Tempo de leitura: 3 minutosCelina Santos
As cenas da novela das oito, mostrando a sociedade indiana dividida entre pessoas de casta e pessoas sem casta (os dalits), causam repulsa em muitos telespectadores. Naquele país é visível o preconceito que relega aos extremamente pobres a condição de mera poeira. Mas seria hipocrisia não reconhecermos que aqui no Brasil também temos os nossos dalits. Assim como na Índia, por aqui eles somam milhões. Na prática, são discriminados de inúmeras formas, enquanto na teoria têm o amparo do artigo 5º da Constituição, que apregoa: Todos são iguais perante a lei.
Em Itabuna, Sul da Bahia, um exemplo gritante dessa condição é a vida de Edna Oliveira Melo (foto), de 48 anos, moradora do bairro Fátima. Em primeiro lugar, ela é dalit diante da casta dos Beneficiários dos Planos de Saúde. Porque não tem dinheiro para custear um tratamento adequado contra a úlcera crônica que traz na perna há mais de seis anos.
O resultado da enfermidade é que essa mulher se arrasta pelas ruas, convivendo dia e noite com o fantasma da dor. Esse fantasma a acompanha até o posto médico, quando vai fazer curativo, até a farmácia, quando busca um analgésico qualquer, até qualquer canto da rua, onde haja uma garrafa pet que possa vender.
Diante da casta das Madames, que podem comprar uma calça jeans por 1500 reais, Dona Edna talvez seja mesmo tratada como poeira. Porque sobrevive com menos de 100 reais por mês, graças à venda do material reciclável que consegue catar. Isso, é claro, quando a dor lhe permite dar algum passo.
Dona Edna é dalit até mesmo diante da casta dos Empregados com Carteira Assinada, porque a vida inteira trabalhou em subempregos e nunca pôde contribuir para assegurar sua aposentadoria, ou um auxílio, um amparo na hora da doença. Tudo isso apesar de pagar impostos desde a hora que escova os dentes.
Hoje, dona Edna, pela enésima vez,
estará diante de um perito do INSS.
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Hoje (22), pela enésima vez, essa senhora estará diante de um legítimo representante da casta dos Peritos do INSS. Respaldados pelos poderes do ‘deus’ Previdência Social, eles analisam se a pessoa precisa ou não ser beneficiada com o auxílio-doença de 415 reais.
Incrivelmente, até então, as tentativas junto ao órgão da Seguridade Social foram frustradas. Porém, assim como em todas as oportunidades anteriores, Dona Edna vai para o encontro cheia de esperança. Afinal, foi novamente encaminhada pela secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Itabuna (que já lhe concedeu, inclusive, o direito à gratuidade no transporte por considerá-la deficiente). Além disso, na hora da perícia, terá em punho dois laudos médicos que atestam sua incapacidade para o trabalho.
Cientes dessa história, nós, da casta dos jornalistas (profissionais que sonham em ser olheiros da sociedade), só podemos estar vigilantes. Entretanto, vigilância à parte, fica aqui a torcida para que, desta vez, diferentemente dos dalits da Índia, nossa dalit brasileira não seja tratada como poeira, e sim como uma cidadã que precisa – e é merecedora – de amparo. Fica a torcida para que não seja necessário recorrer à casta dos Procuradores do Ministério Público Federal.
Celina Santos é redatora do jornal Diário Bahia e, no caso em questão, também se sente poeira frente à chaga da desigualdade social.