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tmp_7710-2147_futebol-a-festa-acabou-01652084600Dom Murilo Krieger

Recomeçaram os campeonatos estaduais de futebol. Isso nos faz lembrar que num passado não muito distante, dirigentes de futebol, crônica esportiva e torcedores se preocupavam com a violência dentro de campo, entre os jogadores. Multiplicavam-se deprimentes espetáculos de uma falsa luta de boxe. Foram feitos progressos no setor, para alegria geral do publico que vai aos estádios para ver o futebol; para quem gosta de apreciar a prática de violência, há filmes suficientes na televisão.

Nos últimos tempos, para surpresa geral, surgiu algo novo. Os desentendimentos, as brigas e os feridos estão, agora, nas arquibancadas em torno do estádio. Jogo de futebol na Bahia é exceção, graças a deus! – -e ocasião de risco a integridade física do expectador. À violência verbal, que alguns procuram justificar como uma necessidade para aliviar o “stress”da vida moderna (?), junta-se uma outra coisa ainda mais lamentável: a física. Os instrumentos que alguns torcedores levam consigo para ir ao estádio fazem nascer uma pergunta: eles estão mesmo pensando no esporte? Restos dos homens primitivos, que pensávamos ter desaparecido completamente com o abandono das cavernas, parecem ressurgir aqui e ali. O futebol, que deveria ser uma festa para os olhos e fonte de alegria para o coração, fica de lado.

Psicólogos e comentaristas esportivos tem procurado explicações para tanta violência. Choca-se o fato de que ela não é exclusiva de nenhum país, de nenhum time ou de nenhuma cidade. Qual reação em cadeia, a violência espalha-se rapidamente por toda a parte e passa a ser considerada “normal” até em lugares tidos como pacatos. Até que ponto irá a violência? Até quando persistirá?
Entre os valores que a violência destrói, chamo atenção para um: a festa. O espírito festivo deveria estar presente em qualquer partida de futebol ou prática esportiva, já que é um aspecto essencial de nossa vida, um profundo anseio do coração humano. A revolução industrial e tecnologia deu origem não apenas a uma melhor qualidade de vida, como também uma gradual redução do tempo de trabalho. É verdade que nem todos participam, ainda, dessas conquistas, mas o processo é irreversível. Crescendo o tempo livre, crescem também as opções de lazer.

Precisamos reconhecer que a quantidade de diversão tem crescido; sua qualidade; nem sempre. Não basta termos alguns momentos de descontração e divertimento, sempre à espera de novas experiências. Fomos criados para fazer uma profunda experiência da alegria. A verdadeira alegria renova o coração, faz crescer o espírito comunitário e gera renovadas expressões de solidariedade. Voltemos ao futebol. A medida em que crescem nos estádios, ou ao redor deles, a briga entre as torcidas e torcedores, perde o futebol e perdemos todos nós. Será tão difícil assim compreendermos que não há um jogo de futebol com um só clube? Que não há paixão clubística se todos estiverem torcendo pelo mesmo time? Que é essencial a existência de pessoas e grupos que agitem bandeiras diferentes e gritem outras palavras de ordem?

O Maracanã não teria graça se só o Flamengo e o Madureira disputassem o campeonato carioca. A presença de bandeiras de outras cores é que torna o espetáculo bonito. Vale o mesmo para os jogos do Bahia, do Vitória, ou para prestar uma homenagem à Irmã Dulce – do Ipiranga.

Façamos do futebol uma festa, um encontro de irmãos, não de inimigos a serem destruídos. Os problemas que precisamos enfrentar dia a dia não são poucos, nem pequenos. Porque aumenta-los? Momentos de descontração nos ajudam a enfrentar e a superar os desafios que se renovam em nossa vida. Por fim um lembrete. O torcedor que deixa sua casa para ir ao estádio de futebol é um ser humano, como cada um de nós. Ele não pode ser visto como um inimigo só porque torce para um time diferente. Respeitá-lo é o primeiro passo para que, juntos, façamos da vida uma festa. Ora, uma festa é tanto mais bela quanto mais pessoas dela participarem.

*Artigo publicado, originalmente, na coluna dominical de Dom Murilo Krieger n’A Tarde.

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