Daniel Martins de Barros | Psiquiatria e Sociedade
O ideal seria estabelecer um diálogo entre visões diferentes na tentativa de entender o que são de fato esses rolezinhos. Porque sem isso não conseguiremos lidar com seus significados reais.
Os rolezinhos são um dos fenômenos recentes mais intrigantes em minha opinião: eles reúnem elementos de diversas naturezas, em suas causas e consequências, desafiando aqueles que buscam uma compreensão do que está acontecendo. Por se prestarem a diversas leituras, cada um vê neles o que bem entende, muitas vezes hostilizando opiniões divergentes. Creio que sejam suas muitas camadas, não mutuamente excludentes, que embaçam um pouco nossa visão.
Antes de mais nada, independente das motivações subjacentes, não se pode negar que eles são fruto da hiperconectividade proveniente do amplo acesso da população à internet e às redes sociais. Como no caso das manifestações que sacudiram transitoriamente o país em 2013, trata-se de um comportamento emergente. Isso significa que o movimento surge a partir da interação entre múltiplos elementos mais simples – no caso, as milhares de pessoas – mas não pode ser explicado apenas pelo comportamento individual dos envolvidos. A complexidade que nasce a partir das diversas interações faz com que o fenômeno seja imprevisível; é impossível vislumbrá-lo previamente, mesmo conhecendo os envolvidos.
Mas só a conexão ampla sozinha não basta. Claro que existe aí um colorido social, já que as ações são altamente simbólicas quando jovens da periferia organizam-se para ocupar em massa os espaços de consumo que são os shopping centers. Diante do discurso oficial que arbitrariamente mudou a classificação de milhões de pessoas de pobre para classe média baseado em seus hábitos de consumo de eletrodomésticos (mesmo que a custa de crédito, não de ganho), os rolezinhos mostram que penetrar na esfera do consumo não basta. Os shoppings, templos do supérfluo, não permitem que haja dúvida sobre quem é excluído mesmo após se tornar consumidor.
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