Tempo de leitura: 4 minutos

70 MM

duas estrelas

Leandro Afonso | www.ohomemsemnome.blogspot.com

O começo de Lula, o Filho do Brasil (idem – Brasil, 2009), de Fábio Barreto, lembra um faroeste: muito de imagens em busca de expressividade e auto-suficiência, pouco ou nada de diálogo. Até a longa apresentação dos créditos remete, com boa vontade, a Era uma vez no Oeste (1968), de Sergio Leone. Com essa atmosfera, o tom caricato e maniqueísta do início ainda soa como possível integrante de um mundo palpável, que pode existir na tela – e somente nela. O porém é que depois da primeira fala, e da primeira ação mais grosseira, esse mundo passa a ser outro. Não é o dos rostos e expressões em primeiro plano como uma forma de estilização e ritmo, mas sim a súplica – com frases prontas – pela sua lágrima; ou, no mínimo, pela sua admiração pela história do personagem.

Nesse ponto, inclusive, está provavelmente o maior problema do filme: o que está na tela é sempre menos forte do que está por trás dela. A vida de Lula que passa pelo projetor é a mesma conhecida pela maioria, com a diferença de que, filmada, ela tem seus percalços sublinhados pelo roteiro, pelo tempo dado a eles, e pela trilha sonora. É uma maneira de fazer melodrama, não há dúvidas, mas esse melodrama, pelo que chega à tela, peca não apenas pela repetição do mesmo – a história conhecida –, mas também (principalmente) pela gordura.

Em O Pianista (2002), Roman Polanski filma uma queda de maneira frontal e seca, sem soar apático e sem sublinhar o ato – específico mas apenas mais um dentro de todo o horror do holocausto. Em Lula, Fábio Barreto filma uma cena quase idêntica, como se ela (não a sua natureza, mas ela em si, como um acontecimento único), fizesse parte de um top-5 dos maiores absurdos da história humana – o que só pode ser aceito por um ingênuo de história e de cinema.

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Lula – bom diferenciar o filme do personagem – sustenta sua parte melodramática nessas catástrofes, sentidas na pele ou presenciadas por ele, mas sua parte histórica de construção de indivíduo está, muito e infelizmente, nos diálogos. Por mais que talvez, salientando o talvez, a transição do Lula com tendências burguesas para o sindical tenha sido feita de forma tão simplória, ver isso filmado dessa maneira soa até menos reducionista que preguiçoso.

Não dá pra cravar, contudo, que Lula é um desastre completo. Curiosamente, uma cena forte também é, como a abertura, curta e marcada pelo silêncio. Nela, um militar chega onde Lula se encontra, no mesmo instante em que o hoje presidente assiste a um companheiro ser espancado pela polícia. Lula basicamente não abre a boca, o pano de fundo e os olhares dizem muito mais do que eles com palavras – e falam muito mais a respeito do período. É simples, e a tensão está ali.

Infelizmente, todavia, as duas sequências são exceções. E o resto é engodo do mais de um mesmo sustentado nunca pelo filme, mas pelo tema. Da busca pelas emoções, que nunca alcançam o nível de um bom cinema de lágrimas (choro de biografado não conta), até a abrangência megalomaníaca de toda a vida de alguém tão marcante em “apenas” 130 minutos. Que terminam, curiosamente, com o presidente em segundo plano – como o cinema em todo o tempo.

Ps óbvio, mas importante: o texto é uma crítica sobre o filme, não sobre o presidente.

Lula, o Filho do Brasil (idem – Brasil, 2009), de Fábio Barreto

Direção: Fábio Barreto

Elenco: Rui Ricardo Dias, Glória Pires, Juliana Baroni, Cléo Pires

Duração: 130 minutos

Projeção: 1.66:1

8mm

Freud

Christoph Waltz, premiado ano passado em Cannes pelo que fez como o Coronel Hans Landa em Bastardos Inglórios, interpretará Sigmund Freud no próximo filme de David Cronenberg (A Mosca, Marcas da Violência) – o The Talking Cure. Freud, esperto como é, não vai querer explicar nada; vai é assistir.

Cléo

Ainda quero ver Cléo Pires, no cinema, numa atuação em que ela simplesmente não sorria. Acho que pode dar muito bom – embora também ache que devo ser exceção; ou ingênuo, se acreditar que isso pode acontecer.

Filmes da semana:

  1. O Pecado Mora ao Lado (1955), de Billy Wilder (***1/2)
  2. Manhattan (1979), de Woody Allen (***1/2)
  3. Rosetta (1999), de Jean-Pierre e Luc Dardenne (***1/2)
  4. 4. Lula, o Filho do Brasil (2010), de Fábio Barreto (Cinema do Museu) (**)
  5. 5. Sherlock Holmes (2009), de Guy Ritchie (Multiplex Iguatemi – Cabine de imprensa) (**)
  6. A Aventura (1960), de Michelangelo Antonioni (****)
  7. Segunda-feira ao Sol (2002), Fernando León de Aranoa (**)

Top-10 dezembro – não contam os dessa semana:

10. É Proibido Fumar (2009), de Anna Mullayert (***)

9. Atividade Paranormal (2007), de Oren Peli (***)

8. Uma Mulher é uma Mulher (1961), de Jean-Luc Godard (***)

7. Crash – Estranhos Prazeres (1996), de David Cronenberg (***1/2)

6. Instinto Selvagem (1992), de Paul Verhoeven (***1/2)

5. Polícia, Adjetivo (2009), de Corneliu Porumbiu (***1/2)

4. Ervas Daninhas (2009), de Alan Resnais (****)

3. A Bela Junie (2008), de Christophe Honoré (****)

2. Abraços Partidos (2009), de Pedro Almodóvar (****)

1. O Poderoso Chefão Parte II (1974), de Francis Ford Coppola (****1/2)

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Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”

6 respostas

  1. Asissti ao filme. Não como critico de cinema, mas como cidadão que vai ao cinema.

    Já assisti a muitas produções americanas e européias. Cheias de viço, efeitos tecnológicos, excelentes histórias, grandes atores, espetaculares diretores. Gostei de várias delas. Não gostei de algumas. Isto é compreensivel.

    Não esperava do filme de Dona Lindu, “Lula, o filho do Brasil”, uma sofistificação digna dos filmes americanos e europeus.

    A fôrça da mulher (analfabeta) oprimida, mãe, guerreira protegendo e levando o seu filho a resgatar o orghulho de ser brasileiro, me comoveu. Não chorei. Vejo o brasileiro como vitorioso.

    Nordeste, exodo, pau de arara (o caminhão, não o instrumento que veio depois) São Paulo, a meca dos nordestinos, a realidade (fome e desemprego), o País, (na mão dos militares), a luta pelos direitos dos trabalhadores e cidadãos, a morte de mulher e filha por absoluta ausência do Estado, morte da mãe enquanto preso por defender direitos justos de trabalhadores….

    Caro amigo é necessário o uso de muitas reticências.

    Respeito muito a posição de criticos de cinema, mas não há como negar que o retrato de Dona Lindu, a mãe de Lula, é
    muito forte.

    A imagem de Lula menino, adolescente, brasileiro sofredor (como nós), é comovente, sem dúvida.

    Independentemente da comoção, o respeito do mundo pelo Brasil hoje nos leva a acreditar na fala daquele nordestino, que quando nada tinha acreditava no futuro deste País.

    Lula, queiram ou não, o homem que mudou a face deste pAÍS.

  2. Sou cinéfilo por natureza, adoro a sétima arte, que para mim é a primeira, contudo, me atrevo a fazer um pequeno comentário sobre o filme “Lula, o filho do Brasil” Assistí como apreciador de cinema e suas características técnicas e ao mesmo tempo observei a condução da biografia… O filme tem uma direção de arte impecável, uma bela fotografia e um elenco precioso (Glória Pires despeja talento na composição de D. Lindú). Do ponto de vista biográfico ou da narrativa histórica, ele peca. Nós que temos mais de 40 anos anos percebemos perfeitamente toda a movimentação clandestina para sobreviver na ditadura militar, entedemos as organização e suas interferências na politica da época, contudo os mais jovens vão morrer sem saber de nada se for esparar do filma os fatos cronológicos que fizaram o sindicalista chegar ao poder… Entendo que o filme quer mostrar apenas a saga do retirante, mas, se tratando de lider mundial, era preciso que os fatos que o tornaram esse lider fosse pelo menos subliminarmente colocados. Falo em nome de varias gerações que não tiveram a oportunidade nem tão pouco o “prazer” de viver a aventura dos anos 70 e sua repressão.
    Fica aqui meu registro e minha observação quanto à obra…

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