DE LIVROS, EMPRÉSTIMOS E APROPRIAÇÕES
É curioso o comportamento das pessoas a respeito de livros. Não falo de lê-los, mas de tê-los. Conheço um professor, culto e gentil, íntimo de preciosismos como grego e latim, de quem tomar um livro emprestado torna-se quase uma violência. Apegado à sua biblioteca, em lhe sendo possível negar, não deixa jamais que lhe saia de sob as vistas uma unidade sequer, com receio de que ela não volte mais ao aconchego do lar. A justificá-lo ficam na outra ponta os leitores que não devolvem livros emprestados. Eduardo Anunciação (que Deus o acolha!) era do tipo: livro que a suas mãos chegasse mudava de dono, pois o bom Eduardo sofria de amnésia quanto a este assunto. Mas essa categoria é variada.
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Em nova casa, protegido contra traças
Dois exemplos: jornalista e escritor (dois títulos publicados), Daniel Thame gosta muito de livros, comprados ou não. Mas a quem lhe quiser emprestar algum eu sugiro ser generoso e o fazer com dedicatória, isto é, não emprestar, doar. Tenha a certeza de que o livro que outrora lhe pertenceu será lido e cuidado, mas não retornará, pois é pra frente que se anda. Por fim, o mais, digamos assim, sofisticado desse grupo, o professor de Direito e ex-roqueiro Adylson Machado: não devolve livro e ainda disserta sobre os motivos de não fazê-lo. Dá ao volume lugar de destaque em sua larga estante, espana-o, protege-o contra traças e outros malefícios, e questiona: “O primitivo dono faria tanto?”
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Não faltam bibliotecas, mas leitores
Não tenho ciúmes dos meus livros. Poderia emprestá-los todos, se encontrasse quem os lesse e os devolvesse intactos (para servir a outros leitores). Mas não quero doá-los a bibliotecas que vivem às moscas. O brasileiro acostumou-se a dizer que nos faltam bibliotecas públicas, o que é uma questão de senso comum: aprende-se a repetir isso, sem atentar para o fato constrangedor de que as bibliotecas existentes (poucas, é verdade, muito poucas, se nos comparamos com a mal falada Argentina) são ociosas. Voltando ao tema central, atribui-se a Bernard Shaw (ou seria Oscar Wilde?) esta frase: “Idiota é o homem que empresta um livro; mais idiota é o homem que o devolve”.
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ENTRE PARÊNTESES
O MICROCONTO, DE HEMINGWAY A TREVISAN
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Augusto Monterroso (1921-2003), premiado escritor guatemalteco é autor de um miniconto famoso, com apenas trinta e sete letras e sete palavras (O dinossauro): “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”. Antes dele, o americano Ernest Hemingway (1899-1961) gastou também sete termos, mas apenas vinte e seis caracteres, para fazer sua, digamos, narrativa: “Vende-se: sapatos de bebê, sem uso”. O dinossauro integra antologias em vários países, com muitos estudos de suas faces literária e política; o texto de Hemingway “fala” de uma tragédia familiar, uma criança que não chegou a nascer, ou que logo morreu. O trágico não é explícito, mas sugerido.
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Célio Nunes: drama em poucas palavras
Célio Nunes (1938-2009), contista sergipano de fortes ligações com Itabuna, teve lançado postumamente em 2001 seu livro Microcontos, com 62 narrativas curtas. Experimentado – publicou o primeiro livro em 1963, o último em 2005 – Célio não adentra os caminhos de Hemingway e Monterroso: é econômico em suas histórias, a maioria com menos de 200 palavras, mas a todas dota de princípio, meio e fim – conforme o modelo clássico, com finais, quase sempre, surpreendentes. Os personagens, conforme faz notar o poeta itabunense Plínio de Aguiar, na apresentação, “transitam por histórias marcadas pela dramaticidade da sobrevivência, por histórias que não raro terminam no pênalti da tragédia humana”.
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Respostas de 6
Lindo demais e não sei a quem destacar:Paulinho é muito bem descrito pelo autor e Marisa uma voz belíssima, límpida e clara. O duo foi maravilhoso.
Se um livro não for devolvido é porque ele não foi lido. Ficam adiando a leitura. Quer outro livro emprestado? devolva primeiro o que levou.
Esses nunca mais verão um livro meu. Acho extremamente egoísta uma pessoa tomar um livro de outra e não devolver, privando outros do prazer da leitura. Será que pensam que só eles querem ler?
E eu que gosto de retornar aos livros lidos, especialmente aos clássicos, terei que comprar outro exemplar porque o livro dorme em outra estante.
Prezado Ousarme, no caso de Thame, o simples contato visual com um livro é suficiente para transformar-lhe a fisionomia, a fala. Algo parecido com um lobisomem (personagem de um de seus títulos) ao avistar a lua cheia. É quase impossível não emprestar. Só nos resta, os que já sabemos de seu peculiar comportamento, negociar e decidir qual livro escolher mandar para o sacrifício.
Prezado Antônio Lopes:
só agora você vem falar isso! A dupla (os vivos) já “me passou a perna”, e duas vezes (ninguém é burro por gosto). Bastante seletivos, exigentes, escolhem o “filé”. Um deles me disse ser “leitor compulsivo”; levou 4 de vez: até hoje!
Mas eu penso que nem abrem esses livros, é só pra encher as estantes, porque o resultado é pífio.
Despeço-me do amigo, solicitando mais rapidez e presteza nas informações para alertar seus leitores sobre os malfeitos desses “intelectuais”.
Um abraço.
Aécio
Olá, meu querido amigo Menino!
Daqui da estância nos pampas,
num galpão com mate e canha,
fogo de chão se assanha
na madrugada aragana.
O fogo manso aquecendo,
uma guitarra chorando,
formam belo ritual
sob o som do minuano…
e me visto de “astronauta”
pra não perder o ritual
de estrelas como um tapete
na testeira universal.
Beijo no coração de todos.
Ah, tenho ciúme de meus livros, demais! E a Dança da Solidão foi um presente. Obrigada!
Tempos atrás, um amigo montou uma pequena biblioteca numa associação de moradores.
Forneci a ele uns trinta livros e uma observação: O item mais fácil é livro; difícil é conseguir leitor…