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Daniel Thame | danielthame@gmail.com
 

A notícia, muitas vezes exclusiva, muitas e muitas vezes corajosa, algumas vezes beirando a irresponsabilidade, era o combustível que alimentava o jornalista Manoel Leal.

 
Há exatos  20 anos, no início da noite de 14 de janeiro de 1998, seis tiros calaram Manoel Leal.
Ainda que assassinos e mandantes continuem protegidos pela impunidade, não se vai aqui repetir o que se escreveu ao longo dos anos, até por ser desnecessário, tanto o que já se falou sobre o crime.
O que vai se fazer aqui é uma homenagem.
Manoel Leal de Oliveira. O maior jornalista que já surgiu nesse chão grapiúna.
Manoel Leal de Oliveira, o cordeiro que às vezes brincava de ser lobo.
Manoel Leal, o que assumia os defeitos e não espalhava as virtudes que tinha.
Manoel Leal.
Nunca, em tempo algum, uma ausência se fez tão presente.
Desconheço, ao longo dos anos, uma conversa de bar que não tivesse convergido para seu nome. Que não remetesse a alguma história protagonizada ou inventada por ele.
Manoel Leal das malhas impagáveis, como a do soco que Carlito do Sarinha deu em Hamilton Gomes, quando na verdade Hamilton foi quem bateu em Carlito. “No meu jornal, amigo meu não apanha, só bate”.
Dos trocadilhos impagáveis com o amigo Hermenegildo, a quem dizia ser muito ágil, numa referência nada sutil à palavra ágio. Amigos, tanto que nas horas de aperto, lá estava Leal batendo às portas do ágil Hermenegildo. E sem pagar ágio.
Da piada infame que contava centenas de vezes, e só ele achando graça, na presença de Roberto Abijaude:
-Vocês árabes são muito unidos…
E completava:
-Também, vieram para o Brasil amarrados no porão do navio.
Da maldade com uma amiga paulista que fez comer o bago de jaca, até então uma fruta desconhecida para a mulher.
Do fogão novo enviado “por engano” para a casa do amigo Flávio Monteiro Lopes, apenas para que a esposa pensasse que ele tinha outra.
Das flores enviadas semanalmente para Nilson Franco, em nome de uma mulher misteriosa.

Leal foi morto a tiros quando chegava em casa, próximo ao Batalhão da PM e ao Complexo Policial.

Manoel Leal que pegava a máquina fotográfica e ficava na porta da Cesta do Povo fotografando as dondocas que escondiam o rosto com suas bolsas de grife. Isso num tempo (e bota tempo nisso!) em que Cesta do Povo era coisa de pobre.
De uma generosidade que não cabia no coração cambaleante.
E vamos ao que interessa, de um talento para fazer jornal, do qual não apenas fui infinitas vezes testemunha como também coautor, que é possível dizer sem correr o risco de cair no ridículo que nunca haverá alguém como Manoel Leal.
Esse faro para a notícia aliado a um destemor apavorante fez de A Região um jornal que não era apenas um veículo de comunicação.
A Região era aguardado nas bancas. Algumas de suas edições se esgotavam logo no domingo, menos de 24 horas após o jornal começar a circular.
E não eram apenas as Malhas Finas e Malhas Grossas, capazes de arrasar reputações ou garantir gozações ao longo de uma semana.
A notícia, muitas vezes exclusiva, muitas e muitas vezes corajosa, algumas vezes beirando a irresponsabilidade, era o combustível que alimentava o jornalista Manuel Leal.
Tráfico de Crianças, Importação de Cacau, Esquema dos “Cabritos” envolvendo autoridades, Fraude no Vestibular da Uesc, Liberação dos recursos do cacau para o então governador Paulo Souto sem as garantias necessárias. E mais uma infinidade de notícias que A Região deu porque só Leal sabia ou porque só Leal tinha coragem de publicar.
Manoel Leal era um garimpeiro de notícias. Isso é raro.
Numa noite de 1996, véspera da eleição municipal. A Justiça determina a apreensão da edição do jornal.
Ordem cumprida com um batalhão de PMs armados até os dentes na porta da gráfica. Leal calmo.
Quando a polícia sai, pergunto:
-Você entregou o jornal assim, sem mais nem menos?
A resposta, seca, irônica.
-Menino, você não notou nada? Eles levaram mil jornais. O resto está aí no fundo.
Daniel Thame é jornalista e editor do Blog do Thame.

0 resposta

  1. Um assassinato irracional que só no campo da selvageria encontra eco,repetição de um som pusilânime dos que não tem razão e frouxo e busca serviços de sicários,ou jagunços como retrata Jorge Amado a Região Cacaueira,Jorge Amado e os Jagunços do Cacau e nos nossos dias os bandidos nos Poderes.
    Hoje que os dia são piores,assassinam e são protegidos pela própria justiça e são bandidos com imunidades e afrontam à justiças com os mesmos métodos do passado,usam os sicários com nome de “militantes partidários” MST e por ai[…]
    Quando a vida humana será prioridade de controle social pelo Código Penal? Que
    a quele que ouse tirar uma vida humana por motivo fútil,neste caso específico de Manoel Leal,o criminoso sobre a letra da lei,receba a pena capital.
    Como vivemos nos dias atuais,nossas vidas não vale um tostão furado,isso basta!
    Que o Brasil escolham legisladores compromissados em criar leis em restaurar a garantia da vida e exterminar com toda forma de crime seja quem for,poderosos ou não,pena perpétua ou paredão,só há este caminho.
    Ser verdadeiro é a coisa mais simples,veja a homenagem a Manoel leal,um primor de leitura. Ao autor parabéns pelo tema.

  2. Thame,obrigada pela homenagem.
    Quando voltei dos Estados Unidos encontrei um Brasil o qual muitos ja nao se orgulhavam em ser Brasileiros. E todos afirmavam que viviam em um sistema democratico enquanto eu dizia que nao havia democracia de fato.
    A base da democracia é um sistema judiciario justo,rapido,o qual todo cidadao é responsavel por suas acoes e as consequencias.
    Hoje, a maioria do Brasileiro nao gosta mais de seu país ou quer sair daqui.
    Na minha opinião,estamos vivendo uma das piores ditaduras.
    A falta de entendimento por parte da populacao,meios de comunicacão, que assassinar um jornalista que exercia sua funcão profissional,que suas denúncias favoreciam a propria comunidade e seu direito constitutional à informacao,faz perpetuar um Brasil atrasado.
    Educaçâo sempre foi a chave que muitos países negam qualidade e assim vivemos em um sistema de reinado que apenas mudaram o nome:”democracia.” O Brasil é um pais onde se debate o óbvio.
    Um país aonde o guardião das leis,o Juiz, que respeito muito,é um profissional a parte.Um cidadão que se cometer um dos piores crimes,como vender sentença,não irá para a cadeia como todo cidadão mas tera uma Pena para toda sua vida:A aposentadoria.
    Enfim,vivi la fora e hoje mais do que nunc a visão do gringo….Não tem como defender o Brasil.
    Quanto a meu pai,Manuel Leal, nunca conheci um homem como ele. Com sua bondade,entendimento dos problemas das pessoas. Mesmo altamente individado não negava ajuda. Generoso em vários sentidos.
    Quanto ao assassinato de meu pai. Não sei o que dizer.
    Naquela época não havia a lei da Ficha limpa ou nenhuma consequencia para politico corrupto e seus agregados.
    Quiseram calar Manuel Leal talvez por se acharem muito inferior a ele. Talvez por acharem que realmente nâo podiam com ele, sua inteligencia E poder.
    O desespero de almas mediocres e pequenas.
    Tiraram sua vida dizendo a ele o quanto o temiam..
    Com amor a meu pai,
    Adriana Leal
    P.s O texto foi escrito com brigas com o corretor.
    …..

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