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aldineto mirandaAldineto Miranda | erosaldi@hotmail.com

Fiquei olhando para a minha querida aluna, parecia dormindo num sono profundo e mais do que nunca pensei no sentido da vida, na brevidade da existência, e em tudo que não tem valor e que damos tanto crédito.

A morte andou me mostrando suas faces esta semana, e de alguma forma rondando próximo à minha vida. Uma vizinha da minha noiva, muito querida por todos, gente boníssima, faleceu. Era uma senhora distinta que vendia salgados deliciosos, lembrei-me da palavra saber, do latim sapere, que significa sabor. O sabor delicioso dos salgados de D. Dora não estava simplesmente no gosto dos alimentos, mas no amor, dedicação que empreendia na confecção destes e na generosidade e felicidade com que trabalhava com ardor e delicadeza. Ela sabia que esses eram ingredientes fundamentais, daí ela imprimia o saber/sabor na feitura dos deliciosos alimentos. Deixará saudade. Quando estava indo para o enterro da querida D. Dora, eis que encontro alguns ex alunos da Uesc, do programa PARFOR, me gritam, ao me ver passando, estavam numa lanchonete próxima ao cemitério, e me informam, desconsolados, que sua colega tinha falecido, uma ex-aluna, que tinha em torno de trinta e seis, trinta e sete anos. Um colega no enterro comentou comigo: “como diria Renato Russo, os bons morrem jovens.”
Fui ao velório e fiquei realmente triste e pensativo, lembrei-me de todas as teorias sobre a morte que a filosofia me concedeu, e cheguei à conclusão de que teorizar é diferente de vivenciar a morte. O corpo antes animado, sedento de saber, de repente imóvel, inerte. Fiquei olhando para a minha querida aluna, parecia dormindo num sono profundo e mais do que nunca pensei no sentido da vida, na brevidade da existência, e em tudo que não tem valor e que damos tanto crédito. Pensei nas pessoas que na vida querem ou quiseram me prejudicar e tive pena delas, pensei em mim e em meus problemas, e percebi que são tão minúsculos… Vi a dor nos olhos dos familiares e me senti solidarizado, e indignado, no momento, com as tramas do destino. Mas, parando pra pensar, compreendi um pouco mais as palavras de Heidegger, filósofo alemão, ao afirmar que o ser humano é “um ser para a morte” e viver autenticamente é não fugir dessa condição.
Lutamos, casamos, construímos coisas, por vezes não perdoamos os erros, somos duros conosco e com os outros, egoístas, mesquinhos, e para que? Carpe diem! Aproveite o dia! Essa é uma sábia frase, pois o dia é só o que temos. Sejamos melhores e intensos em cada dia, pois só temos este momento agora! Sejamos bons agora, amáveis hoje. Não inconsequentes,pois a inconseqüência machuca os outros. E a morte nos joga na cara nossa condição, não temos o direito de nos achar diferentes do outro. Temos um destino comum! Pensei nisso tudo, e no meio do pensamento veio a tristeza, uma tristeza que não posso exprimir porque palavras e teorias não explicam os sentimentos mais recônditos do ser humano.
Mas, no sábado fui a um aniversário em Ilhéus, crianças pulando, a vida transbordando no sorriso de cada menino e menina, esqueci por momentos dos fatos funestos ocorridos na semana, voltando de carro com minha família, a estrada, em um determinado trajeto, estava com os veículos parados, sinalizando um acidente ocorrido. Pergunto o que ocorreu a um homem, ele diz: “acidente entre um carro e uma moto, o casal que estava na moto faleceu”.
Passou a cena na minha cabeça, imaginei todo o ocorrido. Pensei na fragilidade humana, e qual significado daquilo tudo ter ocorrido numa só semana. Talvez não haja significado, seja puramente o absurdo da existência. Talvez, como salienta Albert Camus, sejamos como no mito de Sísifo, homens condenados a levar uma pedra acima da uma montanha, e quando lá chegarmos com ela, fatalmente ela rolará pra baixo de novo, e mais uma vez levaremos a pedra incessantemente, sem refletir sobre a inutilidade e o absurdo de tanta correria para colocarmos a pedra lá em cima. Estamos agindo, e nem sempre refletindo. Viemos a ser um dia, mas um dia também deixaremos de ser. Já pensaram sobre o que vale ou não a pena na vida? Acredito que valeu para D. Dora, e valeu para minha querida aluna. Foram pessoas que viveram com saber/sabor, e dedico este despretensioso texto a elas.
O homem vale por suas ações nessa existência. Tudo o mais, como afirma o belo texto de Eclesiastes, parece-me que é “fugaz e correr atrás do vento (…)”. Carpe Diem! Vivamos com mais saber/sabor.
Aldineto Miranda é graduado e especialista em Filosofia, mestrando em Linguagens e Representações e professor do Instituto Federal da Bahia (Ifba).

0 resposta

  1. Gostei da sua crônica, professor. Escreva sempre! Compreendo que é difícil melhorar o semelhante, más um comentário tão simples e tão profundo,como esse seu, ajuda muito. Pensar, é como se alimentar, amar, sorri e ser feliz… A vida agradece. E daí vamos levando a vida ou visse versa.

  2. Sábias palavras num texto que merece muita reflexão, principalmente para aqueles materialistas, orgulhosos prepotentes, gananciosos, arrogantes e etc… E os que se esquecem que DEUS existe, e que a vida pertence a ELE. Viemos do pó e ao pó voltaremos, como está escrito no livro santo, as Sagradas Escrituras. Enfim, a vida é muito bela para quem sabe viver. Aldineto Miranda, parabéns pelo texto, e pelas belas palavras ali contidas, as quais com certeza servirão para muitos leitores sensíveis refletirem.

  3. Belas palavras… tanto almejamos, corremos tanto…Mas temos que nos lembrar que nem sempre os nossos planos nem sempre coincdem oom os planos de Deus!

  4. A nossa origem é espiritual, mas mergulhados temporariamente no corpo carnal para vivenciarmos as provas que nos impulsionam ao crescimento espiritual, nos deixamos envolver pelas seduções da matéria, daí a nossa dificuldade em explicarmos as tragédias e os sofrimentos que na realidade podem ser definidas pela explicação do Espírito Luis Sergio: “A dor e as lágrimas são lixas necessárias a luminosidade do Espírito”. (José Carlos Peixoto/Jornalista e apresentador do Programa “Sementes de Luz” – Rádio Nacional- aos sábados das 10 as 12 horas)

  5. Parabéns meu inesquecível amigo-irmão Aldineto !!!
    Quem diria, após 12 anos que fizemos Magistério no IMEAM de Itabuna,você iria ser Professor, e eu iria ser Construtor em São Paulo.
    Abraços na Sra. Maria Lúcia, Sr. Aldineto e família;
    ATT: José Roque
    Guarujá-SP

  6. Partilhamos dessa reflexão, Neto. A morte de Elisana, nossa aluna, além de provocar muita tristeza, nos faz refletir sobre os verdadeiros valores da vida que é breve, passageira e por isso, não podemos esquecer que todos nós teremos um encontro com Deus, a quem prestaremos contas dos nossos atos. Elisana , teve uma curta passagem, mas deixou marcar profundas em todos quantos a conheceram

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