Wenceslau relembra luta por criação da Uesc: "tivemos a visão contrária de Antônio Carlos Magalhães"
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Thiago Dias

A Lei Estadual 6.344/1991, que criou a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), completará 30 anos na próxima segunda-feira (6). Na última quinta (2), a Câmara de Vereadores de Ilhéus celebrou o marco histórico com sessão especial requerida pelo vereador Cláudio Magalhães (PCdoB). O PIMENTA cobriu a cerimônia e, com esta matéria, inicia série sobre a “maior invenção da civilização grapiúna” – para usar palavras do reitor Alessandro Fernandes de Santana.

Presente na sessão, o professor de Direito Wenceslau Júnior, ex-vice-prefeito e ex-vereador de Itabuna, apresentou ao PIMENTA seu ponto de vista sobre a história da qual fez parte como liderança estudantil. Ele foi o único presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) que exerceu o mandato nas duas instituições, primeiro na Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna (Fespi) e, depois da estadualização, na Uesc.

FOGUEIRA DE CARNÊS

Quadro orgânico do Partido Comunista do Brasil, Wenceslau Augusto dos Santos Júnior, 51, relembra que a década de 1980 foi marcada pela ascensão neoliberal. Na presidência de José Sarney (1985-1990), os acordos MEC-USAID ainda pressionavam o Brasil a adotar um modelo de privatização do ensino superior, sob a influência política norte-americana. Na sigla em inglês, USAID significa Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.

Como quase tudo no sul da Bahia, a história da Uesc é atravessada pela saga do cacau. A família Nabuco, que doou o terreno onde o Campus Soane Nazaré seria erguido, foi grande produtora do fruto de ouro. A Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) chegou a cobrir 70% dos custos da Fespi, conta Wenceslau. “Os outros 30% eram custeados pelas mensalidades”. Além disso, a universidade herdou o patrimônio do Instituto de Cacau da Bahia (ICB), extinto em 1992.

A crise da lavoura cacaueira descambou no fim do financiamento. “A Ceplac perdeu muito recurso e não tinha mais como bancar a universidade. Qual foi a solução encontrada por quem dirigia a universidade na época? Aumentar a mensalidade. O aumento foi de 300%. Mesmo que quisessem, os estudantes não tinham condições de pagar. Isso foi em 1987, por aí”, recorda Wenceslau. Indignados com o arrocho, os alunos fizeram uma fogueira com os carnês da mensalidade. “E, a partir daí, começou essa luta”.

Cláudio Magalhães, o ex-reitor Joaquim Bastos, a ex-reitora Renée Albagli e o reitor Alessandro Fernandes || Fotos PIMENTA

TODA LUTA TEM, PELO MENOS, DOIS LADOS

É quase impossível encontrar alguém que tenha sido contra a fundação da Uesc ou, ao menos, que tenha coragem de dizê-lo. Mas, se pessoas travaram uma luta, significa que a estadualização enfrentou resistência. De quem? “Na Bahia, nós tivemos a visão contrária do então governador Antônio Carlos Magalhães”, respondeu Wenceslau Júnior.

Para o comunista, ACM somebte sancionou a Lei 6.344/1991 quando a pressão popular tornou-se irresistível. Já o antecessor de ACM agira diferente. “Quando cheguei, ainda era Fespi, mas já era gratuita, porque [o então governador] Waldir Pires garantiu a gratuidade em 1988 e fez constar na Constituição do Estado da Bahia, a Constituição de 1989, que iria criar a Universidade Estadual de Santa Cruz”, relembra.

Wenceslau Júnior atribui a Davidson Magalhães, secretário de Trabalho, Renda e Esporte da Bahia e presidente estadual do PCdoB, a leitura política que definiu a estadualização como objetivo do movimento popular. Na época, outra corrente defendia a federalização, mas, segundo o professor de Direito da Uesc, essa era uma perspectiva até ingênua diante da conjuntura histórica.

No auge da luta pela estadualização da Fespi, Davidson era vereador de Itabuna, o ex-deputado federal Haroldo Lima (1939-2021) representava a Bahia no Congresso e o professor Luiz Nova era deputado estadual. Conforme Wenceslau, esses três mandatos do PCdoB deram suporte ao movimento, mas o processo político foi capitaneado pelos estudantes, especialmente os comunistas da Viração, corrente estudantil do partido.

“O movimento docente foi importante, participou, fez greve, assim como os servidores, mas a condução da luta foi do movimento estudantil. Essa vitória foi do movimento estudantil da Uesc, que dirigiu de forma ampla e radical, como dizia Haroldo Lima. Era uma luta radicalizada, mas ampla. Ou seja, quem defendia a bandeira tinha voz e espaço. Como lhe disse, até deputados do PFL acabaram vindo participar, prefeitos de todos os partidos. Enfim, o movimento estudantil teve essa capacidade de dirigir com a radicalidade necessária e com a amplitude também necessária para que essa fosse uma luta da região”.