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Lembro da rua sendo decorada com bandeirolas pelos moradores; estas eram feitas com revistas, sacolas, jornais. Elas eram cortadas em torno de rodas de conversas e estórias. As crianças, eu era uma delas, iam colando no barbante com uma goma improvisada de farinha de mandioca. As noites eram felizes.

 

Efson Lima || efsonlima@gmail.com

Os festejos juninos já começaram na Bahia e, certamente, em todo o Nordeste. Algumas cidades realizam festas com duração de um mês. Também é razoável que não devemos comparar festas, mas o São João transmite uma sensação de que todo município, pelo menos no Nordeste, de algum modo, acende uma fogueira, as pessoas colocam bandeirolas nas ruas e praças ou um trio de sanfoneiro está a embalar as emoções. É, sem dúvida, a festa do dançar coladinho, mas “não” continua sendo “não” e vale respeitar as diversas formas de amar.

Em outras cidades, as praças são tomadas por grandes atrações, cujas festas movimentam a economia local, lotando pousadas e hotéis. As casas dos moradores são alugadas, o interior da Bahia é envolvido e as relações econômicas das cidades, inclusive os processos eleitorais, são impactados. Afinal, as eleições estão logo ali: outubro.

Em Salvador, a principal praça de festa junina do Governo do Estado é no Parque de Exposições, inclusive, estive lá recentemente para apreciar as atrações com meu amigo Léliton Andrade, por sinal, esse artigo tem sugestão dele. Sem dúvida, uma festa para agradar os diversos gostos. No dia em que estive, acompanhei Luiz Caldas, João Gomes, Psirico e Escandurras.

Observei, atentamente, Márcio Victor, do Psirico, defender a presença daquela atração no São João ao apontar que a música nordestina é a que deve estar nas festas juninas. Por sinal, o show dele foi iniciado com duas músicas e uma quadrilha junina. Complementava a tríade, o telão exibindo o Rei do Baião, Luiz Gonzaga. A partir daí, as músicas do grupo levaram o público ao delírio. Preciso confidenciar que dancei. Gostei muito dos esforços empreendidos para articular os ritmos e promover uma mistura necessária aos ouvidos, inclusive, o visual dos bailarinos. A roupa usada por Márcio Victor também trazia os elementos nordestinos. Perdemos a tradição? Muitos vão dizer que sim. Só o tempo dirá para nós.

As festas privadas em diversas cidades viveram o boom no passado, agora, lamentam com a perda de público e de patrocinadores. Alguns chegam a culpar o Estado e prefeituras por investirem nas festas públicas. As festas públicas são necessárias, elas democratizam o acesso aos artistas. É óbvio que os valores das atrações precisam guardar alguma razoabilidade e proporcionalidade e a qualidade do recurso público assegurada. Não é crível também entender que a realização de festas é investimento em cultura, quando os grupos teatrais, de danças, cinema e tantas outras manifestações locais ficam à margem ao longo do ano.

Particularmente, tenho apreço às festas juninas no interior da Bahia. Afinal, minha infância foi povoada por algumas dessas em Entroncamento de Itapé, às margens da BR-415. Lembro da rua sendo decorada com bandeirolas pelos moradores; estas eram feitas com revistas, sacolas, jornais. Elas eram cortadas em torno de rodas de conversas e estórias. As crianças, eu era uma delas, iam colando no barbante com uma goma improvisada de farinha de mandioca. As noites eram felizes. Bananeiras, folhas de bambu, pés de laranjas eram colocados nas ruas. As fogueiras eram preparadas pelas famílias. Um par de roupas era comprado por minha mãe. As noites eram memoráveis.

Não posso deixar de registrar a alimentação: amendoim, canjica, milho cozido e aquele assado na fogueira. As famílias assavam carne de boi e de porco. Faria falta na semana, mas o São João era a festa na frente de casa. O licor era para os adultos, mas, muitas crianças às escondidas bicavam, tomavam um gole. A magia tomava conta.

Cresci e meus textos agora são povoados pelos números.

Então, trago alguns.

No tocante aos aspectos econômicos, a Secretaria de Turismo do Estado, por meio da Sufotur, aguarda mais de 1,7 milhão de pessoas de fora do Estado. Claro que uma parte dessa gente é de baianos radicados em outros estados, que visitam seus parentes, especialmente no interior da Bahia. De todo modo, 2 bilhões de reais são a projeção de recurso financeiro a circular na economia baiana em decorrência dos festejos. Sem falar no aporte financeiro do Estado aos municípios baianos para realizar o maior São João do mundo, afinal, quase duas centenas de municípios são contemplados com recursos, gerando renda e trabalho para os baianos.

Por oportuno, registro que a Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte, por meio da Coordenação de Fomento ao Artesanato, tem feito um trabalho de marketing interessante, pois, convida os artistas, que se apresentam na festa, a comentarem sobre o artesanato baiano; chama as pessoas para tirarem fotos e enaltecerem a produção artesanal; a identidade do artesanato da Bahia é projetada nos telões nos intervalos das atrações. Assim, as ações governamentais são articuladas e mesclam os diversos atores da festa junina. Ganham os baianos.

Com o passar do tempo, falta tempo para viver a magia. A magia junina já não é mais a mesma de quando criança, agora, a fase adulta impõe obrigações e a curtição ganha um sentido de dever. Não é mais o lúdico desinteressado. Agora, o lazer se impõe como necessário para descarregar os compromissos e recarregar a bateria. Assim, registramos, mentalmente, no calendário que estamos no meio do ano. Para nossa sorte, nascemos nordestino. Para nós, é a certeza de que o ano chegou na sua metade, precisamos renovar as energias para subir a ladeira e entregar logo, logo, em dezembro, 2024. Enquanto, não damos lugar para “Então, é Natal”, cantemos que
O maior amor do mundo é o meu/
E ele é todinho seu”
e que
Quando oiei’ a terra ardendo/
Qual fogueira de São João/
Eu preguntei’a Deus do céu, uai/
Por que tamanha judiação?”

Uma plástica sobre o Nordeste é apresentada e a Bahia cada vez mais Nordeste. Nem parece que um dia o Estado da Bahia já esteve, pelo menos por meio de burocratas, traçado como região Leste ao lado do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Nada contra esses estados, mas somos mesmo “Nordeste, cabra da peste”.

P.S.: O presente texto é decorrente da sugestão de meu amigo Léliton Andrade, enfermeiro e oriundo do território da Chapada Diamantina. Registro aqui meus agradecimentos.

Efson Lima é doutor em Direito (Ufba), advogado e membro das Academias de Letras de Ilhéus (ALI) e Grapiúna de Artes e Letras (Agral)

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