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Marival Guedes | marivalguedes@yahoo.com.br

Os mendigos já foram objetivos. Utilizavam a curta frase “uma esmola pelo amor de Deus” e, quando atendidos, agradeciam repassando o pagamento da conta: “Deus lhe pague”. Os mais estressados reagiam praguejando quando o benefício lhe era negado: “tomara que um dia você não tenha mesmo!”.

Atualmente, os discursos são longos, porém criativos. Nos ônibus, o pedido vem em forma de histórias comoventes. O adolescente Ricardo faz versos: “ não é mole não, dormir toda noite numa cama de papelão”. Encerra pedindo dez centavos ou até um centavinho.

Nos coletivos de Itabuna, uma senhora conta a sua tragédia familiar afirmando que a filha, uma criança, necessita de alimentação especial. Ela não tem marido e a mãe está acamada, vítima de derrame. Quando fala que às vezes é maltratada ao pedir, quase sempre lacrimeja.

Já um homem sai todos os dias exibindo uma sacola cheia de pães, dizendo que só falta o dinheiro do leite. Outro me aborda com uma receita médica e conta que a avó precisa do remédio naquele mesmo dia,com um detalhe: ela mora numa fazenda em outro município, portanto o dinheiro é para comprar o remédio e pagar a passagem. Um mês depois o reencontro com a receita suja e amassada, narrando a mesma história.

Tem ainda um que abre a camisa e mostra um pano branco atado à barriga. Ele diz que se submeteu a uma cirurgia e está impossibilitado de trabalhar. Já me contaram que embaixo do pano ele coloca fígado bovino. Isto eu não sei. Mas de uma coisa tenho certeza: este ferimento da pós-cirurgia não cicatriza há mais de três anos.

Você dá?
A maioria dos grupos de esquerda é contra a esmola. O argumento é que acomoda quem recebe, consequentemente atrapalha o processo revolucionário.Mas há quem veja na “ajudinha” apenas um ato de generosidade favorável a quem almeja um cantinho no céu. Há também os que gostam de demonstrar a bondade publicamente.
Luiz Gonzaga aborda o tema em “Vozes da Seca” composta no ano de 1953, em parceria com Zé Dantas: “ Seu doutô os nordestino têm muita gratidão/Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão/Mas doutô uma esmola a um homem qui é são/Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

Noutros versos eles reivindicam emprego, obras e alimentos a preços acessíveis:
“Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage/Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage/Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage/Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage”.

Já Chico Buarque segue outra linha na irônica Vai Trabalhar Vagabundo, composta para o filme brasileiro homônimo:
“Vai trabalhar, vagabundo/Vai trabalhar,criatura/Deus permite a todo mundo/Uma loucura”.

Marival Guedes é jornalista.

0 resposta

  1. Marival sempre me fazendo rir com as pérolas do cotidiano.
    Já estive com duas das criaturas citadas e comprovo que as histórias são as mesmas de algum tempo atrás.
    Um abraço.

  2. Marival Guedes, gostei do seu comentário. Conheço alguns destes personagens e outros, mas confesso que nem a todos dou uma “ajudinha”. De tanto ser enrolado com os pedintes, que certo dia uma senhora pediu R$ 1,00 para ajudar a pagar a passagem, neguei e sai, aquilo apertou meu coração, voltei e dei o dinheiro, confesso-lhe que senti um grande alívio, se era enrrolação problema, o importante foi o bem que mim fez.

    Tem uma música do Skank que diz:

    Uma esmola pelo amor de Deus
    Uma esmola, meu, por caridade
    Uma esmola pro ceguinho, pro menino
    Em toda esquina, tem gente só pedindo

    Uma esmola pro desempregado
    Uma esmolinha pro preto pobre doente
    Uma esmola pro que resta do Brasil
    Pro mendigo, pro indigente

    Eu tô cansado, meu bem, de dar esmola
    Essa quota miserável da avareza

    Pois é eu tô cansado, mais a depender de quem está pedindo, vale a pena ajudar, garanto que vai dormir bem melhor.

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