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Valéria Ettinger1Valéria Ettinger | [email protected]

“[…] Se o Estado não promovia a melhoria da favela os favelados se uniram para tanto. Formaram-se associações comunitárias para defender os interesses da comunidade. À luz do direito oficial, as relações desse tipo estabelecidas nas favelas são ilegais ou juridicamente nulas e, essa intervenção ocorre como uma proteção jurídica oficial de que carecem. É exercido por um direito paralelo, não oficial, cobrindo uma interação jurídica muito intensa à margem do sistema jurídico estatal. Há uma inversão da norma básica, aquilo que é ilegal lá fora, lá dentro torna-se legal”. (SANTOS, BOAVENTURA SOUSA. O discurso e o poder: ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica).

A alegoria trazida pelo mestre sociólogo demonstra que quando o Estado não se faz atuante ou não exerce o monopólio da força e do controle social, o povo retoma para si o seu poder e o faz com suas próprias mãos. É a chamada autotutela, ação que em um Estado de Direito é vedado constitucionalmente. É o jeito popular de se fazer justiça por meio de linchamentos, vandalismos e até saques.
É o atestado de um cansaço social decorrente da impunidade e inoperância estatal. Quero dizer inoperância para os seus, mas para os nossos… tudo acontece.  É a herança cultural da colonização brasileira, quando Portugal instituiu as regalias públicas e legais para os seus apadrinhados, que se traduz no chamado “jeitinho brasileiro”. É esse jeitinho que nos leva a creditar que a coisa pública é uma extensão da privada e não nos faz perceber que para exigir cidadania é necessário exercer essa cidadania.
É a demonstração de um Estado que não se impõe internamente, que não demonstra seu poder sobre os cidadãos e esses que não se sentem cidadãos clamam agressivamente: – Olha,  eu estou aqui e preciso de você. Sabe aquele filho que quer chamar a atenção do pai, mas o pai não percebe e, ao invés de abraçar seu filho, castiga?
O Estado brasileiro não consegue ser um bom pai que impõe a sua autoridade dando limites e, concomitantemente, acolhe e cuida do seu filho. Pelo contrário, o Estado brasileiro abandonou esse filho, não deu limites, tornou-se permissivo e ao mesmo tempo cruel, deixando esse filho a sua própria sorte que, de tão inseguro e desesperado, se transformou em um “Godzilla” sem controle.
Esse Estado, tomado por um controle privado e de interesses pessoais,  esqueceu de sua soberania e tem se permitido a receber ordens de entidades internacionais e de outros Estados, violando o “princípio da impenetrabilidade da ordem jurídica estatal” que diz: “no território de cada estado vige, tão-somente, a sua ordem jurídica.
Nenhum outro estado é dado a prática de atos coativos dentro do território de outro Estado”. E nesse caminho segue: a FIFA e suas imposições anticulturais, a ingerência política das grandes potencias mundiais e o poder paralelo e invisível que brota de uma sociedade abandonada, amedrontada e sem uma proposta coletiva de Estado e governo.
É o Estado brasileiro sendo dominado por outros Estados, por outras normas, por outras forças, com vários donos e todos por si e nenhum por todos.
E essa semana meu filho de 10 anos, ao ouvir a opinião de Romário sobre a ingerência da FIFA no Brasil, me perguntou: mamãe o que é um Estado dentro de outro Estado? Eu respondi: Filho!  isso ocorre quando o país permite ser dominado por outro país… E, assim, continuamos colonizados, desordenados e sem rumo enquanto coletividade.
Valéria Ettinger é professora extensionista e mestranda em Gestão Social e Desenvolvimento.