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Ederivaldo Benedito | ederivaldo.benedito@gmail.com
 

O ambiente está claro e isso é salutar. Mostra que o Brasil – construindo verdades baseado em mensagens postadas nos aplicativos, informações manipuladas e distorcidas, em mentiras, falsas notícias, boatos – está fora do armário mostrando outra face. Tirou a máscara e não é apenas um inimigo oculto, à espreita, atrás da tela do celular.
 

A onda moralista pós-vitoriana que vem abalando o país em torno do chamado ‘kit gay’ bem que poderia alcançar todos os espaços da sociedade brasileira. Não se discute, aqui, ou questiona-se ou não a origem do ‘kit gay’ e a sua utilidade nas escolas infantis, mas os rumores que, nos últimos meses, o transformaram em debate nacional. Não se observa que a questão é a preocupação com o presente e o futuro das nossas crianças, mas que é a hipocrisia e o conservadorismo que estão se rebelando. Estão saindo do armário e se manifestando contra essa inusitada prática educacional.
Mas seria a discussão em torno do ‘kit gay’ uma excelente oportunidade para a nobre família de tradição judaico-cristã, defensora da moral e dos bons costumes, ampliar o debate além da questão de gênero e sexualidade que afeta os nossos pequenos tão ameaçados por influência de ideologias malsãs? Um momento apropriado para a discussão de temas tão ou mais graves como esse, a exemplo da violência no ambiente escolar, dos baixos salários recebidos pelos professores, da qualificação dos nossos docentes, da ausência cotidiana dos pais e responsáveis, e além, é obvio, da ocupação dos estabelecimentos de ensino por parte dos traficantes?
Seria pertinente uma discussão em torno desses temas, considerando que afeta o futuro do país, sendo nossas crianças, os futuros cidadãos, independente da orientação sexual delas? Afinal, sendo macho ou fêmea, os anjos não perdem sua essência angelical.
Ocorre que o problema é muito sério e a questão mais profunda do que se imagina, porque o ser humano é preconceituoso e, historicamente, o brasileiro sempre foi contra gay, preto, pobre, candomblezeiro, maconheiro, sindicalista, comunista, mulher, capenga, cego, favelado, prostituta, analfabeto, banguela, nordestino, anão, gordo, careca, cigano, mas estava no armário. E dentro desse armário tinha mais preconceito do que próprios gays, com ou sem kits. Mas esse preconceituoso, por variados motivos, não tinha coragem de dizer que é preconceituoso. Ocorre que, de repente, não mais que de repente, alguém despertou e empoderou esse discurso, fortalecendo o preconceito.
Ora, se o preconceituoso, com seu preconceito guardado a sete chaves, passa a ver e ouvir figuras públicas – aparentemente poderosas, acima da lei – falando que se pode fazer o que sempre quis fazer, ele entra nessa frequência vibratória. Vai até o armário e pega seu revólver, porrete ou soqueira, carregado de intolerância, ódio, rancor e sai por aí destilando tudo que estava guardado em todos que encontrar pela frente e que, teoricamente, seja diferente dele. Para a tristeza de Jesus Cristo e alegria de Adolf Hitler.
Ao fazer esses estragos, não sabe esse preconceituoso que, num país miscigenado como o Brasil, poderá ser ele também alvo dessa sua ação violenta, preconceituosa, perpetrada sob o pretexto de proteger a criança do desvirtuamento dos valores da família tradicional brasileira. Isto porque esse preconceituoso – apesar de ser parente, colega de trabalho, vizinho de um gay ou deficiente físico; de alguém com Síndrome de Down, autismo, dificuldades motoras ou anencefálicas – não gostaria de ter um filho com essas condições. Essa possibilidade lhe causa repulsa, grande mal-estar, assim como os portadores de HIV, os mendigos, os alcóolatras, os leprosos, as crianças dos orfanatos e os velhinhos dos abrigos. O preconceituoso sonha, imagina em viver numa suposta sociedade perfeita, produtiva, bonita, composta apenas por pai, mãe e filhinhos. Se eles são hipócritas, se agridem, se traem, se destroem, se matam, aí são outros quinhentos…
O fato é que a polêmica em torno do ‘kit gay’ não é totalmente inócua, muito pelo contrário. É rica, engrandece, enriquece o debate. Está nas ruas, nas escolas, nos locais de trabalho, nas Redes Sociais e as pessoas estão se manifestando. O ambiente está claro e isso é salutar. Mostra que o Brasil – construindo verdades baseado em mensagens postadas nos aplicativos, informações manipuladas e distorcidas, em mentiras, falsas notícias, boatos – está fora do armário mostrando outra face. Tirou a máscara e não é apenas um inimigo oculto, à espreita, atrás da tela do celular.
Mas o ideal seria que essa discussão – madura e coerente – fosse ampliada para outros temas, uma contribuição para a construção da nova Escola brasileira, o desenvolvimento de ações com base na Doutrina da Proteção Integral preconizada pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). O fortalecimento dos laços familiares, a luta contra a paternidade irresponsável e o acolhimento às abandonadas; o combate à pedofilia no ambiente familiar e a blindagem das nossas crianças às drogas. E mais: num país laico, heterogêneo, miscigenado, plural como o nosso – dá às nossas crianças uma formação humanista, respeitosa, cidadã para que no futuro elas possam colher bons frutos, olhar para trás e considerar que foi uma polêmica proveitosa e o ‘kit gay’, realmente, uma proposta abençoada.
Ederivaldo Benedito é jornalista, bacharel em Direito, licenciado em História e mestrando em Educação.

3 respostas

  1. Parabéns companheiro Bener,sinto em cada palavra da tua escrita um colosso que nossos irmãos em Deus deveriam ter amor no coração. O filho Jesus trouxe ensinamentos que se aplicado, não teríamos tanta hipocrisia e preconceito. Que bom ter pessoas assim no jornalismo preocupada com o futuro de nossas crianças e da nação.
    Vou contar uma pequena história: A poucos dias atras ouvir de uma família religiosa, que uma filha tinha engravidado de um rapaz e eles não era casados. O pai um religioso segundo ele cristão, deu um ultimato a sua filha: Ou sai de minha casa , ou aborta, ou se casa com quem lhe engravidou. Hipocrisia das grandes!

  2. Bené, parabéns pelo excelente texto. Belo momento de lucidez. Que Deus e os Orixás iluminem a sua mente para produzir mais e mais textos gostosos iguais a este. Infelizmente o Brasil está inundado de racistas e hipócritas. Nunca vi tanto ódio aflorado nestes tempos de eleições. Que Deus proteja esta Nação de gente tão diversa para que a paz volte a reinar.
    Axé!

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