Após 20 anos, espécie ameaçada de extinção reaparece em Ilhéus
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Thiago Dias

Quando a criatura enorme se aproximou das margens da Barra de Itaípe, em Ilhéus, banhistas reagiram com espanto. “É um peixe-boi, eu acho”, arriscou um deles. “É uma foca, véi”, retrucou uma voz feminina. “Não morde, não?”, questionou outro curioso.

A indefinição seguiu até que um homem, empunhando pedaço de madeira pontiagudo, chegou perto do animal e sentenciou: “peste, véi, é um peixe-boi mesmo”. Nesse momento, alguém sugeriu que o animal fosse atacado. “Jamais faria isso!”, respondeu o sujeito da lança improvisada, depois de acariciar a cabeça do bicho. “Tem que chamar o pessoal do Ibama”, emendou.

A cena descrita acima foi registrada em vídeo (veja ao final do texto), no último sábado (25), e viralizou nas redes sociais. Ouvidos pelo PIMENTA, especialistas afirmam que o espanto dos banhistas é justificável, dada a raridade da experiência vivenciada. O veterinário Wellington Laudano, do Projeto (A)mar, conta que os últimos relatos sobre a presença de peixe-boi-marinho em Ilhéus remontam há mais de vinte anos. Até 2002, indivíduos da espécie eram vistos na Lagoa Encantada.

“O animal estava declarado como extinto na Bahia há alguns anos, mas, em fevereiro, ele apareceu em Salvador e já havia aparecido no litoral norte da Bahia, em outubro [de 2022]”, recorda o veterinário.

É possível que o peixe-boi de Ilhéus seja o mesmo avistado no norte do estado. O caminho para dirimir essa dúvida, segundo Wellington, é averiguar se o bicho recebeu anilha de identificação ou observar as peculiaridades de sua aparência. “Para ver isso, é preciso ter uma visão total do animal, da cabeça à cauda”.

Pelo que pôde ver no vídeo, ele observou que o espécime não tem anilha, tipo de anel que costuma ser colocado em uma das nadadeiras do peixe-boi. Existe a possibilidade de o equipamento ter se soltado, considerando a hipótese de o animal já ter sido identificado. Além da identificação, as anilhas permitem o monitoramento do paradeiro de animais via GPS.

A aparição também pode ser indicativa de que o peixe-boi-marinho voltou a se estabelecer  na região, cogita o veterinário. “Como não há monitoramento sistemático da espécie nos rios de Ilhéus, pode ser um animal que esteja começando a povoar a região”. Nesse caso, o primeiro ambiente a ser monitorado é o Rio Almada e sua foz, onde o bicho apareceu.

“EVENTO RARÍSSIMO”

Biólogo e mestre em Sistemas Aquáticos Tropicais pela Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), Caio Carvalho reforçou ao PIMENTA que, apesar do estuário ser o ambiente natural do peixe-boi-marinho, a aparição desse animal em Ilhéus, hoje, deve ser tratada como “evento raríssimo, pois ele costuma ser visto nos estados nordestinos mais ao norte”.

“Fazendo uma analogia grosseira, o Trichechus manatus, nome científico do peixe-boi-marinho, é como uma vaca aquática, porque se alimenta de vegetação aquática, como as algas do estuário. A espécie foi praticamente extinta devido à pesca predatória”, completou.

A pedido do PIMENTA, Caio levantou hipótese sobre o aparecimento do peixe-boi em Ilhéus. Segundo ele, pode ter sido obra do acaso e estamos falando de um indivíduo jovem perdido, “ou talvez seja indicação de que esse bicho esteja se reproduzindo e voltando a ocupar esses lugares”.

Num contexto ideal, continuou o biólogo, o peixe-boi-marinho deve ser protegido e monitorado. Além disso, apesar de ser um animal dócil, o contato com ele deve ser evitado. “Viu o peixe-boi? A primeira coisa a fazer é entrar em contato com as autoridades ambientais, para que verifiquem se é um animal em perigo de encalhe, machucado, desorientado ou doente, ou se é uma animal saudável e, assim, [a autoridade ambiental pode] fazer o manejo correto de resgate ou apoio para que ele siga seu caminho”.

Referindo-se ao vídeo já citado, Caio disse que o sul da Bahia merece um programa de educação ambiental que popularize o conhecimento sobre as espécies animais e vegetais que já existiram e ainda existem na região. “Você percebe que a maioria das pessoas não sabia que era um peixe-boi. Tinha gente se perguntando: “meu Deus, que bicho é esse?”.

Ao repercutir o caso em uma rede social, o Projeto (A)mar alertou que o peixe-boi-marinho não deve ser alimentado, acuado nem retirado do rio ou do mar. A instituição, que atua na proteção da fauna marinha, disponibiliza dois telefones para receber informações sobre animais em risco no litoral baiano ou a notificação de casos excepcionais, como o aparecimento de espécie ameaçada de extinção. Os números são (73) 9 9812-2850 e (71) 99608-5763.

Quando o PIMENTA estava prestes a fechar esta matéria, o veterinário Wellington Laudano informou, via WhastApp, que um peixe-boi-marinho foi avistado na Ponta do Mutá, em Barra Grande, na tarde desta segunda-feira (27). “Parece ser o mesmo”.

Confira o vídeo feito na Barra de Itaípe.

14 respostas

  1. Sou de ilhéus estou em São Paulo a 35 anos quando eu tinha 16 anos já vimos um desses aí mesmo na boca da barra aí em ilhéus
    Minha Cidade natal parabéns para o Ibama que possa cuidar desses peixe tão raro

    1. Na verdade nao e um peixe.se trata de um mamífero.sao chamados de peixe boi por se parecer com um boi porem nadar como peixe.

  2. Fiquei curioso a respeito desses supostos relatos da presença desses mamíferos no interior da Lagoa Encantada há 20 anos. O único que conheço foi feito por Pêro Magalhães de Gândavo há alguns bons séculos. Que tipo de relato foi esse da presença há 20 anos? Existem comprovações desses relatos? Ou são dados puramente anedóticos? Seria muito legal da parte do especialista vir aqui esclarecer o público a esse respeito.

  3. Que inveja!!! Visualização raríssima!!! E da pra acreditar que alguém ainda quis machucar o animal??? Que bom que não aconteceu!!!

  4. Boa tarde!

    Estava presente no momento do ocorrido e no trecho do texto acima em que se diz: “Nesse momento, alguém sugeriu que o animal fosse atacado. “. Isso não existiu. Na verdade um garota que viu o rapaz se aproximar do animal com o rastelo, pediu para que o mesmo não atacasse o animal, foi então que o rapaz respondeu que: “jamais faria isso”.
    E só para esclarecer, ligamos para os órgãos de proteção ambiental, mas não tivemos resposta.

  5. Ele já passou várias vezes nos fins de tarde no fundo da casa da minha mãe que está situada à beira do rio Almada no bairro São Miguel e já havíamos deduzido que se tratava de um peixe boi.
    Lindo de ver.
    Que ele possa ser vem cuidado.

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