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A RIXA QUE SE CONSERVA EM BANHO-MARIA

Ousarme Citoaian | [email protected]

1Veneza BrasileiraCearenses e pernambucanos não se bicam. Mas, inimigos cordiais, mantêm sua rixa em banho-maria, coisa parecida com o fogo de monturo que arde entre Ilhéus e Itabuna. Sendo o Recife cortado pelos rios Capibaribe e Beberibe, com muitas pontes, os orgulhosos pernambucanos chamaram a cidade de Veneza brasileira. Várias músicas abordam o tema, a exemplo de Recife, cidade Veneza (de cuja autoria não lembro) e, sobretudo, Veneza americana (Nelson Ferreira-Ziul Matos). Esta, em 1969, com lei sancionada pelo prefeito Augusto Lucena, foi oficializada como “Canção do Recife”. Veneza brasileira ganhou de cearenses mais despeitados uma paródia indigna: Venérea brasileira.

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Versos que vão do simples ao simplório

A letra de Veneza americana, por certo, não ganharia o Nobel de Literatura.  São versos que ultrapassam a condição de simples e atingem a de simplórios. Talvez por isso o povo, nas ruas do Recife, não tome conhecimento deles: “É Veneza americana/ do mais lindo céu de anil,/ minha terra hospitaleira,/ namorada do Brasil./ Seus coqueiros junto ao mar/ no mais doce farfalhar/ a trazer tranquilidade,/ crescem, crescendo a beleza/ desta cidade Veneza,/ ninho de felicidade./ E o Capibaribe a rir é,/ no seu curso a seguir/ da cidade a própria vida,/ a poesia imorredoura,/ a mensagem sedutora/ da Veneza tão querida”. Recife merece coisa melhor.

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3 AfroditeLembranças de Vênus são pouco nobres

Resta lembrar que a expressão doença venérea (antigamente, “doença da rua”, hoje DST) tem origem nobre: nasce de Vênus, a deusa romana do amor e do sexo (equivalendo, mais tarde, à Afrodite dos gregos). Muito popular, Vênus era a figura maior de uma festa anual, de que participavam com igual entusiasmo “senhoras da família romana” e prostitutas. Júlio César se dizia descendente da deusa. Aquele poderoso romano não gostaria de saber que sua deusa, dois mil anos depois, seria lembrada pelo nome de um grupo de “doenças da rua”. Ou por uma camisa que, não se apressem, não é, a rigor, peça de vestuário: camisa de Vênus, aquela.

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O LUGAR-COMUM PARECE A HIDRA DE LERNA

Leitores habituais desta coluna (desculpem minha imodéstia de pensar em “leitores habituais”) hão de estranhar: “Ele nunca mais falou em lugar-comum, um dos seus temas preferidos”. E é verdade: nunca mais falei em lugar-comum, um dos meus temas preferidos. Falemos, então, para não despertar suspeitas de que eu haja aderido a tão danoso artifício de linguagem. Não aderi, continuo inimigo declarado dessa repetição enfadonha, também chamada de clichê, chapa, carimbo e coisas outras. O lugar-comum se assemelha àquela hidra de Lerna (lembram-se?), de quem, ao se cortar uma cabeça nascia outra no mesmo lugar.
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Se você sabe quem é Loki, não me diga

A mais notável cabeça dessa hidra, nos últimos tempos, refere-se a… recheio!

Mentes preguiçosas e repetidoras de “novidades” aposentaram o verbo encher, trocado por rechear. Nada mais está cheio, repleto ou ocupado por: está recheado de. Uma consulta rápida a veículos que me cercam fornece o abono necessário: “Setembro está recheado de shows dos ex-participantes do The Voice”, diz um blog; um colunista de filmes dispensáveis alardeia: “Thor – o Mundo Sombrio está recheado de cenas com Loki” (por favor, me deixem morrer na ignorância, não me digam quem é Loki); importante jornal do interior paulista me vem com esta: “Último dia do Viva Bauru está recheado de atrações”.

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5 Maxixe de gringoNa culinária rechear “pega” muito bem

Encerremos a pequena lista para não afugentarmos quem lê este espaço: noutro blog, um leitor diz que ele (o blog, não o leitor!) “é muito bem feito e sempre está recheado com as melhores dicas de livros” (provavelmente o sujeito precisa ler um, de Estilística). E para não dizerem que ando de mau humor, afirmo-lhes que encontrei também uma prática receita de pimentão recheado com carne moída – e isto me leva a afirmar que o verbo rechear, no espaço da cozinha, está com emprego corretíssimo. A propósito, a gentil leitora sabe fazer maxixe de gringo recheado? Não sei fazer, mas a ideia de comê-lo  bem temperado (os colunistas sociais diriam… “degustá-lo” – argh!) me deixa com a boca recheada de água!

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COMOVENTE ENCONTRO DE PRES E LADY DAY

7 Lester YoungBillie Holiday, “a mais comovente cantora do jazz”, tinha como saxofonista preferido Pres Lester Young. Este a apelidou de Lady Day, e ela o chamou de Pres, abreviatura de President – até os postes da Coelba sabem disso. Em 1951, os dois rompem relações – não era fácil conviver com a grande cantora – e se reencontram três anos depois, de forma emocionante, no I Festival de Newport, com a nata da época: Dizzy Gillespie, Oscar Peterson, Lester Young, Ted Wilson e outros bads do jazz. Chove muito e cerca de 13 mil pessoas têm, a maior parte do tempo, os pés na lama. Billie vai cantar; Pres, de cara amarrada, está nos bastidores.
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A música como remédio para desavenças

Lady Day está ao lado de Ted Wilson (piano), Buck Clayton (trompete), Jo Jones (bateria), Gerry Mulligan (sax barítono), Vic Dickenson (trombone) e Milt Hinton (contrabaixo). Só falta mesmo o velho Pres, de amizade estremecida. Quando ela surge em cena e canta a primeira frase de “Billie´s blue” (Lord, I love my man), um dos temas preferidos da antiga dupla, o tenorista não resiste: pega seu já maltratado sax (diz o folclore que o instrumento era emendado com esparadrapo), sobe ao palco sem ser chamado e retoma seu lugar ao lado de Billie. A versão aqui mostrada, entretanto (talvez de 1944), tem Roy Eldridge (trompete,  uma abertura à Armstrong), Jack Teagarden (trombone), Coleman Hawkins (sax tenor), Art Tatum (piano) e outros stars.

                                                                                                                                                                                                                                                                      O.C.

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