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Francisco aproximou a Igreja do mundo — não para profaná-la, mas para purificá-la com o pó dos caminhos, com as dores humanas, com o riso dos simples. Ele tirou o Vaticano das alturas e o colocou entre as vielas, nos hospitais, nos abrigos, nas aldeias.

 

Juliana Soledade

Foi na delicadeza de uma madrugada de segunda-feira, 21 de abril, que ele partiu. Sem alarde, sem pompas, como tudo o que sempre foi. Francisco, o Papa que nos ensinou que santidade se faz de passos simples e coração desperto, fechou os olhos para o mundo e abriu os braços à eternidade.

Parece até que escolheu o momento — como quem esperou a ressurreição de Cristo no domingo para só então, em paz, descansar. Como quem sabe que a missão só termina quando o amor se completa.

Francisco tinha essa sensibilidade de ouvir o invisível, de enxergar o outro com os olhos de Deus. Ele era, acima de tudo, um homem bom. E essa bondade não vinha de discursos eloquentes, mas do modo como olhava as pessoas, como as escutava. Como acolhia.

A sua humildade foi marcada numa noite em que sob a chuva leve que pincelava as pedras vazias da Praça de São Pedro, Francisco caminhou só até o altar improvisado; cada passo ecoava como prece em meio ao silêncio do mundo. De olhar terno, ergueu o ostensório diante de um vazio que parecia não suportar mais dor, e ali, solitário, abençoou a humanidade aflita — como se naquele gesto único carregasse, num sopro, a esperança de que, mesmo em quarentena pela pandemia, o amor divino jamais nos abandonaria.

Foi ele quem, com a suavidade de um ancião e a ousadia de um jovem, nos lembrou do mandamento mais esquecido: “Amai-vos uns aos outros, assim como Eu vos amei.”

Não dizia isso apenas com palavras, mas com gestos — lavando os pés de presidiários, abraçando refugiados, abrindo os braços para os que nunca se sentiram bem-vindos. Não lhe importava o credo, a religião, a sexualidade. A todos, oferecia o mesmo: respeito, compaixão e um lugar no coração de Deus.

Francisco aproximou a Igreja do mundo — não para profaná-la, mas para purificá-la com o pó dos caminhos, com as dores humanas, com o riso dos simples. Ele tirou o Vaticano das alturas e o colocou entre as vielas, nos hospitais, nos abrigos, nas aldeias.

Foi o Papa que canonizou Santa Dulce dos Pobres, a nossa santinha de Salvador. E naquele gesto, como em tantos outros, honrou o Brasil e a força escondida nos que se doam em silêncio.

Ele sabia reconhecer a luz dos pequenos — porque era um deles. Um Papa que jamais quis parecer maior que ninguém. Que recusou a ostentação e preferiu morar onde os sinos soam mais baixinho.

Sim, ele era progressista. Mas não por ideologia — e sim por fé. Porque acreditava que Deus continua caminhando com a humanidade, mesmo quando esta tropeça. Porque sabia que o Evangelho não é um livro engessado, mas um rio que precisa correr, tocar, banhar, renovar.

Agora, Francisco descansou.

Mas ele não se foi. Permanece em cada semente que plantou com as mãos da alma. Permanece nas crianças sorrindo nas ruas da África, nos jovens LGBTQIA+ que pela primeira vez se sentiram vistos, nos católicos que reaprenderam a ter fé, nos não-católicos que encontraram paz em sua voz.

Francisco agora habita o mistério.

Talvez esteja ali, ao lado de São Pedro e São Francisco, sorrindo sereno, ainda orando por nós.

Francisco era assim.

Um sopro de Cristo no tempo.

Um eco de Assis em meio aos ruídos da modernidade.

E agora, ao partir, deixa uma saudade doce — dessas que não machucam, mas fazem florescer.

Porque homens como ele não morrem.

Eles se transformam em ponte.

Entre o céu e a Terra. Entre o humano e o sagrado. Entre o ontem e o amanhã.

E talvez, bem agora, ele esteja repetindo para nós, lá do alto, com seu sorriso de pastor cansado e feliz:

“Por favor… não deixem de amar uns aos outros.”

Juliana Soledade é advogada e autora de Despedidas de Mim, Diário das Mil Faces e 40 surtos na quarentena: para quem nunca viveu uma pandemia.

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