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Roberto José da Silva - foto Thiago Pereira
Presidente da Ficc aposta na cultura para reduzir violência em Itabuna (foto Thiago Pereira)

Roberto José da Silva tem um currículo diversificado. Presidente da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (Ficc) desde janeiro, ele é geógrafo com pós-graduação em Planejamento de Cidades e mestrado em Geografia com ênfase em Criminologia de Ambientes. Estudioso da questão da violência, Roberto José afirma ver a cultura como instrumento de transformação e defende a tese de que muitos jovens se perdem no chamado mundo do crime porque não vislumbram outras opções. Para Roberto, em algumas comunidades o traficante está se tornando o ídolo, o modelo perseguido pela criança. Ele propõe estratégias para que o agente de cultura assuma esse papel e se torne a referência.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo presidente da Ficc ao PIMENTA:

 

PIMENTA – Qual é a realidade do cenário cultural hoje em Itabuna e que projetos a Ficc tem desenvolvido para o setor?

 Roberto José  –  Primeiro eu tenho que dizer que a gente precisou dar um freio de arrumação na casa, não só no contexto estético da fundação, mas também na funcionabilidade, na mecânica dos projetos da fundação. Hoje temos aqui uma equipe de projetos, que eu diria que é uma equipe de excelência. Nós já temos dezenas de projetos cadastrados no Siconv (Sistema de Convênios do Governo Federal) e alguns em instituições como Banco do Brasil e Itaú. Conseguimos recentemente aprovar um projeto de leitura da embaixada da Alemanha e possivelmente em novembro a gente bote esse projeto para andar.

PIMENTA – Como vai funcionar esse projeto de leitura?

RJ –  Na verdade, a gente tem a intenção de promover a Feira Literária Internacional do Cacau,  trazer essa marca para Itabuna e vamos iniciar com uma célula, que é esse projeto de leitura. O projeto já tem um corpo e está na fase final de formatação. A Uesc entrou também na organização e inclusive uma parte da feira vai acontecer no Centro de Arte e Cultura Paulo Souto, no campus da universidade. É possível que a feira seja realizada ainda este ano, em dezembro.

PIMENTA – Quando se fala em eventos desse tipo, logo lembramos de que Itabuna carece de espaços adequados. Como a Ficc encara esse problema?

RJ – Nós estamos arrumando isso e temos alguns projetos andando, mas precisamos organizar a política pública cultural do município. O primeiro passo foi alinhar Itabuna à política nacional de cultura, para facilitar a vinda de recursos fundo a fundo. Nossa minuta de fundo já está criada e estamos encaminhando esse documento à Procuradoria Geral, para em seguida ser enviado para votação na Câmara. Esse fundo vai receber recursos de três fontes, no mínimo, que são os governos federal, estadual e municipal. No município, o repasse se dá por meio de um percentual do ISS e do IPTU. Fizemos o processo de adesão do município, que deu muito trabalho. Foi publicada agora no Diário Oficial da União, no dia 31 de julho, a adesão de Itabuna ao Sistema Nacional de Cultura, que se constitui na nova política de gestão do Governo Federal, que é participativa e ouve as bases. As ideias que se tem de política cultural são múltiplas, mas quem mais entende do assunto são as pessoas que estão na base e essas pessoas precisam ser ouvidas quando a gente vai propor algum tipo de política.

PIMENTA – A entidade se propõe a cobrar a conclusão das obras do Teatro e Centro de Convenções, paradas há sete anos?

RJ – O governo municipal quer que o Estado conclua aquele centro, mas o Estado em tese não tem interesse porque não quer fazer a gestão do espaço, talvez por julgar que o equipamento não terá um retorno econômico. O que eu reitero é que nem sempre deve haver essa visão economicista com relação a equipamentos culturais. A visão deve ser humanista e a nossa proposta é a de que, uma vez concluído o Centro de Convenções, a Ficc faça a gestão, que pode ser compartilhada. Acreditamos que é um equipamento que pode se manter com a promoção de eventos. Naquele espaço existe uma questão judicial. O Ministério Público entrou para rever a cláusula de reversão, já que, como se sabe, o ex-prefeito Fernando Gomes acabou pleiteando o terreno de volta. Não obstante, o município já reiterou ao Estado seu interesse de ver aquele espaço concluído e colaborar com a gestão.

PIMENTA – E com relação a outros espaços, há algo em vista?

RJ – Temos alguns projetos já encaminhados. Por exemplo, um de cinema e teatro, com forte possibilidade da verba chegar ainda este ano, e até meados de 2014 nós finalizarmos a obra. Há um espaço no centro da cidade, com boas condições de mobilidade, mas ainda não podemos dar mais detalhes, pois ainda estamos negociando. É importante dizer que estamos construindo uma política de adquirir, construir e reformar equipamentos culturais. Por exemplo, a Praça Laura Conceição, aqui em frente à Ficc, nós temos um projeto para requalificá-la. Vamos dotar essa praça de uma conotação cultural, então ela terá um anfiteatro ou uma concha acústica. A área no entorno da Ficc será transformada em um “quarteirão cultural”. No imóvel onde hoje está o Samu, que vai se tornar regional e precisará de uma nova central, será instalada a biblioteca infantil Monteiro Lobato. O espaço atualmente ocupado pela Ficc será o museu da cidade, com salas temáticas que demonstrem a construção dos signos de Itabuna, e a sede da Ficc irá para o Espaço Cultural Josué Brandão, após a transferência da Câmara de Vereadores para outro local.

Foto Thiago Pereira
Foto Thiago Pereira

 

É impossível extinguir a violência da convivência humana, mas é possível reduzi-la a índices aceitáveis, e a cultura é um forte instrumento nesse sentido porque ela alimenta a alma.

 

 

PIMENTA – E o Conselho de Cultura, que ainda não está organizado no município?

RJ – O Conselho de Cultura do Município não existia. Há mais de dez anos ele não tinha uma reunião, estava inativo. Nós montamos a minuta do Conselho de Cultura. Em novembro do ano passado, foi criado um Fórum Municipal de Cultura, encabeçado por vários artistas, a exemplo do pessoal da Acate (Associação Cultural Amigos do Teatro), e nós ouvimos as propostas e as trouxemos para a mesa de discussão. A partir daí, montamos a minuta e agora estamos fazendo os diálogos das mesas setoriais para que elas elejam seus representantes. O conselho estará constituído e funcionando até o final do ano, inclusive para que o fundo comece a ser movimentado.

PIMENTA – Há um projeto de longo prazo para o setor?

RJ – Está em formatação o um plano decenal, que vai além dos governos que passaram e que passarão, e acena para uma política permanente, feita na base, democraticamente. Para fazer esse plano, nós precisamos do diagnóstico da situação cultural do município, porque não podemos apresentar propostas culturais sem conhecer o “paciente”. Estamos fazendo um levantamento dos equipamentos culturais da cidade, considerando a cultura material e imaterial, além dos equipamentos de apoio. Estamos levantando isso para ter um norte para os editais de fomento à cultura que iremos lançar.

PIMENTA – O que a Ficc tem projetado para ampliar o público que acompanha as ações culturais?

RJ – Estamos trabalhando em um programa de formação de plateia, uma política que existiu no governo do ex-prefeito Ubaldo Dantas (1983-1988) e depois foi esquecida. Há lugares onde se faz um evento na praça e já existe um público garantido, porque as pessoas estão habituadas. Por isso que este ano nós fizemos o Festival Firmino Rocha e, ao invés de ser dentro do Centro de Cultura, ele foi para a praça. A novidade foi que, ao final da noite, nós colocamos uma grande atração para ter garantia de público. Fizemos uma seleção de propostas de artistas regionais, que receberam ajuda de custo para participar do festival. Foram oito dias de evento, encerrando as festividades do Dia da Cidade.

PIMENTA – E como este evento serviu para incentivar a formação de plateia?

RJ – Por exemplo, no dia do show de Edson Gomes, um artista local se apresentou antes e cantou para uma multidão de quase 30 mil pessoas. Assim foi nos outros dias, com uma atração de peso no final da noite, mas sempre com a presença de artistas locais. Houve espaço para diversas manifestações culturais, como teatro, contação de histórias e cinema. Nós fizemos agora a licitação para o projeto Ficc na Praça e vamos começar a fazer algumas apresentações na praça já a partir do início de outubro. Escolhemos três praças de grande fluxo em Itabuna: a Olinto Leone, a Otávio Mangabeira e a José Bastos.

PIMENTA – Você, que já realizou estudos sobre violência, tem a intenção de direcionar seu trabalho na Ficc com uma proposta de reverter a imagem de Itabuna como cidade com altos índices de criminalidade e insegurança?

RJ – Nosso trabalho também vai nessa vertente e o que estamos propondo não é algo exatamente novo. Claro que a gente faz as devidas adequações em nosso município. Existe na Venezuela um programa chamado “El Sistema”, que foi comprado pelas Nações Unidas para ser replicado em outros países. Esse programa trabalha com orquestras sinfônicas e já revelou grandes expoentes da música, conseguindo reduzir a violência em algumas comunidades a índices baixíssimos. (Émile) Durkheim diz que é impossível extinguir a violência da convivência humana, mas é possível reduzi-la a índices aceitáveis, e a cultura é um forte instrumento nesse sentido porque ela alimenta a alma. É importante que o Estado dê essa opção ao indivíduo, que muitas vezes entra no submundo do crime por causa de fatores que ele não domina. Nós entendemos que com a cultura é possível se fazer uma revolução na cidade, pois a cidadania plena só acontece quando há cidadania cultural. A polícia não tem o domínio sobre fatores criminógenos. Segundo a antropóloga Alba Zaluar, o sujeito entra no crime por estratégia de sobrevivência, o que se torna ainda mais frequente quando ele não tem muitas opções. A cultura é extremamente importante para fazer esse resgate, para se constituir num processo de sedução dessas pessoas.

PIMENTA – A Ficc tem instrumentos para cumprir esse papel?

RJ – Nós estamos procurando caminhar nesse sentido. Tanto que no projeto Cidade de Paz, do qual estamos na coordenação, já temos hoje 25 agentes culturais, que foram selecionados e estão trabalhando. Já selecionamos outros seis agentes culturais que irão trabalhar no Conjunto Penal de Itabuna e estes foram recrutados dentro da própria unidade carcerária. Temos ali um público de mais de mil internos e dentro desse universo nós conseguimos selecionar seis artistas. Eles receberão uma bolsa e farão a multiplicação. O agente cultural tem o papel de multiplicador da arte, porém, muito mais do que isso, ele leva um processo de transformação.

PIMENTA – Há quem não concorde com a visão de que o indivíduo adere ao crime por falta de opção.

RJ – Isso parte de uma leitura etnográfica de antropologia. O que acontece nas nossas periferias? Se você olhar o Bolsa Família, mais de 80% das famílias cadastradas são monoparentais, onde só há o pai ou a mãe, sendo que em 99% desses casos só se tem realmente a mãe. A figura do pai acaba sendo extirpada, saindo da família, muitas vezes em razão da violência, em situações perversas. A criança busca no pai e na mãe o ídolo e, quando o pai é retirado ou não é aquele ídolo desejado, ela procura o substituto na comunidade. Antigamente até se encontrava na televisão os bons ídolos, mas hoje em dia a televisão já não produz isso. Então a criança muitas vezes busca essa figura no sujeito que exerce o poder, que passa a ser o sujeito do fascínio. É o traficante, o “aviãozinho” da vizinhança, que passa a ser o espelho. O projeto leva o agente cultural e este passa a ser um sujeito transformador, que se apresenta para ser um novo espelho, que mostra outra perspectiva. Não é um projeto absolutamente novo. Já existe, por exemplo, em Fortaleza, onde conseguiu tirar algumas comunidades de índices alarmantes de criminalidade. Nossa proposta é chegar, nos quatro primeiros anos do governo Vane, a 300 agentes, recebendo bolsa e sendo esse sujeito transformador.

PIMENTA – O senhor determinou uma auditoria para apurar possíveis irregularidades nas gestões anteriores. Em que resultou essa investigação?

RJ – Iniciamos uma auditoria logo no começo da gestão, por encontrar muitos indícios de irregularidade. Inclusive a prestação de contas dos últimos meses de 2012 até recentemente não havia chegado ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), e não sei se já entregaram. A auditoria perdurou até o início de setembro e encaminhamos um relatório circunstanciado ao Ministério Público, TCM e para a Polícia Civil.

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