O descumprimento de uma decisão judicial que obriga a Prefeitura de Feira de Santana, na Bahia, a regularizar milhares de contratos ilegais, feitos por meio de cooperativas e organizações sociais, está com os dias contados. O Ministério Público do Trabalho, autor da ação que determina a substituição de pessoas contratadas de forma irregular por concursados, se uniu ao Ministério Público do Estado da Bahia e ao Ministério Público de Contas e encaminhou uma recomendação detalhada aos gestores do município estabelecendo o dia 31 de dezembro de 2021 como prazo limite para correção das irregularidades sob pena de execução de multa calculada hoje em mais de R$ 73 milhões.
O caso teve início em 2009, quando os procuradores do trabalho encaminharam à Justiça ação civil pública questionando o uso ilegal de cooperativas de trabalhadores para burlar o concurso público, que vinha sendo objeto de investigação desde 2006. O MPT demonstrou que em vez de promover seleção pública para preenchimento dos cargos, a prefeitura local passou a usar falsas cooperativas para intermediar mão de obra.
O artifício, inicialmente usado para preenchimento de cargos na área de saúde, se alastrou por todos os setores da administração, a ponto de haver mais de quatro mil terceirizados num universo de 5,7 mil servidores estatutários.
“A recomendação conjunta expedida é um alerta para os atuais gestores de que os Ministérios Público do Trabalho, do Estado e de Contas vão até as últimas consequências para executar a decisão judicial caso o município não se disponha a corrigir essa prática ilegal”, explica o procurador do MPT Ilan Fonseca. Ele lembra que, além da multa de R$73 milhões, que pode ser estendida aos gestores, é possível haver responsabilização criminal e eleitoral. Para a também procuradora do MPT Annelise Leal, “o objetivo é corrigir as ilegalidades e a recomendação aponta o caminho para os gestores procurarem os Ministérios Públicos para negociar uma adequação de conduta.”
A Recomendação nº 2925.2021, de 05 de maio de 2021, chama a atenção dos gestores que já existe precatório passível de pedido de sequestro a partir de janeiro de 2022 e alerta que essa cobrança poderia ter sido evitada se os administradores do município tivessem cumprindo a decisão judicial. Além do valor que pode ser sequestrado das contas municipais, os responsáveis pelo descumprimento da decisão estão sujeitos a responder por improbidade administrativa e que as contas podem ser rejeitadas. Somente no ano de 2019, o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) indicou mais de R$100 milhões pagos irregularmente para cooperativas e empresas de intermediação demão de obra.
O descumprimento da decisão judicial e as ilegalidades contidas na prática de substituir o trabalho servidores concursados por contratos com cooperativas ou organizações sociais são fato incontestável. Ainda assim, os três ramos do Ministério Público orientam os gestores a adotar medidas que possam evitar o sequestro de recursos e a responsabilização dos gestores. O documento estabelece prazo de 30 dias para o município apresentar levantamento completo das funções públicas necessárias para a manutenção dos serviços públicos municipais e quais os serviços que o município pretende manter por meio de entidades do terceiro setor.
A Recomendação dos MPs vai além e determina o prazo de 120 dias para rescindir os contratos com cooperados, terceirizados e temporários que exerçam funções típicas da administração. O preenchimento das funções exercidas irregularmente deve, segundo a recomendação, ser preenchida mediante a contratação por concurso público de servidores. A exceção prevista para contratação de organizações sociais para gerir o setor de saúde também requer o preenchimento de requisitos previstos no ordenamento jurídico. Nesse item, os MPs fazem uma série de ressalvas sobre critérios necessários para validar os contratos de gestão de unidades de saúde.