Cristina Buarque de Holanda faleceu neste domingo (20) || Foto Divulgação
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Sua morte, neste domingo, 20 de abril, ressoa como um batuque triste no peito dos que amam a cultura brasileira em sua forma mais autêntica. Mas seu canto segue reverberando nas esquinas, nos quintais e nas rodas que resistem — como ela resistiu. 

 

Luiz Carlos Jr

Cristina Buarque de Hollanda partiu neste domingo, aos 74 anos, após um ano de luta contra o câncer de mama. Seria injusto dizer que a cultura brasileira perdeu apenas uma cantora. Cristina foi muito mais. Foi resistência, foi escolha. Escolheu viver como quis: perto do samba, longe da fama — mesmo sendo filha do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, da intelectual Maria Amélia e irmã de dois ícones da música brasileira, Chico e Miúcha.

Avessa aos holofotes, fumante contumaz e fiel às rodas de samba, Cristina morava na bucólica Paquetá, na cidade do Rio de Janeiro, de onde comandava uma das rodas mais celebradas do país. Ali, como em tantos outros quintais, manteve viva a chama de um Brasil profundo, ancestral, rítmico e combativo.

Portelense, entre suas gravações marcantes, está Quantas Lágrimas, de Manacéa — talvez seu maior sucesso como intérprete. Mas há uma canção que a coloca em outro patamar da história: Morro do Sossego, de Candeia. Um samba censurado pela ditadura de 64. Um hino da luta de classes. Cristina foi a primeira a gravá-lo, em 1988, como quem resgata não apenas uma canção, mas uma memória.

A história por trás desse samba é digna de filme. Morro do Sossego nasceu de um poema de Arthur Poerner, militante, jornalista, autor censurado e perseguido pelo regime. Foi escrito numa sexta-feira da paixão e, anos depois, ganhou melodia pelas mãos de Candeia. Mas o regime o engavetou. Censurou. Silenciou. Dissera que os versos incitavam a luta de classes. E como incitavam!

Não vou ser esvaziado, pro meu patrão engordar / Homem não consome o homem”, dizia a letra que os censores tanto temeram. Cristina, com sua voz grave, serena e firme, deu corpo e alma a esses versos. Cantou o que muitos não ousavam nem ler. E sem alarde, sem estardalhaço, apenas com coragem e coerência.

Sua morte, neste domingo, 20 de abril, ressoa como um batuque triste no peito dos que amam a cultura brasileira em sua forma mais autêntica. Mas seu canto segue reverberando nas esquinas, nos quintais e nas rodas que resistem — como ela resistiu.

Cristina Buarque de Hollanda viveu como quis. E isso, talvez, seja seu maior legado.

Luiz Carlos Jr é diagramador e amante da cultura popular.