Uma das formações da Seleção de Itabuna da época. Luiz Carlos, Abiezer, Zé David, Carlos Alberto, Leto e Ronaldo; Jonga, Santinho, Gajé, Carlos Riela e Fernando Riela || Foto Acervo Walmir Rosário
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Neste dia Afrânio Lima estava possesso, pois tinha perdido algumas apostas no jogo anterior (manipulado, dizia), inclusive uma joia com um brilhante caríssimo. Mas Afrânio estava confiante na vitória e não regateou: apostou todo o dinheiro que carregava numa pequena maleta.

 

Walmir Rosário

A cada jogo da Seleção Amadora de Itabuna a torcida comemorava em duas festas: a vitória dentro de campo e as intermináveis festanças pelas ruas das cidades, tanto em Itabuna ou nas casas adversárias. Não importava o local, os efusivos festejos eram garantidos pelos resultados positivos. Nos terreiros alheios Itabuna sempre “cantava de galo”.

E esses rituais eram sagrados e garantidos pela força da torcida que acompanhava o escrete alvianil. Um substancial exemplo foi a festança em comemoração à conquista do Hexacampeonato Baiano de Futebol Amador, em Alagoinhas. Embora a festa tivesse sido preparada pelo adversário, os itabunense festejaram até o dia raiar como se estivesse em casa.

E dentre a grande comitiva que acompanhava a Seleção de Itabuna, dirigentes e torcedores dos mais diferentes níveis sociais, o que fazia a diferença. Como queria o escritor francês Alexandre Dumas em Os Três Mosqueteiros, era “um por todos, e todos por um”. E assim as festas rolavam até que voltassem a Itabuna, onde a comemoração continuava sem horário para encerrar.

No Campeonato Baiano de 1964, a Seleção de Itabuna disputou a final com a Seleção de Feira de Santana. No primeiro jogo, realizado em Itabuna, Feira de Santana foi goleada pelo placar de 4X0, três gols de Gajé e um de Santinho. Foi um passeio completo. Para ficar com a taça, poderia até perder para o selecionado da Princesa do Sertão por um placar menor.

Afrânio Souza Lima dobrou aposta e encheu a mala || Foto Acervo Walmir Rosário

E em Feira de Santana Itabuna perde para o selecionado local por 1X0, após o árbitro, caprichosamente, anular três gols do craque Fernando Riela. Como o regulamento do campeonato foi modificado, as duas equipes teriam que disputar uma terceira partida, justamente no estádio Joia da Princesa. Mais um osso duro de roer. Menos para Afrânio Souza Lima, que não jogava conversa fora e acreditava no penta.

Para os craques itabunense a mudança não faria diferença e o que somente importava era ganhar o jogo e levar mais uma taça para Itabuna. No terceiro jogo, Itabuna entra em campo para ganhar e pouco se importou com a pressão dos feirenses que lotavam o estádio. Apesar de pequena, a torcida itabunense era barulhenta e incentivava a seleção em mais uma brilhante vitória por 3X1.

Se em campo a guerra era intensa, nas arquibancadas não era diferente e os itabunenses confiavam na vitória. Um deles era Afrânio Lima, cacauicultor e pecuarista que acompanhava a Seleção de Itabuna em todos os jogos. Mais do que a simples presença, gostava de desafiar os adversários, os chamando para apostar. E ainda oferecia vantagem.

E neste dia Afrânio Lima estava possesso, pois tinha perdido algumas apostas no jogo anterior (manipulado, dizia), inclusive uma joia com um brilhante caríssimo. Mas Afrânio estava confiante na vitória e não regateou: apostou todo o dinheiro que carregava numa pequena maleta. Saiu do estádio com a maleta e os bolsos entupidos de dinheiro dos torcedores feirenses. “Patos”, dizia.

Era chegada a hora da festa e ninguém sabia comemorar mais que Afrânio Lima. Saiu do estádio e foi o primeiro a chegar à boate contratada para a comemoração da vitória da Seleção de Itabuna. E entre as primeiras providências tomadas, o fechamento da casa e lavá-la por inteiro com a melhor e mais gelada cerveja. Estava tudo pronto para comemorar o Pentacampeonato Baiano de Amadores.

Assim que os jogadores e comissão técnica iam entrando, passavam pelo banho de cerveja. A festa na boate feirense atravessou a madrugada. Cedo, embarcaram no ônibus da Sulba, especialmente fretado, e uma nova parada para o café da manhã em Sapeaçu. E assim as comemorações continuavam nas sucessivas e providenciais paradas. Festas das boas.

Em Itabuna a multidão aguardava a Seleção Pentacampeã Baiana, em plena segunda-feira, transformada em feriado pelo prefeito Félix Mendonça. Mas os vitoriosos jogadores ainda tinham uma obrigação, entrar na vizinha cidade de Itajuípe e participar do banquete promovido pelo presidente do Bahia local, Oswaldo Gigante. E assim foi feito.

Em Itabuna uma multidão, com charangas a postos para batucar no desfile pelas ruas da cidade, aguardava os jogadores e torcida na praça Adami. Carro de Bombeiros a postos, os itabunenses se rendiam aos eternos campeões. Já Afrânio Lima, assim que chegou, se despediu dos jogadores e rumou para se encontrar com os amigos no Bar Avenida, de Olímpio, e comemorar. Na farra, abriu a valise e mostrou a vultosa aposta que ganhara dos “patos” feirenses.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado, além de autor de livros como Os grandes craques que vi jogar: Nos estádios e campos de Itabuna e Canavieiras, disponível na Amazon.

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