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Marival Guedes
Algumas músicas a gente ouve, repete e não consegue entender a letra, por se tratar, muitas vezes, de histórias pessoais. Não dá pra adivinhar. É o caso de “Chão de Giz”, do paraibano Zé Ramalho. Durante anos ouvi, sem saber o que significava:
“Eu desço dessa solidão/Espalho coisas sobre/Um Chão de Giz/Há meros devaneios tolos/A me torturar/Fotografias recortadas/ Em jornais de folhas/Amiúde! Eu vou te jogar/Num pano de guardar confetes”.
Tive acesso à “tradução” lendo uma entrevista do autor na, lamentavelmente, extinta revista “Bundas”. Zé Ramalho revela que o giz foi pra disfarçar . Na verdade, se refere à Giza,uma paraibana rica,socialite e casada, com quem teve um caso aos 18 anos, quando também já era casado. Ele pegou uma fotografia dela publicada num jornal, recortou e pregou na parede. “A descrição que aparece em Chão de Giz é dos livros que eu estava lendo, das pessoas que me rodeavam , do psicodelismo daquele período”, explica.
Aproveitando o embalo, os entrevistadores perguntam sobre “Garoto de Aluguel:
“ Baby!/Dê-me seu dinheiro/Que eu quero viver/Dê-me seu relógio/Que eu quero saber/Quanto tempo falta/Para lhe esquecer/Quanto vale um homem/Para amar você…”
Esta é mais clara, próxima da realidade. Ele recorda que quando chegou ao Rio com outros artistas nordestinos, eram várias as dificuldades. Dormiam em casas de amigos, sofás de teatros e bancos das praças. Conheceram algumas meninas na porta do teatro e tornaram-se amigos.
Elas curtiam o amor- livre,o flower power e sabiam da situação do grupo. Então, iam ao motel e quando saíam diziam pra eles: “toma aí este troco pra passar o dia, pegar um PF…”
O cantor justifica que não ficava jogando anzol no Alaska – galeria frequequentada por garotos de programa. Era uma coisa amigável e espontânea. “Isso inspirou a música porque eu via por um lado mais radical,tentava me colocar na situação de uma pessoa que vivia disso,passei a prestar atenção a isso”.
De Zé Ramalho a Fernando Pessoa- O jornalista Ricardo Ribeiro,integrante deste blog, lembra da frase de um general romano: “navegar é preciso,viver não é preciso”, utilizada pelo poeta português em “Navegar é Preciso” e por Caetano Veloso em “ Os Argonautas”. Na primeira citação, preciso se refere à necessidade. Na segunda, nos remete à inexatidão, imprecisão, às surpresas que a vida nos traz.
Pra terminar, cito Álibi (Djavan), outra música que até hoje não compreendo, principalmente estes versos: “Quando se tem o álibi/De ter nascido ávido/E convivido inválido/Mesmo sem ter havido”.
Pra eu não ficar esperando por uma entrevista do autor, alguém que comprerendeu, por favor, mande-me a “tradução”.
Marival Guedes é jornalista e escreve no Pimenta às sextas-feiras.

10 respostas

  1. Amigo Marival,
    (posso me ousar a utilizar-me dessa qualificação ?)
    Também eu me percebo , às vezes, meio perdida nas intenções de poetas da MPB.O hermetismo me perturba!
    Procuro enfocar a ambiência e comprender a época em que foram escritas…dá certo… (às vezes…)
    Outras vezes busco “vestir a camisa” do dito cujo enfocado (tipo Garoto de Aluguel)…também chego lá.
    Mas…ÁLIBI, até hoje permanece no escuro!!!Minha filha garante que tem sentido! Nem lupa, nem dicionário, nem vida vivida me deram chance de resultado.
    Daí que, se você tiver boas notícias, por favor, estou esperando resposta.(vamoscirandar.wordpress.com)
    Um abraço,agradecida, Dinah

  2. Caro amigo, tem muito verso q não tem siginificado, certa feita estava eu com Chico, e perguntei sobre a musica João e Maria “o meu cavalo só falava ingles” ele disse par mim entre um copo de vodca e outros, q isto não tinha nenhum siginificado mais profundo, ele so colocou para completar a metrica do poema. Abraços

  3. Ainda sobre a primeira citaçao de “navegar é preciso”, apreendo tambem que o termo de refere ao preciosismo que a navegaçao(sentido literal)requer.A açao de navegar é fundamentada em instrumentos(leme, bússola etc)que necessitam de uma certa logica para serem executados.Penso que o autor se referiu a isso.Abraços!

  4. Concordo com o Jorge. Muitas vezes a letra não quer dizer nada mesmo, apenas soa bem e/ou se encaixa perfeitamente na melodia da música. Mas, por vezes, essa busca produz umas letras bem esquisitas. E o Djavam é Top de Linha nesse quesito. Como em “um lobo correndo em círculo prá alimentar a matilha”. E quando o alagoado se junta com um certo Carlito Marrom é de fundir a cabeça de qualquer um: “e esse ão de são hei de tocar naquela canção”. A isso dão o nome de musicalidade.

  5. Vou contribuir com outra do Zé: Vida de Gado.
    Ninguém tem dúvidas de que a letra faz uma dura crítica à ditadura, mas, qual o siginificado dessas estrofes:
    “A arca de Noé, o dirigível
    Não voam, nem se pode flutuar,
    Não voam nem se pode flutuar,
    Não voam nem se pode flutuar.”
    Mataram?
    Não?
    Então vamos lá! Dentre as três Forças Militares, quem mandava na ditadura? De onde saíam e eram “indicados os presidentes da República?
    Quem disse do Exército Brasileiro, acertou!
    Logo, a Arca de Noé era a Marinha, que não mandava. Nas palavras do Zé Ramalho, “não flutuava”.
    E o “dirigível”? Claro, era a Força Aérea, que também não mandava nada. Nas palavras do Zé, “não voava”.
    Por falar nisso, amanhã estarei no show do Zé Ramalho da Paraíba. Era assim que o chamávamos no Rio nos tempos de Avohai, Vila do Sossego e outras pérolas do talentoso compositor.

  6. Quanto ao Djavan, no melhor de sua carreira, estava quase sempre “viajando”. Tanto que caiu na real e parou de “viajar” pra não morrer numa “rebordosa”.
    Em suas “viagens”, como ele próprio confidenciou, encontrava inspiração para compor.
    No caso de Álibi não tem muito mistério. A letra fala do amor. Em especial um amor cuja chama começa a se apagar. O amor paixão! Que aos poucos, vai se transformando em ressentimentos, quando é preciso ser forte pra não se ferrar. Não sentir-se “inválido” por não ser correspondido.
    Ter o “álibi” pode figuradamente significar “ter a vantagem” ou “a sorte”… de ter nascido “ávido”. Ávido, esperto, tenaz… Que consegue superar os revezes.
    “Convivido inválido” é a condição e sentimento de um desejo não concretizado. A invalidez nesse caso é o fundo do poço, a fossa…
    “Mesmo sem ter havido / Havia mais que um desejo”.
    Ainda que o “desejo” não tenha se concretizado… o sonho se perdeu… não houve a realização plena da felicidade, havia um sentimento que era muito maior do que esse mesmo “desejo”. Havia algo mais, além e acima daquela paixão não correspondida ou decepcionante.
    “Havia mais que um desejo”. No instante do baque houve a compreensão da necessidade de superar. “Levanta, sacode a poeira, da a volta por cima”.
    Acho que é isso.

  7. Aahhhh!!!
    Agora sim! Gracias, Souza Neto!
    É assim:
    “Ficou difícil…
    E eu me sinto um imbecil
    repetindo, repetindo, repetindo
    como num disco riscado
    o velho texto batido
    dos amantes mal amados
    dos amores mal vividos
    e o terror de ser deixado,
    cutucando, relembrando, reabrindo
    a mesma velha ferida…
    Que é pra não ter recaída
    que não me deixo esquecer…
    (Coisas do ofício…)
    (Não vale a pena- Garfunkel-(Mª Rita)
    Vê-se em Djavan um velho texto com roupagem nova…Ótimo!

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