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KIND OF BLUE ATRAVESSOU MEIO SÉCULO

1Kind of blueOusarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Estilo, lenda, escola, inovação, marcante, clássico, definidor de um gênero, divisor de águas – são expressões que o mundo do jazz tem repetido a propósito do disco Kind of blue, de Miles Davis, gravado em 1959.  Ruy Castro (Tempestade de ritmos) prefere o adjetivo “insuperável”. Passando ao largo dos especialistas, que não é minha praia (sou apenas alguém que “gosta” de jazz), resta a fria verdade: a gravação já atravessou meio século, vendeu mais de 3 milhões de cópias (só eu comprei umas seis!), sendo um dos três discos mais vendidos dentre os que foram gravados nos anos cinquenta, em qualquer gênero. Demais, para um disco de jazz instrumental.

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Mil dólares e cinco pontos na cabeça

À gravação de Kind of blue seguiram-se alguns problemas com Miles Davis. Este, por exemplo: no intervalo de um show no Birdland (famoso clube de jazz em Nova Iorque) ele acompanhou uma garota branca até um táxi e ficou tomando ar na calçada, quando foi abordado por um policial. Este perguntou o que ele fazia ali e o mandou embora. O trompetista explicou que estava trabalhando na casa de shows, mas o policial, rispidamente, disse-lhe que iria prendê-lo, se não saísse logo do local. Enquanto o músico argumentava, foi atacado por outro policial, por trás, tendo a cabeça acertada com um cassetete. Miles passou a noite na cadeia, perdeu o show, gastou mil dólares de fiança e recebeu cinco pontos na cabeça.

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3Mil e um discosUm presente para quem gosta do Pimenta

Kind of blue (registrado no livro 1.001 discos para ouvir antes de morrer) consumiu nove horas de gravação, muito pouco tempo, considerando-se que os liderados de Davis não conheciam as partituras. Reza a lenda que o Divino usava esse truque para manter seus músicos “acesos”, absolutamente concentrados. Este grande momento do jazz está à disposição dos leitores. Os três primeiros que enviarem ao nosso e-mail (acima, à direita) um comentário qualquer que contenha a expressão “eu gosto do Pimenta” receberão um Kind of blue novinho em folha, não pirata. É indispensável oferecer um nome (mesmo fictício) e endereço completo (no Brasil!) para o envio. A divulgação dos sorteados não será feita sem autorização.

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1964, O ANO QUE SÓ TERMINARIA EM 1985

4O coronel e o lobisomemAprendi com Telmo Padilha que um mau livro é aquele do qual saímos, ao final da leitura, sem sofrer nenhum impacto. O bom livro, logicamente, é o que tem efeito contrário. Se tivesse que escolher um só livro de ficção que me marcou muito seria O coronel e o lobisomem – que li em 1964 (o ano que só terminaria em 1985). Em meio a Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Jorge Amado e semelhantes, José Cândido de Carvalho foi uma descoberta: a linguagem renovada, as invenções, o humor, o misticismo brasileiro, aquele jeito de Barão de Münchausen que tem o coronel Ponciano de Azeredo Furtado. Mais tarde eu conheceria a teoria da lanterna de Diógenes, coisa do crítico Hélio Pólvora.

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Deliciosa síndrome de tocha olímpica

É mais ou menos assim: a literatura, feito tocha olímpica, passa de mão em mão, levada por pessoas diversas. Assim, ela se movimenta, visita autores com variados padrões estéticos, sofre influências desses indivíduos. Por trás de todo grande escritor identificam-se (desde que haja arte e engenho bastantes para isso) presenças marcantes. Um gera o outro, que gera o outro, que gera o outro, nessa deliciosa síndrome de tocha olímpica. Assim, raramente se encontra um “inventor” em literatura, mas um continuador, renovador, transformador, adaptador. De Guimarães Rosa veio José Cândido de Carvalho, que gerou Dias Gomes e O bem-amado (uma caricatura que funcionou bem na tevê).

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6Francisco DantasA lanterna com o azeite renovado

Lembro dessas coisas (já ditas aqui), a propósito de Os desvalidos (Francisco J. C. Dantas), cuja leitura apressei, por sugestão do leitor Ricardo Seixas. Abre parênteses: se escrever é sugestionar pessoas, e eu me deixo levar pelos leitores, parece que algo está fora dos eixos – mas quem estaria interessado em eixos? – fecha parênteses. O escritor sergipano é soberbo. Sua linguagem é revolucionária, nos reportando a Guimarães Rosa, Rachel de Queirós, Graciliano e, sobretudo, José Cândido de Carvalho (nunca Dias Gomes!). Não lembro de nenhum autor brasileiro, depois de JCC, que me tenha causado tão positiva impressão. A lanterna de Diógenes está acesa e de azeite renovado.

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O QUASE IMPOSSÍVEL DIÁLOGO DE 40 ANOS

Blue Christmas é uma canção bobinha que fala da solidão no Natal, um tema country (a música “sertaneja” deles) do fim dos anos quarenta. Foi regravado por Elvis Presley em 1957 (e, num repeteco, em 1968), obtendo inesperado sucesso em 2008, quando foi uma das músicas mais tocadas nos EUA: só que numa montagem de computador, em que o Rei do Rock está em dueto com Martina McBride, estrela do gênero “caipira”. Para quem é vidrado em tecnologia digital, um prato cheio: os dois artistas cantando “juntos”, embora 40 anos os separem: Elvis canta em 1968; Martina, em 2008.

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É Natal, e os flocos de neves vão cair

Essa “mistura” de cantores e épocas não é nova (Nat King Cole já cantou Unforgettable com a filha, Natalie), Celine Dion com Elvis, e por aí vai – mesmo assim, juntar Elvis Presley e Martina McBride despertou a curiosidade do pessoal que gosta de mexer com as máquinas modernas, além de causar certo frisson no mercado discográfico. Vamos à canção, mesmo que a letra nos soe estranha, com coisas do tipo “lembranças tristes começarem a clamar” (blue memories start calling). Estamos no Nordeste, mas o tempo é de Natal, e a imaginação sem rédeas admite coisas do tipo “e quando aqueles melancólicos flocos de neve começarem a cair” (and when those blue snowflakes start falling).

 (O.C.)

9 respostas

  1. É isso aí, meu caro O.C.. Que nos interessam os eixos? eu, por mim, prefiro ser seixo rolado que não cria limo.

    Vou correndo procurar ler “O Coronel e o Lobisomem”. Depois dessa sua dica percebo que o desconhecimento da obra é uma lacuna que devo considerar.

    Já estive várias vezes com esse livro nas mãos e, perdoe-me, olhei-o com uma ignorância censurável, preferindo ler obras que, ao considerar seu entusiasmo pelo livro citado,são certamente inferiores. Valeu a dica. Abraços

  2. “…não sou muito chegado a confraternizações de Natal…” ou “…uma canção bobinha que fala da solidão no Natal…” Parece~me que a balança do Natal, com suas posições extremistas, ainda não encontrou o ponto de equilíbrio que satisfaça.Claro que aqui retiro a dimensão religiosa…Não quero desafiar os leitores místicos, próximos da devoção exacerbada!…
    De qualquer forma, em algum momento, nesta época festiva, nos sentimos chegados a dedicar uma palavra de carinho àqueles que nos provocam sentimentos de afeição e ternura…E “eu gosto do Pimenta” pois o Citoaian me é muito caro.Acho até que já o fiz pagar um mico obrigando-o a participar de uma gigantesca festa familiar de Natal…Não imaginava sua aversão a tais eventos…Desculpas “ligeiramente” atrasadas.Mas isto é passado e o tempo já apagou.No presente gostaria de diminuir meu desconhecimento quanto ao Jazz.Contudo, até hoje só consegui “receber”, por concurso, uma MÁQUINA DE CALCULAR, coisa que definitivamente não faz parte dos meus interesses , nem próximos, nem distantes.Devolvi imediatamente, para novo sorteio!Coisas da vida.
    Para todos que neste porto encontram ensinos, diversão, confraternização, o meu desejo de Boas Festas(ops!) e um ano Novo bem NOVO , cheio de realizações!

  3. Você citou Miles Davis e Elvis Presley… vou pegar esse gancho.
    A intolerância com o Miles não deve ser considerada um espanto. Especialmente, naqueles tempos. Em local onde negros não eram normalmente vistos, muito menos acompanhados de uma branca.
    Lá, pelos mesmos idos ou um pouco depois, veio a patética coroação de Elvis como o rei do Rock and Roll, pela indústria fonográfica norte-americana. Digo patética porque o verdadeiro criador do Rock foi o negro Chuck Barry. O ritmo era bom, como se comprovou ao longo do tempo espalhando-se pelo mundo,mas os grandes empresários da música precisavam de um ícone para torná-lo vendável e colocá-lo nos “hits parade”. Esse ícone, por razões raciais, não poderia ser o negro Chuck Barry, o seu criador. Elvis foi o escolhido.

    Souza Neto

  4. É impossível não falar do poder impactante de um grande livro.

    É como se penetrássemos nos portais do inferno, descritos por Dante, marcados por um aviso que conclama aos visitantes a abandonarem toda e qualquer forma de esperança. Ninguém sai impune da leitura de um grande livro, repito.

    Me lembro de certa noite de inverno, em que eu lendo Nietzsche, como o coração aos pulos, senti faltar-me terra sob os pés.

    Naquela noite “O Corvo” de Edgar Allan Poe pousou na minha janela e disse: “Never more”, e nunca mais eu fui o mesmo. E aí, então, eu descobri o poder embriagador e transformador da leitura.

    E nunca mais eu deixei de ouvir o corvo e penetrar nas delícias do inferno que queima qualquer tola certeza que tenta obscurecer meu pensamento. Abraços.

  5. O Coronel e o lobisomem teve críticas altamente favoráveis e grande aceitação de público – assunto que abordaremos aqui proximamente. Percebe-se, à primeira leitura, dois traços que identificam José Cândido de Carvalho: o humor e a linguagem, esta a construtora do personagem, o coronel do título. O tipo é chegado “num recurvado de moça bonita”, além de valentão, cheio de competência para “ministrar justiça nos pastos” e, se houver necessidade, enfrentar onça pintada e assombrações. Lobisomem, sua especialidade, ele descreve como “encantação de grande jurisprudência” e “raça de muito recurso de ideia e maldade na cabeça”. Gabola, fala assim dele mesmo:
    “Digo, modéstia de lado, que já discuti e joguei no assoalho do Foro mais de um doutor formado. Mas disso não faço glória, pois sou sujeito lavado de vaidade, mimoso no trato, de palavra educada”. E esclarece que nunca abre mão de dizer o que pensa, “sem freio nos dentes, sem medir consideração, seja em compartimento do governo, seja em sala de desembargador”.

    Ai, por quem me tomam? Participar de uma “gigantesca festa familiar” foi honroso para mim. Ariston Cardoso, ex-prefeito de Ilhéus, ao me perceber arredio a seus convites, me deu lição importante, olho no olho: “Eu só convido para minha casa as pessoas de quem eu gosto de verdade”. Foi a conta. É assim que as coisas funcionam: mesmo “não sendo muito chegado” a esses encontros (para o bem ou para o mal tenho um forte viés misantropo), não sou nenhum arroz de festa, graças ao bom Deus, mas também não costumo ser grosseiro. E não aceitar certos convites (como aquele da “gigantesca festa familiar”) seria assinar um atestado de grossura incurável. Não houve grandeza de minha parte, mas de quem me convidou para o seio da família.
    Negritude, drogas, discriminação e violência policial são comuns no mundo do jazz. A história da perseguição aos negros americanos é pungente, indigna de uma nação que se pretende civilizada. A lembrança de Chuck Berry é muito oportuna, bem como a referência de como o rock lhe fugiu das mãos e foi parar no colo de Elvis Presley, feito Rei do Rock. Mas o pioneiro CB (nascido em 1926) não é pouca coisa: a respeitável revista Rolling Stone o elegeu como o 5º maior músico de todos os tempos. E neste assunto é bom lembrar que o Brasil esteve bem à frente dos EUA: elegeu um Rei do Baião, negro (ou pardo) e nordestino chamado Luiz Gonzaga.
    Obrigado a todos pela participação.

  6. Os três CDs da promoção já foram encaminhados aos vencedores
    do “concurso”: dois leitores de Itabuna (um morador da Quintino Bocaiuva, outro do Castália e uma gentil leitora do Jaçanã, que está em Ipiaú (e só receberá seu prêmio em 2013).
    Várias pessoas participaram, mas chegaram depois do prazo ou sem fornecer o endereço completo, conforme as regras estabelecidas.
    Obrigado a todos.

  7. Bem, mesmo sem muito tempo para comentar (para ler a coluna sempre dou um jeito), e como “eu gosto de pimenta”, de jazz e de Davis (e estou em Itabuna – rua Nações Unidas, 452, Centro), aguardo, se entre os 3 ponteiros estiver.

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