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Laura Pujol, cônsul-geral cubana na Bahia.
Laura Pujol, cônsul-geral cubana na Bahia.

A cônsul-geral de Cuba na Bahia, Laura Pujol, afirma que o mais importante nestas negociações com os Estados Unidos é o fim do bloqueio econômico, financeiro e comercial.

Laura entende que o processo não será rápido, mas cada passo será aproveitado salvaguardando as conquistas do sistema social, socialista.

Na entrevista concedida ao jornalista Marival Guedes, do PIMENTA, a cônsul fala também sobre soberania, direitos humanos, migração, meio- ambiente e turismo. Confira

PIMENTA – Cônsul, agora que foram dados os primeiros passos para o reatamento das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, quais as perspectivas com relação ao fim do embargo americano?

LAURA PUJOL – Já houve três rodadas de negociações onde foi discutida a reabertura das embaixadas. Mas o reatamento das relações diplomáticas já foi anunciado pelos dois presidentes. Portanto, não temos dúvida de que vai acontecer num curto período, resultado dos diálogos que estão acontecendo entre os dois governos.

PIMENTA – E as outras relações entre os dois países, quais as perspectivas?

LAURA – Neste aspecto não podemos criar falsas expectativas com relação ao tempo. É preciso que se leve em consideração que Cuba e Estados Unidos nunca conversaram como países soberanos. E são dois países diferentes. Mas o mais importante tem que ser ressaltado: este diálogo vai acontecer. Somos países vizinhos que precisamos ter relações mesmo com sistemas políticos opostos, divergentes.

PIMENTA – Outro passo já foi dado, a eliminação de Cuba da lista dos países que patrocinam o terrorismo…

LAURA – Era uma lista onde Cuba nunca deveria ter sido incluída, que não reflete a realidade. Ao contrário, nosso país tem sido vítima do terrorismo durante mais de 50 anos, com inúmeros mortos e feridos, com ações terroristas organizadas dentro dos Estados Unidos. Esta eliminação é um progresso para as relações entre os dois países.

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O mais importante é o fim do bloqueio econômico, financeiro e comercial.

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PIMENTA – Quais os fatores mais importantes na normalização?

LAURA – O mais importante é o fim do bloqueio econômico, financeiro e comercial, ação que tem prejudicado a vida do povo cubano. Quem nasceu em 1984, não conhece outra coisa que não seja um país bloqueado. E 70% do povo cubano que vive hoje nasceu debaixo desta injusta situação que não afeta somente a economia, as transações comerciais. Provocou também, nos últimos anos, um especial recrudescimento nas questões financeiras que atrapalham o desenvolvimento do nosso país. É uma ação que prejudica a vida do povo cubano. Há outra questão histórica que é a base de Guantánamo, instalada em Cuba pelos Estados Unidos. Isto também tem que ser discutido.

PIMENTA – Será um processo de médio ou longo prazo?

LAURA – Não será feito rapidamente, mas cada passo será aproveitado pelo povo cubano para o desenvolvimento do nosso país, salvaguardando as conquistas do nosso sistema social, socialista, o sistema que escolhemos pra viver que é o socialismo cubano.

PIMENTA – Este início de diálogo com os Estados Unidos poderá provocar alguma alteração nas relações de Cuba com outros países parceiros, a exemplo de Brasil, Venezuela, Equador, Bolívia…?

LAURA – Penso que não tem a ver uma coisa com outra. A nossa relação sempre tem sido pelo multilateralismo. Queremos muitos parceiros e combatemos, por princípio, qualquer relação assimétrica. O posicionamento de Cuba na agenda internacional não tem porque mudar, porque estamos falando com os Estados Unidos. Temos relacionamentos com países emergentes importantes como é o caso do Brasil, Rússia, China. E é o caso também da relação que estamos aprofundando e melhorando com a União Europeia. Isto nos deixa ainda melhor para o processo de normalização com os Estados Unidos. Considero isto importante também para a mudança de           posicionamento dos Estados Unidos. É importante também deixar claro que nós oferecemos o diálogo desde o primeiro dia que triunfou a revolução. É verdade que tivemos momentos de confrontos políticos muito fortes, mas a escolha do rompimento das relações nunca foi de Cuba.

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Não faremos nenhum tipo de concessão de princípios para agradar.

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Confira a íntegra da entrevista clicando em

PIMENTA – Mas Cuba não abre mão da soberania…

LAURA – Isso nem se fala, não está na nossa agenda e penso que também não está na agenda dos Estados Unidos por que se assim fosse eles não estariam falando conosco. Eles sabem muito bem que não faremos nenhum tipo de concessão de princípios pra agradar. Eles sabem por que conhecem a história de Cuba e têm assistido todo o sacrifício que tem feito o povo cubano nos 55 anos de revolução.

PIMENTA – Na questão ambiental, Cuba ganhou um prêmio da WWF pela preservação. Como é esta questão do meio ambiente em Cuba?

LAURA – O posicionamento do governo cubano com relação a questão ambiental é muito forte desde o início. Quando ainda não estava em moda a questão ambiental, aquele emblemático discurso de Fidel na Cumbre do Rio, em 1992, foi um fato inesquecível. Até hoje quando se ouve aquelas palavras sente-se que tem uma vigência aterradoramente perfeita para os dias de hoje. Ou seja, são coisas que já foram ditas há muitos anos e a humanidade ainda não tomou medidas para melhorar, reduzir, mudar o impacto que está existindo sobre o planeta. Nosso país está em vias de procurar desenvolvimento e isto obviamente tem um impacto ambiental e somos cientes disso. O posicionamento do meu país não é intervir para preservar. É intervir com repercussões identificadas e limitadas o máximo possível. Existem estruturas nacionais para a proteção do meio-ambiente, zonas de proteção ambiental em Cuba, mas sobretudo existe uma preocupação que se estende por todos os ministérios, por todo o funcionamento da esfera cubana de desenvolvimento com relação à questão ambiental. E cada projeto tem avaliação ambiental.

PIMENTA – Como é feita esta avaliação?

LAURA – A oficina nacional que cuida deste tema em Cuba tem participação de todos os projetos socioeconômicos e cada um deles é avaliado do ponto de vista do seu impacto ambiental. Então não digo que estamos perfeitos.Temos muito pra fazer. O importante é que temos esta preocupação permanente e que é refletida em cada uma das nossas ações. Evidentemente temos alguns logros no setor ambiental como você disse. Recebemos reconhecimento por atingirmos os objetivos do milênio. Poucos países conquistaram. Fizemos tudo que foi acordado na agenda de Kioto, chegamos a 2015 com todas as tarefas cumpridas. Isto tem um custo alto por que é muito difícil para um país pequeno em via de desenvolvimento. Mas demonstra a preocupação ambiental, um tema muito presente no cotidiano.

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Somos países vizinhos que precisamos ter relações, mesmo com sistemas opostos, divergentes.

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PIMENTA – Com relação à migração, o que tem mudado e o que pode mudar?

LAURA – Cuba é um país com potencial migratório muito forte, como todos os países da América do Sul e Central. Mas Cuba tem uma questão específica, que agrava: os Estados Unidos são um país receptor histórica e geograficamente. Lá existe uma lei para promover a migração de Cuba, com uma série de benefícios importantes com relação a chegada, instalação e de facilidade para os “permisons”, especificamente para os cubanos. O cubano tem sido um povo que migra e também recebe imigrantes. Mas a imagem que foi criada, por causa da onda migratória logo após a revolução, que a imigração cubana era política, mudou há muitos anos. A migração é uma decisão pessoal em última instância e tem um grupo de fatores muito amplo para se tomar esta decisão. Então podemos dizer que o problema não é somente político, é também econômico. E, para outra parte, podemos dizer que é econômico e que pode também ter razões políticas. Sobretudo no período especial que gerou uma crise muito forte em Cuba da qual ainda não recuperamos totalmente, ainda estamos sofrendo as consequências daquele impacto terrível que foi o desmantelamento do socialismo real no mundo para nossa economia e para nossa vida. Então surgiu uma onda migratória grande que tinha como principal motivação a questão econômica.

PIMENTA – Mas houve mudança na legislação, não?

LAURA – Cuba mudou sua lei migratória, permite a ida e vinda dos cubanos sem nenhum tipo de dificuldade, só com requerimento mínimo do ponto de vista organizativo que qualquer país pode estabelecer. E ainda estamos aperfeiçoando e estudando novas formas de incentivar a possibilidade para o cubano retornar a Cuba quando quiser. O problema é que Cuba não pode oferecer competência em condições de desenvolvimento e até do ponto de vista intelectual para aquela pessoa que quer ter um desenvolvimento diferente como acontece com qualquer país da América Latina, de onde seus profissionais migram para Europa e Estados Unidos com o objetivo de encontrar novos horizontes. É um sonho que nem sempre se materializa, mas existe. Então, o que fizemos foi mudar acompanhando a mudança dos tempos, igual a tantas coisas que Cuba já modificou e continua aperfeiçoando para permitir com uma maior naturalidade este processo migratório dos cubanos que não acontece apenas com relação aos Estados Unidos. Tem cubano em praticamente todos os países do mundo. Temos 137 oficinas consulares e em todos estes países tem comunidade cubana e tem também onde não há Oficina Consular.

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A principal violação de direitos humanos cometida pelos Estados Unidos acontece em Cuba na Base Naval, ilegalmente ocupada, em Guantánamo.

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PIMENTA – Na III Convenção Baiana de Solidariedade a Cuba, o professor e escritor cubano Carlos Tablada falou que Cuba não teme debater tema algum com os EUA. Dentre os pontos, citou direitos humanos. Como se dá este debate?

LAURA – Eu penso que qualquer conversa deve incluir diversos temas, inclusive direitos humanos. Mas, evidentemente, em pé de igualdade. Nunca dissemos que Cuba é um país perfeito em direitos humanos. Como sempre estamos dispostos a aprender e a melhorar, em direitos humanos e em qualquer tema. Quando você se posiciona com respeito ao meu país, eu também tenho a possibilidade de expressar-me da mesma forma sobre nossas preocupações. Nos Estados Unidos está questão está gritante por causa dos jovens que foram assassinados na rua pela polícia. Mas a principal violação de direitos humanos cometida pelos Estados Unidos acontece em Cuba na Base Naval, ilegalmente ocupada, em Guantánamo, onde eles têm aquela prisão horrível, onde acontecem coisas horríveis. E muita coisa não chega ao conhecimento da população. São pessoas presas sem direitos e para os EUA lá não existe a lei. Esta poderia ser uma primeira fala, mas o espírito cubano não é entrar neste processo para pressionar o outro por que se fizermos isso não vai existir a normalização. Temos posicionamentos históricos com relação a muitas coisas que fazem os Estados Unidos. Recentemente eles foram muito bem enumerados pelo nosso presidente Raúl Castro na Cumbre das Américas. Mas não é pra isso que estamos neste processo de normalização. Nosso objetivo é escutar e construir caminhos onde podem ser construídos. Eu não participo diretamente deste processo, mas penso que não será o que meu governo vai fazer.

PIMENTA – Quais as expectativas com relação ao prazo para a conclusão deste processo?

LAURA – Somos bem cientes que será um processo demorado. Nós levamos 60 anos pra nos falar, temos muito pra falar. Então não se pode criar esta falsa expectativa de que tudo vai ser falado em um encontro entre dois presidentes. Não dá. As delegações técnicas que estão conversando agora têm um objetivo claro que são as aberturas das embaixadas. A normalização vai levar mais tempo e é escolha também do nosso país participar deste processo e receber também os benefícios que este processo indiscutivelmente nos vai trazer.

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Cuba se encontra com instalações de altíssimo nível, ganhando os primeiros prêmios em competições internacionais. Aprendemos o turismo.

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PIMENTA – A que se atribui o crescimento da atividade turística em Cuba?

LAURA – O turismo em Cuba tem se desenvolvido, sobretudo nos últimos 20 anos. Quando fomos atingidos pela crise do período especial, uma das escolhas estratégicas do nosso país foi o desenvolvimento do turismo. Então foram criados hotéis, espaços para o turismo e, sobretudo, foi criando-se uma cultura da prestação de serviços turísticos que até aquele momento não existia. Agora nos encontramos em outra realidade. Cuba se encontra com instalações de altíssimo nível ganhando os primeiros prêmios em competições internacionais. Aprendemos o turismo. Nosso ministro do Turismo tem recebido no país hotéis em administração conjunta, mas nossos profissionais já aprenderam. Tem muitos hotéis que são administrados por entidades 100% cubanas e funcionam muito bem.

PIMENTA – Recentemente não houve alta e baixa estações…

LAURA – É um fenômeno bastante novo que realmente tem se materializado nos últimos meses, depois do anúncio do reatamento das relações com os Estados Unidos. Anteriormente éramos um país turístico que tínhamos um crescimento muito bom, ótimo, mas nunca com um ritmo de 15% anual que é o que aconteceu agora neste primeiro trimestre. Então, a baixa temporada não chegou. Isto é bom porque exige uma resposta da infraestrutura e também contribui para revitalizar a economia de todos aqueles setores que trabalham com o turismo.

3 respostas

  1. Parece até piada a frase “Não faremos nenhum tipo de concessão de princípios para agradar.

    Cuba vem ajoelhando-se durante anos para ter uma ajudinha do Estados Unidos.

    Cuba de volta ao sistema capitalista.

  2. O primeiro erro é chamar a ditadura comunista e escravocrata de Cuba, que o Brasil petista tanto admira e ajuda, de país socialista. O Segundo é acrediatar em tudo que se fala no Brasil a respeito de CUBA, principalmente pelos petistas que “adoram” CUBA mas ninguém quer fixar residência naquele “paraiso”.

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