O MAR BRAVIO É O MEU RIO MULTIPLICADO
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O sono perdido entre o mar e a vizinha
Orlandino dissera que o mar era salgado, mas isso era mentira: pelos meus cálculos, todo o sal das vendas de Gringo e Zé Bazuza não daria para salgar o Poço da Pedra, quanto mais o marzão de Ilhéus. Eu andava com insônia (não só por culpa do mar, mas também de uma vizinha – e o nome dela eu não digo nem sob tortura). Da existência e tamanho desmesurado do mar eu já sabia, pois o vira, meio encoberto e misterioso, lá do alto da Serra do Jequitibá. Foi onde nasceu a árvore símbolo de minha terra, que lhe dá poesia e proteção (o jequitibá primeiro morreu de velho, mas há um filho que lhe herdou a responsabilidade de guardião de Buerarema.
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Quis ser um pássaro e voar até o oceano
Fizemos muito piquenique (o pastor Freitas preferia “convescote”) ao pé da árvore generosa, depois de caminhar da cidade à serra. De lá tínhamos uma mal definida vista de Ilhéus, com as águas de tanta insônia. Minha intenção nunca confessada era ser um pássaro, bater as asas na Serra do Jequitibá e voar, voar, voar toda a distância entre a serra e o oceano – Marcelo Ganem, menestrel da minha terra, disse isto em verso e música. Cheguei, em sonho desvairado, a pensar que, por magia só cabível em mente infantil, tal poderia acontecer. Mas não precisou. Certo dia, não sei a troco de quê (talvez devido à boa sorte, que sempre me segue)…
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Tonto de emoção, provei o mar salgado
… Fui dar com os costados em Ilhéus, fiquei frente a frente com o mar imenso, tendo, afinal, aquele despropósito de água ao alcance dos dedos. Lembro-me agora daquele menino Diego (de Eduardo Galeano, em O Livros dos abraços) que, trêmulo de emoção frente à grandeza do oceano, pediu ao pai: “Me ajuda a olhar”. Não digo que fiz o mesmo, porque sou um triste menino de verdade, não um inteligente ser de ficção. Apenas, emocionado, levei à boca um pouco daquela grandeza. Provei-o. Era salgado o mar, e muito. O gosto era minha única interrogação, pois o existir a Serra do Jequitibá já me confirmara. Foi bom saber que meu amigo Orlandino não mentia nem puxava. Quer dizer: só um pouquinho de cada coisa.
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SEM RIO OU SÃO PAULO, SÓ RESTA O NADA
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Na Bahia, os caminhos são obstruídos
Afora minha humilde opinião de que ivetinhas, harmonias, claudinhas, chicletes e danielas ficariam melhor no anonimato, a exceção confirma a regra: Caymmi, João Gilberto, Gal, Gil, Nana, Caetano e Bethânia foram vencer no Rio (e João Ubaldo também, se falamos em literatura). A reflexão me vem a propósito de O desterro dos mortos (Via Litterarum), belo livro de Aleilton Fonseca. Contista excepcional, comparável aos grandes do Brasil, ele não ocupa o espaço nacional merecido – e eu atribuo isto ao fato de (nascido em Firmino Alves) morar em Salvador. Mesmo recebendo incentivadoras menções na Europa, notadamente na França, o autor ainda não foi “descoberto” pelo sul maravilha, o que lhe obstrui os caminhos.
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VÍDEO PROVA QUE O IMPOSSÍVEL ACONTECE
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“Pres”, o favorito de Billie Holiday
Ela canta os primeiros versos do tema, para a entrada de Webster e, em seguida, Lester Young. Billie, em close, tem os olhos brilhantes e segue o solo, balançando a cabeça, como em aprovação ao sopro suave de Young, seu saxofonista favorito – foi ela quem o apelidou de “Pres” (President). Após a segunda intervenção de Lady Day, vem o “choro” do trombone de Vic Dickenson e o som particularíssimo de Gerry Mulligan, o único branquelo do grupo. Mais Billie (“O amor vai fazer você beber e jogar” – Love will make you drink and gamble), para o solo do mestre Coleman Hawkins, meu saxofonista preferido, seguido de Roy Eldridge. Sublime.
(O.C.)
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Querido imortal,
Antonio Jr morou por dez anos na Europa, outros tantos em Salvador e já algum tempo reside em Natal. Só para informar que ele tb saiu e foi fazer a vida por aí…
Abraços e parabéns pela coluna!
Belo texto. Parabéns.
Parece que está contando a minha história, pois foi nesse mesmo cenário, Serra do Jequitibá, que vi o mar pela primeira vez. Você ia fazer piquinique, e eu não, morava lá mesmo.
O seu texto fez-me viajar a pelo menos 40 anos, quando aquelas terras pertencia ao meu avó Clemente,ou abreviando Kelé.
Naquele tempo, quem conhecia o mar era considerado “viajado”, só vim a realizar tal façanha com 10 anos de idade, em 1978, só que não foi em Ilhéus, foi em Porto Seguro, terra do descobrimento, claro, cartava da enorme proeza, pois tinha visto índios semi-civilizados, coisa que só tinha nos filmes de Tarzan, e claro assim como no seu texto: a água era realmente salgada.
Quando morava na serra, não era só o mar que eu e meus irmão questionava, também imaginavamos sobre a possibilidade de chegar energia na serra, de chegar estrada até a serra, de chegar telefone até a serra, pensando tolamente que iriamos morar ali por toda vida.Bem a estrada não chegou, mas tem duas torres de internet,uma da qual faço uso agora, que funciona com energia solar, quanto ao telefone, orgulho-me de dizer que o sinal de celular chegou primeiro na serra do que aqui em Buerarema, pois lá 5 anos antes já era possível telefonar co o sinal que vinha de Itabuna, utilizando celular da Professora da UESC, Aline Brito, liguei para meu pai quase não acreditou.
Hoje trabalho com filmagem e continuo vizitando a Serra,incluse já filmei lançamento do seu livro. Tenho um vídeo com João-Calça-Frouxa, que está disponível no You Tube.
No mais um abraço!
Excelente observação, realmente Luiz era genial, pois imortalizava com sua “sanfona” e sua sensibilidade, as jóias escritas por Zé dantas e Humberto Teixeira, não menos genios.
Realmente assusta a total “desinformação” da midia em relação a cultura brasileira, principalmente a nordestina.
Parabens, continuem esclarecendo a população estes “desvios” de quem tem a obrigação e responssbilidade de informar.
…Se você, Cidadão em Armas, e o ex-roqueiro e professor Adylson Machado,comentam,apropiadamente, os 100 de Gonzagão, recebam daqui de Itororó a minha louvação: Gonzagão, você, Adylson, Zé Dantas e Humberto Teixeira.