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Daniel Thame | www.danielthame.blogspot.com

Algumas mães, de tão devotadas, costumam dar a vida pelos filhos.

O instinto maternal se manifesta de forma tão intensa que eles não hesitam em submeter-se ao sacrifício para preservar aqueles a quem, numa das mais sublimes manifestações da natureza, deram a vida.

Mães, invariavelmente, sonham que seus filhos e filhas se tornarão homens e mulheres respeitáveis e levarão uma vida digna.

Mães, se pudessem, teriam seus filhos e filhas junto delas, como se fossem eternamente crianças necessitando de afeto e proteção, como se o ciclo da vida ficasse paralisado, quando na verdade segue seu curso natural.

É de se imaginar, portanto, a dor de uma mãe quando um filho se desvia do caminho que ela idealizou.

Mais do que isso, quando o filho se transforma em ameaça.

Foi isso que o aconteceu num episódio ocorrido em Itabuna, exemplar pela desagregação que a droga, especialmente o crack, vem provocando como fator de desestrutura familiar.

Primeiro, a mãe percebeu que o filho, até então um dedicado estudante de uma das mais rigorosas escolas públicas de Itabuna, estava mudando de comportamento.

O menino carinhoso se tornara ausente e até agressivo com ela.

Abandonou a escola e passou a andar naquilo que mães zelosas costumam definir vagamente como “más companhias”.

Não demorou muito para ela descobrir que o filho, de 17 anos, estava viciado em crack e, pior, acumulando dívidas com traficantes, que têm o hábito nada ortodoxo de quitar esse tipo de débito com a execução do devedor. Por “execução”, entenda-se assassinato.

A mãe fez um imenso sacrifício e pagou um débito de R$ 800,00 que o filho tinha com o tráfico, mas novas dívidas foram contraídas.

Quando os apelos para que largasse o vício se tornaram inúteis, a mãe, num gesto de desespero, avisou que iria procurar a polícia.

“Se você fizer isso, eu te dou um tiro na cara”, foi a resposta do filho.

O rapaz não estava blefando.

Ao encontrar um revólver no quarto do filho, ela constatou que ele havia subido mais um perigoso degrau na escala natural do vício: ele provavelmente estava cometendo assaltos para conseguir dinheiro ou qualquer objeto (relógios, celulares, tênis, etc.) para trocar pelas pedras de crack.

Deve ter percebido também que a expressão “eu te dou um tiro na cara” não era apenas um desabafo de quem já perdeu qualquer respeito pele mãe.

Era uma ameaça real.

Tão real que, ao dar pela falta do revólver, que a mãe havia escondido, o rapaz passou a quebrar objetos da casa e a agredi-la fisicamente.

Solução: a mãe chamou a polícia e entregou o próprio filho. Como é menor e não pode ficar preso, ela pediu que ele seja internado num centro de reabilitação, instituição de efeito duvidoso, mas que se apresenta como única alternativa.

“É melhor ver meu filho preso do que ver ele morto”, desabafou a mãe, incapaz de admitir (de novo pelo instinto maternal) de que nessa história havia grandes chances de que poderia morrer pelas mãos do filho a quem deu a vida.

Essa história da vida real, que se repete à exaustão, só terá fim quando as autoridades (in)competentes e a sociedade (des)organizada se derem conta de que o crack é um caso de calamidade pública.

Uma imensa, ameaçadora, e devastadora calamidade.

Daniel Thame é jornalista, blogueiro e autor de “Vassoura”, que será lançado em breve.

2 respostas

  1. Causa-me verdadeiro enfado ver a forma como se discutem a questão das drogas. Quando não são alvoroços morais, são as mais estapafúrdias soluções de quem acredita que a repressão funciona.

    Pra combater os malefícios da droga só conheço um caminho:a liberação, junto com a educação. Os moralistas ingênuos ficam arrepiados quando se fala em liberar o uso das drogas. Como se o alcool, por exemplo, não fôsse droga, e não estivesse ao alcance de qualquer adolescente.

    Os tolos desinformados costumam dizer que a maconha é a porta de entrada pra drogas mais pesadas. Mentira. É o alcool. Esta é a droga mais perigosa. Afasta o ego e faz com que o usuário perca a noção de perigo.

    O alcool, (é bom dizer que eu uso) é a droga que mais causa desavenças, desagregações familiares, acidentes de trânsitos etc.

    Então por quê não liberar outras drogas e lançar campanhas educativas, como tem sido feito com o cigarro, por exemplo? Isso tiraria o poder do traficante e daria controle ao Estado.

    Tem muita gente lucrando com a venda das drogas, não? Inclusive quem deveria, por lei, combater seu uso.

    A repressão falhou, tá provado que não funciona.

  2. Devido à complexidade do assunto, concordo com o comentário do leitor Ricardo, mas devo acrescentar que de fato, a legalização (até porque já não mais é possível enxergar outras alternativas) dos entorpecentes mencionados, com ênfase no pior de todos eles, o infernal “crack”, enfraqueceria os traficantes (“mantenedores” de todas as violências)e seus “sérvios” (entendamos como sérvios, aqueles que os apóiam e integram essa trágica “atividade comercial”, sejam usuários, advogados e omissos cidadãos), contudo, é prudente também entender a urgente e relevante necessidade da adoção de intervenções por parte das organizações sociais, seja através de políticas públicas ou resgates educacionais, mas intervenções reais, que saiam dos papéis e dos discursos. Através de análises informais dos índices estatísticos, percebo a crescente incidência dos jovens nesse “mundo” fatal q cerca o uso das drogas. Mas, se os gerenciadores públicos de fato reprimissem o uso e o tráfico de entorpecentes, enxergaríamos mais traficantes e usuários fora do convívio social. Lamentavelmente, “as lacunas” processuais (prefiro me referir desta forma) permitem liberdade fácil aos processados e vida fácil aos envolvidos. A matéria de Daniel Thame é real, pude observar a situação, já que trabalhar numa delegacia me permite contatos com vítimas e infratores, ainda que exerçamos funções em outras áreas. Mas devo complementar o comentário, lamentando que mais imundo e inaceitável que constatar o caótico que envolve esta “modalidade” de crime, é concluir que nosso legislativo não cresce para “dar conta” do estado hediondo que nosso Estado (com todas as ênfases para o município Itabuna)encontra-se: perdido!!!

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