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Em 2007, quando o governo do prefeito Valderico Reis em Ilhéus se afundava em uma sucessão de escândalos, os principais personagens daquela história política macabra se transportaram, em forma de verdadeiros mondrongos, para os palcos e ruas de Ilhéus. Surgia Teodorico Majestade, o prefeito da fictícia Ilha Bela, e todo o seu “staff” de malandros.
Criação de Romualdo Lisboa, encenada pelo Teatro Popular de Ilhéus, Teodorico é um tapa na cara da classe política, a vingança do povo ou a “desconstrução do marketing”, como diz o autor. A peça, indicada para dois prêmios Braskem, foi encenada no Rio de Janeiro e participou recentemente da 6ª Mostra Latino Americana de Teatro, em São Paulo. Sucesso de público e crítica, teve casa cheia todos os dias numa temporada de dois meses na capital paulista.
Sai o prefeito, entra o vice. Agora é a vez do Inspetor-Geral, que estreou em São Paulo e ainda terá uma temporada de dois meses por lá, antes de chegar a Ilhéus. Com sua linguagem universal, o Teatro Popular conquista outros palcos.
Leia abaixo os principais trechos do bate-papo do PIMENTA com o criador de Teodorico e do Inspetor :
PIMENTA – Como vocês chegaram à Mostra Latino-Americana?
Romualdo Lisboa – É a Cooperativa Paulista de Teatro que faz um levantamento das produções, sai para ver coisas. No nosso caso, eles sabiam que a gente já tinha feito temporada no Rio, Salvador e havíamos sido indicados para dois prêmios Braskem, o que despertou o interesse. O curioso é que durante a mostra, a crítica para a maioria dos espetáculos não foi boa. Eles contratam críticos de todos os países que participam e cada espetáculo é avaliado por dois deles. No começo, as análises estavam muito ruins, o que deixou os organizadores preocupados.
PIMENTA – Até Teodorico entrar em cena…
RL – Aconteceu que alguns espetáculos, antes do fim da semana, começaram a ganhar uma crítica bacana. Os da Colômbia e da Argentina, por exemplo, ajudaram a melhorar a crítica. O nosso espetáculo estava programado para o final e a opinião dos críticos foi muito boa. O resultado foi que Teodorico acabou fazendo a primeira temporada longa naquele teatro do Sesi e iniciou um projeto de vincular mais a comunidade da zona leste de São Paulo àquele espaço cultural.
PIMENTA – Eles já conheciam a experiência do Teatro Popular em Ilhéus?
RL – Eles conhecem a nossa identidade aqui na região, sabem como nós tornamos a Casa dos Artistas mais próxima da comunidade, como a gente vai para os bairros, os distritos. Essa política do grupo lhes interessou para aquele espaço. Estrategicamente foi bacana, porque a gente lotou sempre. Os ingressos eram reservados para três, quatro semanas. Estreamos no dia 13 de maio e ficamos até 2 de julho, realizando nesse período 32 apresentações.
 

Tinha gente que chegava e dizia: ‘vocês estão falando de Campinas? Porque tá acontecendo isso lá em Campinas’.

 
PIMENTA – Isso significa que o público paulista entendeu perfeitamente a mensagem de Teodorico
RL – Isso foi muito legal. Tinha gente que chegava e dizia: “vocês estão falando de Campinas? Porque tá acontecendo isso lá em Campinas”. Ou seja, a história não é só de Ilhéus, ela é universal.
PIMENTA – Vocês tinham ideia da dimensão que a peça tomaria quando começaram a encená-la na rua e até em frente à Prefeitura de Ilhéus (no período de crise política que levou à cassação do então prefeito Valderico Reis)?
RL – Não tínhamos a menor ideia. Teodorico eu escrevi com raiva e aquilo me deixou muito mal no começo. Houve uma cobrança das pessoas, que chegavam ali da janela (da Casa dos Artistas) e gritavam : “e aí, vocês não vão fazer nada não, é?”. Eram professores, gente da imprensa, que estavam indignados com aquela sequência de escândalos.
PIMENTA – Você conseguiu transformar essa raiva em um negócio engraçado.
RL – É, à medida que ia escrevendo, eu perdi a raiva e o negócio começou a ficar tão engraçado que a gente decidiu fazer uma pesquisa sobre literatura de cordel. O texto de Teodorico foi todo escrito em cordel, em sextilhas. Foi muito divertido. Em vez da gente fazer uma coisa com raiva, agredindo de maneira panfletária, a gente fez uma brincadeira.
PIMENTA – Que é muito mais eficaz…
RL – Com certeza, o humor é muito mais poderoso. O então prefeito de Ilhéus me encontrou algumas vezes e virou a cara, gritou, me xingou, e eu me divertia demais com aquilo. Havia uma evento grande, nós íamos mesmo sem sermos convidados. Os personagens estavam lá na porta, tocando, cantando, e de repente o prefeito chegava e via, e se via, era um inferno. Chegou num nível de estresse dele com isso que o então presidente da Fundação Cultural, Arléo Barbosa, negou uma pauta pra gente no Teatro Municipal. Ele dizia que até liberava a pauta, desde que a gente não encenasse Teodorico. Dizia assim: “ah, vocês têm tantos espetáculos legais, façam os outros, esse não”. Arléo Barbosa é uma pessoa super gente fina, mas estava numa situação em que não tinha autonomia. Como a gente não aceitava deixar de encenar a peça, ele aconselhava: “então fale com o prefeito”. Eu fui falar e o prefeito me enxotou de lá. O segurança dele é que interveio para que ele não me batesse. No dia seguinte, a gente colocou em todos os jornais que o prefeito havia censurado Teodorico Majestade no teatro.
 

Um começa a entregar o outro, até que o prefeito toma uma decisão. Eu não sei se na vida real isso é possível, mas na nossa história acontece.
 

PIMENTA – Quanto tempo durou a censura?
RL – A notícia saiu no sábado e a CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas de Ilhéus) nos convidou para participar no mesmo dia de um almoço oferecido à imprensa. Eles pediram que levássemos algum espetáculo nosso e é claro que a gente levou Teodorico (risos). O prefeito estava lá e a gente encenou a peça diante dele. Naquele momento, meio na pressão, ele anunciou que o espetáculo poderia ser apresentado no teatro. Isso foi menos de 24 horas depois dele ter me enxotado da Prefeitura.
PIMENTA – E O Inspetor…?
RL – O Inspetor é a segunda parte de Teodorico. Sai o prefeito, entra o vice Gilton Munheca. Ele e a família estão numa situação muito bacana, vivendo dias muito felizes. A mulher vive na capital, só anda no luxo. Ele distribuindo uísque, fazendo festas. O irmão dele, Zé de Minga, é o responsável pelas festas. É uma orgia o tempo inteiro.
PIMENTA – Até que…
RL – Aí surge uma carta, avisando da chegada de um Inspetor-Geral, que viria em missão secreta para apurar todos os malfeitos. Então eles ficam alucinados: Gilton Munheca, Cacau das Treitas, Pai Didão, Jorge Paraíba e a mulher do prefeito, que na nossa história é a secretária de Educação. E um começa a entregar o outro, até que o prefeito toma uma decisão. Eu não sei se na vida real isso é possível, mas na nossa história acontece (risos). Ele toma a iniciativa de mandar arrumar a casa. Manda colocar funcionários para melhorar a limpeza das ruas, pintar meio-fio, consertar aqui e ali, trocar luz dos postes…
Nesse ínterim, surge a história de que tem uma pessoa estranha na única pensão da cidade. Aí eles entendem que só pode ser o inspetor geral e vão tentar comprar o cara. O prefeito leva o dito inspetor-geral pra casa, cada um leva um dinheirinho e o cara fica cheio de grana. No final das contas ele vai embora noivo da filha do prefeito, já perto do casamento, mas há uma série de outros fatos que complicam toda essa história.
PIMENTA – Na essência, o que tem de diferente nessa história em relação à de Teodorico?
RL – Diferentemente de Teodorico, O Inspetor-Geral… traz uma outra perspectiva desse universo. É quase um processo de expiação. A gente promove uma vingança no Teodorico, a gente se vinga dele e de todos os outros. E no Inspetor-Geral, a gente só constata esse tipo com quem a gente está lidando. Em seu discurso final, o prefeito diz assim: “Somos porcos miseráveis, grandes ratos abomináveis”. Ele e todos os demais acabam se enxergando como um mal para a sociedade.
PIMENTA – E o público acaba os enxergando como de fato são…
RL – A ideia é fazer a identificação dessa espécie de gente. É preciso que o público, quando vir na TV aquele discurso muito bem arrumado, ele enxergue as deformações daquele discurso. A gente faz a desconstrução do marketing, precisa fazer.
PIMENTA – Quando O Inspetor estreia em Ilhéus?
RL – Só depois que a gente encerrar o contrato com o Sesi de São Paulo, que inclui uma próxima temporada em outubro e novembro, no teatro da Vila das Mercês. É possível ainda uma temporada extra, de um mês, que pode ser em dezembro ou janeiro. Isso significa que provavelmente só em fevereiro a gente esteja aqui em Ilhéus com o espetáculo.

0 resposta

  1. Em 2008 tive a feliz oportunidade de ver várias veses ver as peças da Casa dos Artistas,Pois o meu trabalho permtia e sempre elogiava aquele trabalho minuncioso desses atores principalmente Romualdo, sinto saudades daquele tempo, dava muiutas risadas com eles.
    Quero muito ver esse espetáculo, pois sou fã de História, e principalmente quando é retradada de forma espontânea e homorística. Boa sorte a todos eles!!

  2. Romualdo Lisboa é um pequeno mago das artes e uma figura humana admirável. Escreve e dirige suas peças, o que somente é possível quando se possui grande conhecimento formal e estético sobre essas linguagens tão difíceis: literatura e dramaturgia.
    Além disso é liderança nata e consegue que seus pares e amigos se envolvam até a alma em suas propostas e com suas críticas que, afinal, é compartilhada. Mas além disso Romualdo não tem receio de dar a cara ao tapa ou de retaliações, o que é muito saudável quando tudo isso que disse anteriormente se encontra condensado em um ser que possui algo a dizer sem ser panfletário.

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