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Felipe de Paula | felipedepaula81@gmail.com
 

Imagine um professor na praça explicando algum tema polêmico contemporâneo! Aí, com ideias circulando, com a academia enxergando além de seus muros, quem sabe teríamos uma sociedade ainda melhor. Difícil? Sim, com toda certeza! Mas será que cada um de nós, doutos cidadãos, estamos fazendo todo o possível?

 
Ler o título acima parece estranho, não? Permita-me então contextualizar melhor a questão: dois acontecimentos que presenciei dentro do “mundo acadêmico” nos últimos dias me fizeram pensar um bocadinho sobre exatamente esse tal “mundo acadêmico”.
No primeiro fato, um jovem estudante postou nas redes sociais seu lamento por ter sido abordado por uma senhora cristã que tentava propagar suas ideias e demonstrou incômodo por ele se declarar ateu. Quando apresentado o contraponto de que aquela senhora estava apenas levando adiante aquilo que ela acreditava ser interessante, ele rebateu: “ah, não saio por aí levando a palavra de Nietzsche”. Não leva? Uma questão: por que não?
Outro fato foi a leitura de outra postagem nas redes sociais onde professores e estudantes, em sua maioria, debochavam e se escandalizavam com a cantora Anitta ter sido convidada para palestrar num evento na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Soava absurdo a cantora notabilizada no funk, de origem periférica, falar numa das mais prestigiadas universidades do mundo. Uma questão:por que não?
A academia brasileira, permito-me generalizar com meus pouco mais de oito anos de experiência docente, parece sofrer de um mal que a faz sentir-se como um panteão para poucos. Alguns (poucos) privilegiados devem alcançar esse patamar após demonstrar suas competências em provações diversas. Uma ideia de que aquilo “não é pra qualquer um”. Uma ideia de que aquilo que não está no “mundo acadêmico” não é bom o suficiente.
Vivemos – faço aí um mea culpa pois, além de ocasionalmente escrever textos me valendo da boa audiência do PIMENTA para atingir uma grande fatia da sociedade, também estou entre os que assim agem – num espaço onde apenas os aplausos e os tapinhas nas costas dos iguais parecem ser interessantes. Por qual motivo as vozes periféricas não são plenamente ecoadas nas universidades? Por qual motivo o grafite nas paredes dos corredores acadêmicos é visto com estranheza? Por qual motivo iniciativas como o Pint of Science, que visa explicar pesquisas científicas em bares, são vistas com certo desdém por alguns? A resposta?
Arrisco-me a dizer que muitos acadêmicos – aí incluídos professores e estudantes – acreditam que são especiais demais e acabam por esquecer da sociedade que os abriga e, principalmente, financia.
Se a senhora propagando a fé cristã nas ruas enche sua paciência, será que ao invés de criticá-la não seria possível ver nela uma inspiração? Imagine as praças de Itabuna, de Ilhéus ou de qualquer outra cidade exibindo um filme e um pesquisador conduzindo um debate sobre ele! Imagine um professor na praça explicando algum tema polêmico contemporâneo! Aí, com ideias circulando, com a academia enxergando além de seus muros, quem sabe teríamos uma sociedade ainda melhor. Difícil? Sim, com toda certeza! Mas será que cada um de nós, doutos cidadãos, estamos fazendo todo o possível?
Felipe de Paula é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

0 resposta

  1. Muito bom, me reconheci nesse texto aí (rs).
    Acredito que a grande dificuldade seja conseguir estabelecer uma linguagem intermediária entre a acadêmia e o povo, esse na minha visão, é o grande desafio.
    Falta paciência da acadêmia para aprender a falar com o povo, chegar até o povo. Também não podemos desconsiderar o abismo de desigualdade de educação que existe, é preciso antes, lutar para fechar esse abismo e conseguir uma aproximação mais fácil. Mas enquanto isso não acontece, precisamos aprender a falar com o povo, seja de Nietzche, seja de Marx ou Freire.

  2. Saulo,
    Todos nós acadêmicos podemos nos reconhecer! A leitura de sua postagem me inspirou a pensar um tanto nos caminhos que construímos e nos que deixamos de construir. Como você bem destacou: nosso caminho é pensar em como falar com o povo. Afinal é ele quem tem – ou deveria ter – a “propriedade ” da Universidade.

  3. Desculpas. Houve um erro no comentário anterior. Faltou uma frase no final:
    Professores Felipe e Saulo. NO dia em que a gente conseguir entrar nos campi de nossas universidades, sem vestibular ou Enem, e se sentir em casa, o país será outro.
    Meu sonho, há anos acalentado, é ver o campus da Uesc cheio de gente de saberes populares, dialogando com os mestres e doutores. Aliás, precisamos furar o bloqueio intelectual, acadêmico e física da UFSB – a nossa universidade federal!!! – com as comunidades onde estão seus campi.
    De nada vai adiantar a produção científica se não tiver como destinatária João, Pedro, dona Maria.. a plebe ignara também precisa se ver no espelho, como os patrícios. Afinal, o narcisismo é antigo e vem desde a Roma antiga…

  4. Genial, Felipe! Confesso que o mercado de trabalho, fora do chamado “mundo acadêmico”, me encanta mais. Exatamente por essas questões tão brilhantemente aqui levantadas por você. Venho concluindo que aqui fora posso contribuir muito mais com a sociedade que custeou minha/nossa passagem pela universidade pública. Mas confesso: é uma alegria ver que você e Karol, que foram pioneiros junto comigo (e tantos outros) no curso de Comunicação Social da Uesc, saíram de lá com a necessária consciência de que a universidade precisa ir além dos muros. E como professor universitário, você vem compartilhando ideias tão nobres com seus alunos. Sigamos, acreditando sempre que o melhor virá. Um abraço.

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