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marivalguedes2Marival Guedes | marivalguedes@gmail.com

 

Leó, que havia marcado gols em todas as partidas, fez um golaço na decisiva e consagrou-se artilheiro do campeonato. No final do jogo Osório Vilas-Boas foi parabenizá-lo, mas não conseguiu pronunciar palavra alguma. A garganta travou, as lágrimas caíram.

 

Na última vez que encontrei Léo, fomos a um bar próximo a casa onde ele morava em Itabuna. Estava chateado por causa de uma tentativa de assalto na Avenida do Cinquentenário.

Contou que quando o homem mostrou uma faca, ele desabafou:

-Mas eu, um idoso?

Surpreso, o assaltante respondeu com outra pergunta:

É você, Léo?

Pediu desculpas e saiu apressadamente.

Vamos esquecer isso e falar sobre as coisas boas da vida, sugeri e ele concordou. A partir daí, foram muitas histórias e muitas risadas.

O texto que segue, escrevi para uma edição especial do Jornal Agora. Depois vi na biblioteca colaborativa Wikipedia, com algumas alterações, e faço um terceiro nesta manhã de sábado.

A FUGA PARA O RIO DE JANEIRO

Briglia foi um dos monstros sagrados do futebol baiano.
Briglia foi um dos monstros sagrados do futebol baiano.

Léo foi “descoberto” quando atuava pela Federação Universitária Baiana de Esportes (Fube) numa preliminar de Bahia e América em Salvador. Suas jogadas despertaram a atenção do técnico Grita, um uruguaio, que o convidou para jogar no Rio.

Sabendo que o pai não concordaria, ele saiu de casa às escondidas: “minha família soube pelos jornais e revistas, quando eu já estava jogando no América”, conta.

No Rio, os treinos eram realizados no campo do Vasco. Ao observar a atuação do jogador, o técnico do clube, Flávio Costa, o convidou. Mas ele já havia assinado contrato com o América.

No entanto faltava um detalhe, Francisco Briglia, pai de Léo, teria que assinar o contrato. Prevendo a resistência, foi enviado um diretor importante politicamente, o Ministro do Trabalho, que foi a Salvador, onde a família tinha residência para os filhos estudarem.

O “coronel de cacau” não levou o poder político em consideração: “ele rasgou o contrato e xingou o ministro, dizendo, você é descarado igual a Léo”, contou o ex-jogador.

Mas “arranjaram um jeitinho”. O vice-presidente do América era juiz de Direito e assinou o contrato se responsabilizando pelo jogador, que permaneceu no clube durante três anos, de 1947 a 1949.

VISITA E PRISÃO

Neste último ano, aconteceu algo inesperado: o América foi jogar em Ilhéus. Léo se hospedou, junto com a equipe, no Ilhéus Hotel e decidiu visitar os familiares em  Itabuna.

Quando chegou, por ordem do pai, recebeu voz de prisão do irmão, Eudes Briglia, que era delegado, ao tempo em que ouvia o vozeirão de Chico Briglia, aos berros: “você não vai voltar mais, seu moleque vagabundo!”.

RETORNO AO FUTEBOL BAIANO

Ficou na cidade, jogando nos times de Itabuna contra os de fora, a exemplo de Bahia, Botafogo e Ipiranga. “Nós papávamos todos eles”, diz orgulhoso.

Quando o futebol itabunense entrou em declínio, em 1953, ele foi para o Colo-Colo de Ilhéus.

O “Tigre” foi campeão em 1953 e 1954 e Léo o artilheiro absoluto. Depois do Colo-Colo, conseguiu um emprego de auditor fiscal em Salvador, através do Governador  Juracy Magalhães, seu padrinho.

“QUASE” CAMPEÃO MUNDIAL

Em 1958, Léo Briglia foi convocado para a Seleção Brasileira, pelo técnico Vicente Feola. Mas foi cortado dezoito horas antes do embarque para a Suécia, porque seu ex-treinador do Fluminense havia declarado a um importante jornal da época, que o joelho do atleta estava lesado e seus dentes tinham muitas cáries.

Por isso, ficou definitivamente fora da Seleção. Foi substituído por  Dida, do Flamengo. Em relação às cáries, vale lembrar que todos os seus dentes foram extraídos e, dias depois, substituídos por uma dentadura.

Sobre o corte na Seleção, Léo falou conformado que futebol tem dessas coisas e afirma que neste incidente houve um aspecto positivo, que foi a oportunidade dada àquele que se tornou a maior estrela do futebol brasileiro:

“Se eu fosse para a Suécia, o Pelé não iria brilhar porque não teria a oportunidade de jogar, pois a posição era minha e não lhe daria esta chance. Mas era pra ser Pelé e assim foi”, disse Léo Briglia.

 REJEIÇÃO E GLÓRIA NO BAHIA

Torcedor do Vitória, Léo tentou jogar no rubro-negro, mas o dirigente Ney Ferreira não aceitou, argumentando que ele estava velho, decadente e em fim de carreira.

Com a negativa, o ex-jogador e técnico do Bahia, Geninho, sugeriu sua contratação ao presidente do clube, Osório Vilas-Boas, que reagiu de forma semelhante, argumentando que “Léo bebe muito e é irresponsável”. Geninho insistiu, assumindo um arriscado compromisso: “contrate Léo que eu lhe dou a Taça Brasil de presente”.

CAMPEÃO E ARTILHEIRO NACIONAL

Por ironia, foi no Bahia que viveu sua melhor fase como jogador de futebol. O clube foi para a final da Taça Brasil (que começou em 59 e terminou em 60), numa melhor de três, contra o Santos.

Na primeira, em plena Vila Belmiro, o Bahia surpreendeu o Santos ao vencer por 3 a 2. No segundo confronto, na Fonte Nova, perdeu por 2 a 0, mas venceu a histórica partida decisiva em campo neutro e sagrou-se o primeiro campeão da Taça Brasil, derrotando o time de Pelé por 3 a 1, no Maracanã.

Leó, que havia marcado gols em todas as partidas, fez um golaço na decisiva e consagrou-se artilheiro do campeonato. No final do jogo Osório Vilas-Boas foi parabenizá-lo, mas não conseguiu pronunciar palavra alguma. A garganta travou, as lágrimas caíram.

FLAGRANTE NA BOATE

Das suas histórias de boêmio uma aconteceu no Fluminense do Rio. O time estava concentrado num hotel para o clássico contra o Vasco no dia seguinte.

Ele não resistiu a um convite e fugiu para uma festa numa boate. De madrugada, apareceu o técnico Zezé Moreira e o levou para o hotel. Lá, na madrugada, ouviu a sentença: “enquanto eu estiver aqui, você não veste mais a camisa do Fluminense. Mas não vou dizer pra ninguém, por que lhe tirei do time”.

Porém, um incidente levou o técnico a suspender a punição: um jogador se machucou e Léo foi convocado. Mesmo de ressaca, entrou e brilhou. Driblou, deu passes, fez dois gols e o Fluminense venceu por 5 a 2.

Um dos maiores craques do futebol brasileiro, Léo Briglia ocupou espaços nos mais importantes veículos de comunicação do país. Foi citado em crônicas do dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues, assim como do escritor e jornalista Antônio Lopes.

Além de ser o primeiro artilheiro do Brasil, teve vários outros títulos conquistados. Entrou e colocou a Bahia numa das páginas de maior destaque do nosso futebol.

Valeu, Léo.

Marival Guedes é jornalista.

0 resposta

  1. Parabéns pelo belíssimo texto. Nós Itabunenses precisamos relembrar e até conhecer a história de vida daqueles que honraram nossa cidade.

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