido em julho de 2022, aos 61 anos. “No Mercado da Boa Vista, tive a oportunidade de conversar várias vezes com o saudoso poeta Miró, de ver o lançamento das poesias dele pra todo mundo. Você percebe que é algo da cultura local, não foi implantado ali, é natural”.

As andanças em Pernambuco também levaram o MC a experimentar outras facetas como artista. Na série Lama dos Dias, ele interpreta um DJ. A história tem como pano de fundo o início dos anos 1990 e, ainda que de forma indireta, retrata o caldo de cultura que daria origem ao Manguebit, diz Freeza, que também participou do documentário Filho de Todos os Santos. Mas, essa é outra história.

Confira, abaixo, o videoclipe de Mutimba.

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